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Londres, janeiro de
2019.
Desde que tomei a decisão de sair da banda e me dedicar
somente ao trabalho de detetive, minha vida havia se tornado ainda mais
corrida. Para compensar a perda de um integrante, e também o ano de folga que
toda a banda tiraria, a carga de shows aumentou e o tempo para fazer qualquer
outra coisa ficou ainda mais escasso. Eu não sabia o que era uma noite de sono
de mais de quatro horas há meses.
Mas apesar de todo o cansaço do trabalho em excesso, o
processo para a adoção de Austin e Molly corria muito bem. O juiz de inicio não ficou muito satisfeito
com a idéia de me dar a guarda de duas crianças, mas com o tempo foi percebendo
que eu não estava tomando aquela decisão por impulso e falava sério quando
dizia que queria ser pai deles. Ele ainda não havia tomado uma decisão
definitiva, mas meu advogado me garantiu que eu ia ganhar a batalha. Segundo
Brianna, o fato dele ter autorizado as crianças a passarem o natal comigo era
um sinal positivo. Agora era só uma questão de tempo.
Com a minha saída da banda oficializada e todos os meus
compromissos com ela encerrados desde o dia 1º, agora me dedicava somente à
delegacia. E naquela semana, convidado pelo Tenente Sanders, estaria de volta à
Academia de Aurores auxiliando em uma aula de Ciência Forense. Antes das 8h já
estava no saguão do quartel esperando. Emma chegou pontualmente às 8h e
seguimos para a sala de aula.
- Pronta? – perguntei animado. Era a primeira aula dela.
- Sim, pronta. Aí vêm eles.
Os alunos começaram a entrar na sala e reconhecia a maioria
deles de Hogwarts, calouros do ano que eu era um veterano. E claro, entre eles
rostos mais que familiares como Julian e Lena que eram praticamente da família
e Kaley e Amber. A surpresa estampada no rosto deles quando me viam na sala era
evidente, mas ninguém fez nenhuma pergunta.
- Bem vindos – Emma falou animada – Meu nome é Emma
Blanchard. Não, desculpe, Emma Sciuto. Mudei recentemente, ainda preciso me
acostumar. Sou recém-formada em ciência forense pela academia do FBI e vou dar
aula para vocês esse semestre. E este é Nicholas O’Shea, como acho que todos já
sabem, detetive da Scotland Yard que vai me auxiliar essa semana. Alguma
pergunta?
Ninguém respondeu nada, mas todos, sem exceção, trocaram
olhares confusos. Emma tinha apenas 20 anos, a mesma idade de alguns deles e no
máximo um ano mais velha que os outros. Mas diferente deles, quando se formou
em Hogwarts em 2016, não entrou para a academia de aurores, Micah havia
encaminhado ela direto para Quântico. E para completar, ela ainda tinha um
visual peculiar, com roupas bem coloridas e piercing. Eu também estaria
confuso.
- Certo. A aula de hoje será sobre casos antigos forenses.
Estaremos trabalhando em um caso fornecido pelo Capitão da Scotland Yard de um
traficante de drogas de quase 20 anos. Nada mais arquivado que isto. Sei que
vocês já tiveram aula sobre arquivos mortos, mas agora vocês vão aprender a
encontrar evidencias através da ciência. Alguma pergunta? – uma menina levantou
a mão – Sim?
- Alguém avisou a você que o Halloween é só em outubro?
- Seu nome é...? Deixe me adivinhar. Penélope – ah, Penny.
Lembrava dela.
- Você sabe ler e viu minha ficha, parabéns.
- Sim, eu sei ler. Também posso dizer que você tem gatos.
- Qualquer um diria que tenho um gato.
- Um gato malhado laranja e dois gatos Calicós. É alérgica a
alimentos cítricos. – Emma foi se aproximando de Penny e segurou sua mão – Foi
jogar boliche na noite passada. É deficiente em vitamina D... – a
essa altura a turma inteira já estava rindo e eu estava fazendo um enorme
esforço para não me juntar a eles – E está ovulando. Mais alguma pergunta? –
Penny não respondeu, obviamente – Ótimo. De volta ao caso.
Depois disso, a aula correu muito bem. Emma apresentou o
caso em que eles iriam trabalhar, já os informou do projeto para o final do
curso e marcou a aula onde sairíamos para trabalhar no campo, ou seja, no
galpão de evidencias da Scotland Yard. A manhã passou e sequer percebi.
- Me acompanha no almoço ou tem compromisso? – Emma falou
enquanto juntava as coisas na mesa – Eu pago.
- Tenho que buscar as crianças na escola e levar para o
abrigo, mas eles só saem 15h, tenho três horas até lá. Não vou recusar comida
de graça.
- Ótimo! Tem um restaurante novo do Jamie Oliver no Soho que
estou louca pra conhecer.
Chegamos ao restaurante em menos de meia hora e fomos
acomodados em uma mesa de quatro lugares. O cardápio era italiano, então
qualquer coisa que pedíssemos estaria excelente. E como não íamos mais
trabalhar no resto do dia, pedimos a carta de vinho.
- Eles já estão chegando – Emma comentou checando seu
celular – Droga, meu cartão com o nome novo ainda não ficou pronto. Maldito
banco.
- Por que mudou para Sciuto, afinal? Gostava de Blanchard.
- Não me sinto uma Blanchard desde toda a confusão de
descobrirem que não era filha deles. Tampouco me sinto uma Karev, então escolhi
um nome só meu. Gostei de Sciuto, é diferente.
- Vai mudar o nome outra vez depois do casamento? –
perguntei a ela.
- Não, ela vai mantê-lo – Otter responder por ela, surgindo
por trás da minha cadeira, e bateu em meu ombro antes de beijar Emma e sentar
ao seu lado.
- Olá, olá, minha gente, já aviso que estou acordada há 48
horas e faminta! – Clara puxou a cadeira ao meu lado e se sentou.
- Por que demoraram tanto? Achei que chegariam aqui primeiro
– Emma perguntou.
- Culpa da Clara que não saiu no horário – Otter respondeu e
Clara fez uma careta pra ele.
- Não é minha culpa ter aparecido um paciente de última
hora.
- Tia Louise está marcando pesado, não é? – perguntei rindo.
- Lembra no natal, que sem querer contei que o apelido dela
no St. Mungus era Medusa e todos achamos que ela estava brincando quando disse
que a verdadeira Medusa era a versão dela que trabalhava no John Radcliffe? – e
assentimos, já rindo da expressão no rosto dela – Não era uma piada. Medusa não
faz jus ao que é minha mãe naquele hospital. Ela é... Má.
- Clara, não está exagerando um pouco? – Emma perguntou
assustada – Sua mãe é tão legal e gentil.
- Ela fez um homem quase do tamanho do Hagrid chorar hoje. E
nem encostou um dedo nele.
- Está de folga hoje? – perguntei.
- Graças a Merlin. Plantão do inferno de 48 horas em um fim
de semana para toda a turma e a segunda de folga, mas amanhã tem aula normal.
Quando Otter ligou convidando para almoçar pensei em recusar, preciso muito
dormir, mas ele insistiu tanto e disse que ia pagar, então...
- É, também fui atraído até aqui por um almoço grátis –
ergui a mão para um high-five e ela bateu – Mas eu não poderia ser chamado de
detetive se não achasse isso suspeito.
- Nick está certo – Clara completou – Desembuchem.
- Ok, certo – Emma riu e Otter começou a falar – Vocês já
sabem que marcamos o casamento para 17 de outubro, então já estamos começando a
eliminar tarefas.
- Queremos que vocês sejam um dos nossos casais de padrinhos
– Emma completou – Como temos amigos em comum, vamos escolher juntos todos os
casais e na hora separamos quem fica de que lado.
- Aceitam o convite? – Otter perguntou e Clara olhou para
mim sorrindo.
- Mas é claro que sim! – respondemos juntos e eles sorriram
animados.
- Quem são os outros? – Clara perguntou curiosa.
- Bom, já falamos com Connor e Becky e Nigel, é claro. –
Otter começou a listar – Ethan e Brianna, Rupert e Brian também, mas ainda não
falamos com eles.
- Nigel vai entrar com a minha irmã Parvati, Rupert com
minha prima Julie e Brian com a minha melhor amiga, Abby.
- Uau, só 10 meses até o casamento, é muito pouco tempo! –
Clara falou e Emma fez uma cara de pânico.
- Sim, é muito pouco tempo, vamos precisar da ajuda de vocês
para sair tudo direito.
- Conte comigo! – ela respondeu animada – Não entendo muito
do assunto, mas posso cumprir qualquer tarefa. E minha mãe é expert em festas
de casamento, qualquer coisa peço socorro a ela.
- Muito bom ouvir isso, porque sábado que vem tem uma feira
de noivas no centro de Londres e vou precisar da opinião das minhas madrinhas
nela.
-Não está mais tão empolgada, não é? – perguntei rindo à
Clara.
- Na verdade, precisamos de todos os padrinhos que estiverem
à toa para ir à feira – Otter interrompeu e Clara apontou para minha cara rindo
– Já estamos com as credenciais, esperamos todos na entrada às 8h.
- Cara, você vai ficar me devendo uma. E das grandes.
Começamos a rir, mas se eles precisavam da nossa ajuda para
fazer esse casamento sair em 10 meses, era nosso dever ajudar. E se isso
significava perder um sábado inteiro em uma feira de noivas, que seja. É pra
isso que servem os amigos, certo?
°°°°°°°°°°
Sábado acabamos todos indo à feira. Ethan e Brian, sortudos,
estavam de plantão e eram os únicos ausentes. Era tudo muito chamativo e
tentador, e sem perceber acabei entrando no clima e opinando sobre tudo que era
questionado por Otter e Emma.
Não sei dizer como isso aconteceu, mas sem que me desse
conta estava discutindo com Nigel sobre arranjos de mesa quando meu telefone
tocou e o argumento equivocado dele foi interrompido. Era meu advogado mandando
que eu corresse até o fórum imediatamente, que o juiz havia me chamado. Larguei
o arranjo que estava segurando com Nigel e corri até Brianna do outro lado da
tenda em que estávamos. Ela despejou todos os panfletos que segurava com Clara
e saímos às pressas da feira.
- Será que são boas noticias? – perguntei ansioso enquanto
entravamos no prédio da vara da família.
- Ele mandou lhe chamar no meio de um sábado. São boas
noticias, pode ter certeza.
Quando entramos na sala onde aconteciam as audiências da
vara de família, vi que a assistente social que estava cuidando do caso já
estava lá e Austin e Molly estavam com ela. Elas acenaram quando me viram e
acenei de volta, mas Brianna me empurrou direto para onde meu advogado estava
de pé.
- Vim o mais rápido que pude – disse um pouco esbaforido
parando ao lado dele. O juiz nos encarou com um olhar curioso.
- Planos para se casar, Sr. O’Shea? – perguntou olhando de
mim para Brianna e percebi que ainda estávamos com os crachás cor-de-rosa nada
discretos da feira.
- Não Meritíssimo, só estávamos ajudando um casal de amigos –
Brianna respondeu rindo. Ela e o juiz já se conheciam há algum tempo.
- Por um momento achei que não havia sido informado sobre
seu divorcio – Brie riu e ele colocou os óculos, me encarando sério – Sr. O’Shea,
gostaria que soubesse que não é do meu feitio autorizar que um pai solteiro
seja responsável por dois menores que não têm qualquer relação sanguínea com
ele. No entanto, em meus quase 40 anos como juiz da vara de família, sempre procurei
fazer aquilo que entendia como o melhor para o menor. Minha prioridade é sempre
o bem estar da criança e no seu caso, entendo que o melhor para elas é que
fiquem com o senhor – Brianna apertou meu braço, mas ainda estava imóvel esperando
ele acabar de falar – A partir do hoje, o senhor tem a guarda definitiva de Austin
e Molly North – e bateu o martelo na mesa.
- Nick, Nick! – senti alguém pulando em cima de mim e
segurei Molly antes que ela caísse – Vamos ficar com você agora? Vamos poder ir
pra casa?
- Sim, minha princesa, agora vamos para casa – Austin correu
também e me abraçou, depois abraçou Brianna.
- Estou lhe concedendo a guarda de duas crianças confiando
que cuidará bem delas, Sr. O’Shea – o juiz falou outra vez – Não me desaponte.
- Não vou, Meritíssimo.
Ele assentiu parecendo satisfeito e encerrou a audiência, já
chamando o próximo caso. Sai do tribunal com Molly e Austin pendurados no meu
pescoço, tanto ou mais agitados que eu. Fomos direto até o abrigo pegar as
coisas deles e no caminho liguei para meus pais. Sabia que em questão de
segundos eles já teriam ligado para toda a família e que naquela noite teria um
jantar pra lá de animado na casa de alguém.