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Londres, janeiro de 2028.
Voltar a Londres depois de nove anos fora não foi tão
difícil como eu pensava. O ar familiar a cada rua que eu passava me fazia
perceber o quanto eu sentira falta de casa, mesmo que nunca tivesse admitido
todo esse tempo.
Minha equipe se instalou no escritório da Scotland Yard já
no dia 1º de janeiro e foi preciso apenas 15 minutos para que todos estivessem
100% entrosados. Facilitou bastante o fato de Kaley, James, Lena, Emma e
Patrick já se conhecerem, mas Oleg, o único que ainda não conhecia os demais,
conquistou a todos bem depressa com seu jeito despretensioso e bem humorado. Nossa
rotina era intensa. Já no primeiro dia surgiu um caso que nos colocou a prova,
mas que pra mim serviu para reforçar que havia escolhido as pessoas certas para
trabalhar comigo. E quando um caso se resolvia, um novo já surgia sem nos dar
tempo de respirar.
Trabalhávamos em um ritmo enlouquecedor, mas no fim do mês,
depois de um caso particularmente complicado, consegui que a equipe tivesse um
merecido dia de folga. Havia tirado o dia livre para passear pela cidade de
carro, ver o que era novidade, mas meus planos haviam ido pelo ralo quando meu
carro ficou preso na nevasca. Precisei percorrer a cidade a pé, o que encurtou
o passeio pela metade e fez com que meu dia terminasse debaixo das cobertas
vendo TV.
O dia seguinte havia amanhecido com alguns tímidos raios de
sol. A forte neve que insistiu em permanecer na cidade durante todo o mês de
hoje deu uma trégua. O canal do tempo na TV já não falava mais em nevasca e não
pedia mais que as pessoas evitassem sair de carro. “Ótimo!”, pensei. Parece que
vou conseguir resgatar meu carro no Hyde Park.
Embora o sol estivesse começando a aparecer mais, ainda
estava muito frio. Caminhava apressada pelas ruas tentando proteger meu rosto
do vento cortante com um cachecol, mas não estava surtindo muito efeito.
O carro estava parado em frente a um dos portões do parque e
resolvi cortar caminho por dentro dele para evitar um grupo de adolescentes
uniformizados que pelo horário estavam fugindo da aula. O parque estava quase
deserto e ao atravessar a ponte, notei uma criança sentada sozinha, brincando
de desenhar na neve acumulada no banco. Olhei ao redor e como não vi nenhum
adulto em um raio de 500 metros, achei melhor me aproximar.
- Ei, tudo bem? – parei em frente ao garoto e ele me olhou
com uma carinha triste – Qual é o seu nome?
- Dashiell.
- Olá Dashiell, me chamo Amber – sentei ao seu lado e
mostrei o distintivo – Sou policial. Onde estão seus pais?
- Papai está em casa com a minha irmã, ela está doente.
- Por que não está na escola? – perguntei apontando para o casaco
que ele usava. Era da Windsor Kindergarten.
- Mamãe me buscou para me levar no Science Museum.
- E onde está sua mãe? – ele deu de ombros – Ela deixou você
sozinho?
- O telefone dela tocou e ela pediu para eu esperar enquanto
ela atendia.
- Quando foi isso?
- O ponteiro pequeno estava aqui – ele puxou minha mão e
apontou para o numero 10, depois apontou para a torre com um enorme relógio que
podia ser vista daquele ponto do parque.
Olhei para o relógio no meu pulso. Eram 12h. Esse menino
estava sozinho há quase duas horas no frio. Onde está a mãe dessa criança?
- Você sabe o telefone da sua mãe, Dashiell? – ele negou com
cabeça – E o do seu pai?
- Também não, mas eu sei onde eu moro. Fica em Chelsea, mas
eu não sei o nome da rua.
- Se passarmos por ela você a reconhece? – ele assentiu –
Isso já basta. Vamos, vou levá-lo para casa.
Ele olhou para mim outra vez, ainda tímido, mas sorri e
estendi a mão para que ele me acompanhasse. Caminhamos até meu carro e quando
chegamos a Chelsea, diminui a velocidade para que pudesse reconhecer sua rua e
a entrada do prédio. Quando ele finalmente apontou, senti um aperto no peito.
Ele estava apontando para o prédio onde Rupert morava quando ainda namorávamos.
Estacionei na porta e descemos.
O porteiro logo o reconheceu, então estávamos no lugar
certo. Dashiell apertou o número 4 no elevador, na cobertura. Mesmo prédio,
mesmo andar. Foi só então que olhei de verdade para o menino todo agasalhado ao
meu lado e notei que o pouco cabelo que era visível com o gorro que usava era
vermelho. Como não havia reconhecido? Eram tão parecidos. Poderia ser
simplesmente uma coincidência, mas conseguia ouvir a voz de Kaley na minha
cabeça dizendo que não existem coincidências, apenas interferência divina.
Talvez fosse isso mesmo.
Ouvi passos descendo uma escada e Rupert abriu a porta. Seu
olhar confuso me viu primeiro e o que quer que ele fosse dizer, ficou perdido
quando viu Dashiell ao meu lado. O menino correu na direção dele e Rupert
agachou depressa para abraçá-lo.
- Apertado, papai. Apertado! – ouvi sua voz abafada pelo
abraço sufocante que ele deu no pai e Rupert o apertou mais.
- Dash, o que houve? Por que não está na escola? Você está
bem?
- Ele estava sozinho no parque, disse que a mãe o buscou na
escola para levar ao museu – respondi quando ele não disse nada.
- E onde está sua mãe? – ele perguntou e olhou rápido para
mim.
- Ela me esqueceu – Dashiell deu de ombros e ele suspirou.
- Dash, você sabe que a mamãe ama você, não é? – ele
assentiu ainda sem se soltar do abraço – Tenho certeza que ela deve estar
preocupada por não encontrá-lo – ele deu um suspiro que foi de partir o coração
– Está melhor? – ele assentiu outra vez – Certo. Vá lá para cima, faça
companhia a sua irmã, subo daqui a pouco.
- Obrigado, policial Amber – ele correu na minha direção e
abraçou minha perna tão depressa que não tive tempo de reagir.
- De nada, Dashiell – e não pude evitar sorrir também quando
ele deu um sorriso mais animado antes de subir as escadas.
- O que aconteceu? – Rupert perguntou assim que ele subiu,
fazendo sinal para que entrasse.
- Encontrei-o perdido no Hyde Park e me aproximei. Ele disse
que estava com a mãe, mas ela saiu para atender o celular e não voltou para
buscá-lo. E isso foi às 10h.
- Abby, eu vou matá-la. Eu juro que vou matá-la.
- Não aconselho dizer isso para uma policial – disse em tom
de brincadeira e ele riu.
- Desculpa, estou um pouco nervoso. Meu filho estava sozinho
em um parque e podia ter sido seqüestrado, porque a louca da mãe dele o
abandonou lá.
- Mas não aconteceu nada, ele está bem, se acalme.
- Eu sei, desculpa.
- Bom, tenho que ir, estava a caminho do trabalho.
- Ah Merlin, desculpa. Nem perguntei como você está – Rupert
parecia atordoado. Acho que era muita informação em pouco tempo – Não foi
exatamente assim que achei que fossemos nos reencontrar depois de tantos anos.
Quando tempo tem? Nove anos?
- Quase isso já. Também não achei que seria assim.
- Quer tomar alguma coisa? Estava fazendo café na hora que
vocês chegaram.
- Não, tudo bem, estou mesmo atrasada pro trabalho. Fica pra
próxima.
- Vai ter uma próxima?
- Claro, por que não? – disse já caminhando para a porta. Mulheres
deviam ser proibidas de tomar decisões ao reencontrarem um ex – Contanto que
ela não comece comigo encontrando sua filha perdida na rua e trazendo pra casa,
não vejo problemas.
- Vou me certificar de que isso não aconteça – ele riu.
Merlin, o que eu estava fazendo? – Então posso ligar pra você?
- Kaley tem meu numero – respondi sorrindo e abri a porta do
elevador.
- Vou pedir a ela. Obrigado por trazê-lo em segurança para
casa.
- Não foi nada.
Ele assentiu e a porta do elevador se fechou. Encostei o
corpo na parede, minhas pernas fraquejando. O que eu havia feito?