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Deixar Hogwarts não foi fácil, mas tinha que admitir que as
semanas que seguiram a nossa formatura não foram nada desagradáveis. De volta a
Londres, e com a expectativa de começar o estágio no St. Mungus que acabaria
com a minha já pouca vida social, pela primeira vez aproveitei de verdade os
dois meses de férias.
Julho foi o mês da farra. Com meus amigos em suas
respectivas casas, a maioria longe de Londres, minhas companhias constantes
eram Jamal e JJ. Saíamos todas as noites e em algumas delas Rupert nos
acompanhava. Papai disse que me transformei em um zumbi, porque troquei o dia
pela noite.
Agosto já teve um ritmo mais calmo. Hiro estava na cidade,
então passávamos mais tempo dentro de casa namorando ou em passeios durante o
dia que deixei de ser um zumbi e voltei ao convívio normal com a família. Agosto
também foi um mês de surpresas e a primeira delas foi quando mamãe chegou em
casa do plantão no St. Mungus dizendo que havia recebido uma carta de recomendação
para mim, uma para Justin e outra para JJ, da diretora McGonagall. Ela não sabia
o que havia surpreendido mais, as cartas em si ou o fato de que elas estavam
recheadas de elogios.
A outra surpresa ficou para o fim do mês. A ansiedade de
começar o estágio no St. Mungus estava a mil e estava ficando difícil relaxar.
Era um domingo à tarde. Estava deitada no chão do quarto ouvindo música quando
mamãe entrou e jogou uma caixa de papelão vazia do meu lado. Levei um susto com
o baque e arranquei o fone do ouvido, olhando para ela sem entender o que
estava acontecendo.
- Pra que essa caixa? – perguntei sentando no tapete.
- Para você juntar suas coisas nela.
- Vamos nos mudar?
- Nós não, você. – ela respondeu com uma expressão que eu
não conseguia decifrar e olhei para meu pai, mas ele tinha o mesmo olhar.
- Estão me expulsando de casa?
- Encare isso como um empurrão – papai respondeu rindo da
minha reação – Estamos ajudando você a crescer.
- E onde exatamente eu devo crescer? Na calçada?
- Sim, Clara, estamos expulsando você de casa sem nenhuma
assistência, você vai virar mendiga! – mamãe respondeu exasperada e acabei
rindo. Lógico que ela não ia fazer isso.
- Sua mãe, Yulli e Alex compraram um apartamento em Holborn,
você vai morar com Keiko e Haley – papai respondeu e minha cara de espanto fez
os dois rirem.
- Compramos o apartamento, mas as despesas dele é responsabilidade
de vocês – mamãe completou – Todas têm um emprego garantido a partir de semana
que vem, podem pagar suas próprias contas. Sam e Yulli também compraram o
apartamento em frente para Hiro e JJ morarem, então vocês cinco estarão juntos.
- Isso é sério? – ainda estava incrédula.
- Sim, sério como um ataque cardíaco. Os apartamentos já
estavam mobiliados, o dono se mudou para a Itália e largou tudo pra trás, tudo
que vocês têm que fazer é arrumar as malas e mudar.
- Vocês são os melhores pais do mundo, sabia? – abracei os
dois com tanta força que quase caímos no chão.
- Não faça com que me arrependa de ter concordado em deixar
você morar a uma porta de distancia do seu namorado, ok? – papai beijou minha
testa e mamãe riu. Aquilo claramente tinha sido um impasse.
- Agora comece a arrumar suas coisas – mamãe me soltou do
abraço sorrindo – Haley chega à Londres essa semana, vamos ajudá-las a se
instalar assim que ela desembarcar.
Os dois saíram do quarto e me deixaram sozinha com uma pilha
de caixas vazias. Não sabia nem por onde começar, então a primeira coisa que
fiz foi ligar para as meninas para gritarmos um pouco no telefone. Íamos morar
juntas, as caixas podiam esperar.
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O dia da mudança pode ser resumido em uma única palavra:
caos. Quando mamãe disse que o apartamento já estava todo mobiliado, o
adicional bom gosto não estava incluso. A decoração do antigo morador era um
horror, até mesmo eu que sou completamente desapegada para essas coisas sabia
disso. Keiko então, quase teve um ataque cardíaco quando atravessou a porta
arrastando suas três malas cor de rosa. Em uma partida de Pedra, Papel e
Tesoura, ela ganhou o direito de ficar com a única suíte e Haley e eu
ficaríamos com os dois outros quartos e dividiríamos o banheiro do corredor.
Gastamos um dia inteiro desfazendo malas e arrumando as
roupas nos armários, limpando o apartamento e reorganizando toda aquela
decoração cafona, só eu, as meninas e nossas mães. Os meninos só mudariam dois
dias depois, Hiro ainda estava no Japão empacotando suas coisas e JJ estava com
ele ajudando a atrasar as coisas, então nossos pais estavam 100% dedicados aos
pequenos consertos que precisavam ser feitos em alguns lugares do nosso apartamento.
À noite, tio Sergei pediu cinco caixas de pizza – que ele, tio Logan e papai
comeram três – e cerveja para matarmos a fome, já que ninguém tinha forças para
andar até um restaurante.
Depois daquele trabalho todo, minha ideia era ficar naquele
apartamento até morrer. Nunca mais quero me mudar outra vez.
°°°°°°°°
O dia da mudança dos meninos estava bem menos caótico que o
nosso. Sem ligar muito se a decoração era cafona ou não, eles simplesmente
descarregaram as malas nos quartos e começaram a faxina geral. Nenhum dos dois
havia se acomodado na suíte e imaginei que tivessem optado por deixar ela vazia
para possíveis visitas, mas o mistério foi solucionado no começo da tarde. Já
estávamos terminando de limpar a sala quando bateram três vezes na porta e
virei para dar de cara com Sheldon em pé no corredor, duas malas enormes ao seu
lado.
- Surpresa – Hiro falou no meu ouvido, rindo.
- Sheldon vai morar com vocês? – acho que o choque na minha
voz, talvez o pânico também, foi bem visível, porque o próprio Sheldon
respondeu.
- Eu sei, eu sei, você esperava se ver livre de mim agora
que não estamos mais em Hogwarts – disse entrando arrastando as malas – Mas
minha presença aqui é meramente simbólica. Tenho uma bolsa em física teórica e
matemática aplicada em Oxford e nenhum tempo a perder tendo uma vida social,
vocês sequer notarão minha presença.
- Isso eu duvido... – Keiko revirou os olhos e rimos.
- Se vai estudar em Oxford, porque não mora no alojamento da
faculdade? É tão longe de Londres! – Haley comentou e Keiko concordou depressa.
- Eu morando em um alojamento? – Sheldon deu uma de suas
risadas esquisitas e Hiro prendeu uma gargalhada – Não, não. Passei no teste de
aparatação para poder morar onde quiser. Hiro me ofereceu o quarto vago e não
pensei duas vezes.
- Vai sair mais barato dividir a conta por três... – ele se
justificou.
- Lembre-me de agradecer você por isso mais tarde – disse
baixo no ouvido de Hiro e ele me beijou, ainda rindo.
- Então, qual é o meu quarto?
- Por aqui, Sheldon – JJ pegou uma das malas dele e saiu
puxando pelo corredor – Você vai ficar com a suíte.
- Ah, que gentil.
- É pelo bem de todos – JJ respondeu, mas Sheldon não notou
o sarcasmo, óbvio.
- A proposito, Hiro, vou precisar de um rolo de pergaminho e
pena – disse parando no meio do caminho – Tenho que escrever nosso contrato de
boa convivência.
Hiro resmungou qualquer coisa que não consegui compreender,
mas fez sinal de positivo para Sheldon antes de me olhar com uma cara de
desespero. Lancei meu melhor olhar de “bem feito” e fui ajudar as meninas a
terminar de arrumar a cozinha. Fomos vizinhas de quarto de Sheldon por sete
anos e os meninos dividiam o quarto com ele, mas isso era completamente
diferente. Estávamos por conta própria e fazendo as próprias regras. Morar com
ele certamente seria a causa da morte dos meninos, mas pelo menos teriam a vaga
no céu garantida. E de alguma forma eu sabia que essa convivência, embora
penosa, seria muito divertida.