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Epílogo
Valentine’s Day, 2027, 04.30hs. da
manhã.
O despertador apenas fez o barulho
para soar o alarme e eu já o travava para evitar o barulho irritante. Olhei
para o lado e sorri ao ver, que minha filha dormia profundamente abraçada ao
seu cachorro de pano, aspirei seu cheiro de sabonete de bebê por um tempo e
beijei-a antes de me levantar para ir trabalhar. Depois de pronta, peguei minha
arma de uma caixa segura que ficava no alto do meu closet, e após verificar se a arma estava carregada, a
coloquei no coldre, ouvi os barulhos familiares, que Dana, minha amiga e babá
de minha filha, fazia no quarto ao lado. Possivelmente ela já estava em frente
ao seu computador. Saí do meu quarto e ví que estava certa. Aproximei-me e ela
me estendeu uma xícara de café fresco e forte, acompanhado de uma maçã, suspirei
aliviada, por ela ser tão prestativa.
- Já tão cedo? – disse apontando
para o monitor onde a janela de bate papo piscava ininterruptamente.
- Ryan quer me convencer a sair mais
tarde, mas recusei.Disse que se nos conhecermos no dia dos namorados, não será
uma data nossa, mas de ‘toooodo’ o mundo, e hoje estou trabalhando.Vamos sair
amanhã.- disse de forma exagerada, e senti-me culpada, pois a garota já tinha
este namorado virtual, há mais de seis meses e ainda não se conheciam.
- Não faça isso, posso conseguir
alguém para ficar com Sophia até eu chegar, sabe que a família é grande, minha
madrasta...
- Não seja tola, eu e sua filha estamos esperando ansiosas por
hoje, ela até marcou com uma amiguinha da escola. Vamos ao salão de beleza, os
bombons hoje são de graça, se você faz o especial dos namorados. - ri pois
sabia que ela falava a sério, mas a olhei interrogativamente e ela respondeu
rápido:
- Não se preocupe, não vou deixar
que ela coma doce demais, ou pode ter uma dor de barriga. Caso ela exagere um
pouco ou eu (disse rápido) - sei que aquela poção com gosto de erva doce,
resolve o problema.Nos vemos à noite, chefinha. Tenha um bom dia dos namorados.-
sorri e desejei o mesmo a ela. Nos despedimos e fui para o meu plantão de 12
horas como sargento da Unidade de Repressão a Sequestros e Negociação da
Scotland Yard.
-o-o-o-o-o-o-o-
Elena odiava o Dia dos Namorados. Fato!
Aquele costumava ser o dia do ano em
que o lema da equipe ‘conectar, respeitar e proteger’, era mais utilizado, e
nem sempre o final era feliz. Quem sabe ao final deste dia, houvessem mais
alegrias que tristeza, como sempre ela e sua equipe iriam se esforçar para isso,
mesmo desfalcados de um atirador de elite. Já era quase final do turno quando receberam
uma última chamada.
O homem estava no alto da ponte,
vendo os carros passarem vinte metros abaixo, e fingiu não ouvir quando a policial
se aproximou e falou devagar, mas de forma clara:
- Senhor...Eu sou a sargento Elena Kovac,da
Unidade de Negociação da Scotland Yard, como você está?
O homem que estava abraçado a uma
coluna da ponte, continuou com os olhos fixos nos carros que estavam sendo
desviados pela policia. Ela continuou se aproximando e usando um equipamento de
escalada, prendeu um gancho com uma corda na ponte e outro em um cinto na sua
cintura, caso fosse necessário pular para segurar o homem. Não estranhou quando
seu amigo, o detetive James Thruston, se aproximava, enquanto outro oficial
procurava dados sobre o saltador e falava em seu ouvido pelo comunicador.Ela
continuou seu trabalho:
-Posso perguntar o seu nome?- e o
homem a olhou só por alguns segundos e voltou a olhar para a frente, seu olhar
era triste quando levantou um dos pés, e ficou olhando um de seus sapatos cair.
Ela optou por mudar a sua abordagem, sabia que teria que alcançar aquele lado
escuro e desolado do homem de forma mais rápida:
- O senhor está planejando se matar
hoje?Talvez se conversar com alguém...- nesta hora alguns expectadores, começaram
a gritar para que o homem pulasse e ele começou a prestar atenção neles.
- James...- disse baixo, e o
detetive, que ja havia trabalhado com ela, entendeu o que ela queria e foi
afastar os curiosos, mas logo voltou para o seu lado.
- Você tem a idade da minha
filha...- disse o homem depois de um olhar furtivo para ela.
- O senhor tem uma filha...Quer que
eu entre em contato com ela? Ela talvez queria conversar um pouco com o
senhor...- disse Elena, mas o homem, após olhar para os carros na avenida, a olhou novamente e disse enquanto dava mais
um passo para longe dela:
- Eu vou ficar bem...
- Hey, hey , vamos pensar um pouco
mais, vamos ficar calmos...- e ela instintivamente esticou o braço e o homem
gritou:
- Não me toque ou eu pulo.Vou fazer
do meu jeito.
-Está bem, vou lhe dar algum espaço,
você precisa pensar... – Elena respondeu, e logo outro oficial de apoio, disse
o nome do nome do homem, através do fone de ouvido.
- Vamos lhe dar espaço, Douglas.Lembra
do meu nome? Sou Elena.- e o homem a olhou de canto de olho levemente
espantado, mas voltou a olhar para a rua abaixo soltando uma das mãos.
- Ele não parece te ouvir, acho que
vai ter que tentar um choque de realidade, Lena...- disse James baixinho e ela
assentiu, subindo na grade da ponte e se sentando a pouco mais de 1 metro de
distância do homem. Sabia que James, já estaria segurando a sua corda.
- Então...você quer pular...Quer que
eu lhe conte como vai ser? Eu posso dizer porque eu ja vi como é quando o seu
corpo bate no chão e seu crânio explode, feito uma melancia caindo do caminhão
da feira. - o homem não se moveu e ela
continuou:
- Sabe o que é pior? É que você pode
não morrer quando seu corpo bater no chão. E se tiver familia, filhos...Eles
vão ver o que sobrou de você e terão que viver com isso. (notou que o homem
franziu a testa pensativo) - Não é o que você quer não é? Ser um fardo para sua
família? Porque é isso que você será vegetando em cima de uma cama, usando
fraldas, babando...Está me ouvindo, Douglas?- o homem tirou os olhos da rua e
olhou para o lado dela, parecendo constrangido e disse seco:
- Sim, estou ouvindo, não sou surdo.-
Nesta hora, ela ouviu baixinho em seu ouvido:
- Sargento, eu consegui contato com
a família, ele tem um casal de filhos. É todo certinho, tem emprego, e dentro
do carro há uma carta de despedida para os filhos Alicia e Jason, dizendo que
não aguenta ficar outro ano longe.- James, que também tinha um comunicador havia escutado a mesma informação, deu um leve
toque em sua corda, para lhe passar apoio, e ela tentou novamente:
- Eu conheço um cara, que trabalha
com sobreviventes, e quase todos disseram que se arrependeram assim que seus
corpos bateram no chão , e nenhum deles tentou se matar novamente... (tomou
cuidado em não citar que a pessoa em questão era um psicólogo) e continuou:
- Pode me dizer porque está fazendo
isso, Douglas?
- Não aguento mais...- e James disse
urgente em seu ouvido, após ouvir o seu comunicador:
- A mulher dele morreu há três anos
e hoje seria o aniversário de casamento deles.- Lena sentiu muita pena do
homem, mas se desligou para poder ajuda-lo.
- Foram casados por quanto tempo,
Douglas?
- 24 anos. - foi a resposta do homem
e então ele começou a falar:
- Ela tinha um calendário na gaveta
com todos significados das bodas, e todo ano nós celebravamos, mesmo com pouco
dinheiro sabe? No primeiro ano trocamos cartões...Depois bolas de algodão...Quase
chegamos a 25 anos....Você é casada?
- Bodas de Prata! É maravilhoso.Fui
casada por três anos, ele morreu... Mas me fale mais, Douglas, eu vou gostar de
ouvi-lo...- disse Lena e sem que ele percebesse, ela estava mais perto. - e o
homem continuou seu desabafo:
- Então você me entende...Tinhamos um
porão em casa, então resolvi pintar tudo de prateado, comprei guardanapos,
copos, louças baratas porém prateadas para entrar no clima, coloquei fotos
nossas e das crianças em porta retratos, encomendei um jantar especial para nós....Mas
na véspera de nosso aniversário de casamento ela foi atropelada...Por um
bêbado...ela nunca chegou a ver o seu presente. - e começou a chorar, enquanto
se equilibrava na ponte.
- Sua esposa teria adorado,
Douglas.- e ele respondeu:
- Eu não consigo mais ficar longe
dela...Não aguento mais...Tudo acabou...
- Isso é depressão, e não impulso.-
sussurrou James em seu ouvido, fazendo eco às suas próprias conclusões.
- Nada acabou, e vou lhe dizer
porque...Meu marido era filho único, e quando tinha 14 anos, o seu melhor
amigo, perdeu o pai (ouviu o espanto de James pela sua abordagem, mas não havia
tempo a perder). Na verdade, foi ele quem encontrou o pai, que tinha se matado
com um tiro na cabeça. Ele parou de ir à escola, de comer, e isso não durou
apenas alguns dias, foram semanas assim, até que um dia, sabe o que ele fez? Ele
se matou! O melhor amigo do meu marido, se matou porque não conseguia viver sem
o pai dele.
- Meus filhos não deixariam isso
acontecer...Eles ficarão bem...- e Lena continuou firme como se o homem não tivesse
falado:
- Como você sabe disso Douglas? Olha
só o que você está fazendo para ter sua esposa de volta. O que acha que suas crianças
farão? Elas vão se sentir zangadas, confusas, e depois vão se sentir culpadas,
meu marido se sentiu culpado pela morte do amigo, e isso o marcou a vida toda,
tanto que quando as coisas ficaram difíceis...(ela respirou fundo)...Imagine o
que esta sua atitude fará aos seus filhos...- o homem fechou os olhos e Lena
continuou:
- Eles vão se perguntar o que
fizeram de errado ou o que deixaram de fazer. É isso o que você quer para eles?Uma
vida de perguntas sem respostas? – o
homem ficou um tempo de olhos fechados, parecia pensar, após mais uns segundos,
abriu os olhos, como se despertasse de um sonho ruim, olhou para a rua abaixo
dele, e começou a ir para trás para descer da pilastra, sendo pego por Elena e James,
enquanto começava a chorar com soluços entrecortados:
- Des..Desculpa...Por favor, me
desculpe...- dizia o homem e Elena disse enquanto o segurava entre os braços:
- Você não tem nada do que se
desculpar meu amigo, nada ok? Nós vamos cuidar de você e vamos leva-lo para
casa, para os seus filhos, e tudo vai melhorar, eu sei que vai. - e o homem
assentia enquanto chorava agarrado à Elena.
Quando voltaram à Central, após
cuidar dos relatórios, Elena se trocou e estava esperando o elevador, quando
viu James passar apressado a caminho das escadas, e ele disse animado, depois
de assobiar para o modo como ela estava vestida:
- Hey linda, vai sair para um
encontro quente? Quem é o sortudo?- e ela o olhou sorrindo:
- Será quente mesmo, noite mexicana
com Sophia e Dana. Obrigada, pelo suporte com o saltador, mas você não estava
lá hoje por acaso...
- Sempre cobrirei as suas costas, e
por incrível que pareça, foi um acaso, mas eu queria mesmo falar com você. O
seu chefe me pediu para avaliar o snyper
que ele selecionou para a equipe e eu aprovei a escolha.- estranhei pois ele não
havia conversado comigo antes, mas como confiava em seu julgamento, deixei para
lá:
- Espero que não seja alguém que
tenha dedos moles no gatilho.Quem é?
- Não acha que vou deixar qualquer um
proteger minha negociadora favorita não é? Fique tranquila, é um ex colega da marinha, que se reformou, é o melhor do ramo, depois conversamos, tenho que correr
para casa.
- Você não vai me dar nenhuma pista?
- Tudo o que tenho tempo de dizer
agora, é que eu me sentirei tranquilo com ele aqui, porque sei que vai proteger
você e a equipe, como se fosse um cão de guarda.- e entrou para o acesso às
escadas, e ela pode ouvi-lo rindo de sua própria piada enquanto uma porta se
fechava e o elevador à sua frente se abria.
Deu de ombros, resolveu se desligar
do assunto naquela noite, fosse quem fosse o novo membro da equipe, seria bem
vindo, já era hora de sua equipe estar completa novamente.
-o-o-o-o-o-o-o
Por todos os lugares que se olhava, viam-se os
balões vermelhos, e casais de namorados de várias idades trocando carinhos,
enquanto o a noite avançava. Ele havia esquecido que hoje era o dia dos
namorados.
Saiu do metrô, na Liverpool Street,
e caminhou se desviando das pessoas, até o South Place Hotel. O lobby estava
movimentado, chegou ao balcão da recepção e o jovem que o atendeu, procurou
conter seu desagrado, ante suas roupas amarrotadas, sua barba por fazer e o
saco camuflado do exército que carregava nas costas, o ignorou e pediu:
- Gostaria de um quarto, por favor.
- Estamos lotados, senhor...- e
antes que falasse mais alguma coisa, um senhor calvo, se aproximou esbaforido,
e de forma nada sutil, afastou o atendente para o lado, dizendo:
- Senhor McGregor, que prazer voltar
a recebê-lo. Gostaria de ficar na mesma suíte?
- Qualquer quarto está bom,
Bertrand.- respondeu com a voz cansada e o homem sorriu:
-
Aqui está a sua chave, seja bem vindo senhor.
Quando entrou no apartamento, ignorou
as rosas vermelhas e o champanhe com morangos e bombons em cima da mesa e foi direto
até o banheiro tomar um longo banho. Quando saiu, foi até a janela e ficou
olhando para o movimento na rua. O hotel ficava numa área cheia de bares e
restaurantes, bem no coração da área financeira de Londres, e naquela noite o
movimento era enorme. Sorriu, pois havia um bom tempo não via uma aglomeração
de pessoas se divertindo, nos últimos tempos, pessoas em bando o deixavam em
alerta. Era bom variar um pouco. Ouviu uma batida na porta e foi abri-la,
achando que fosse o serviço de quarto, porém era um visitante que disse:
- Não achou que chegaria na minha cidade sem
que eu soubesse, não é?- e ele respondeu estendendo a mão:
- Para todos os efeitos também é
minha cidade. Olá James!- e o outro respondeu:
- Olá Julian, já era hora de voltar
para casa.- enquanto era puxado para um abraço.