Posted: sexta-feira, 26 de outubro de 2012 by Rupert A. F. Storm in
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1º de Outubro de 2017

- Que horas são? – Penny perguntou apreensiva.
- Faltam 5 minutos ainda – respondi consultando o relógio – Onde está o Hector?
- Thomas, onde está seu companheiro de quarto? – Lena olhou atravessado para Thomas, que deu de ombros – Se ele aprontar alguma e nosso direito de ir para casa for revogado, eu mato ele!
- Ele não vai fazer nada, também está louco para sair um pouco – James respondeu nos tranqüilizando.
- Pessoal, por favor, silencio ou vou expulsar vocês do nosso quarto – Kaley chamou nossa atenção. Ela estava com um iPad na mão e esperava Zach se conectar de Boston para falar com ela.
- Kay? Está aqui? – ouvimos a voz de Zach e ela saltou da cama. Todo mundo correu para se amontoar atrás dela.
- Oi Zach! – Julian falou animado – Como estão as coisas ai em Harvard?
- Oi pessoal! – Zach respondeu com a mesma empolgação – Está tudo ótimo aqui, esse lugar parece Hogwarts.
- Hogwarts? – Kaley riu – Como estão as aulas?
- É, o prédio é bem antigo, mas é só essa a semelhança mesmo. As aulas estão indo bem. São um pouco puxadas, mas ainda não decidi em que vou me formar, então vou fazer um monte de curso aleatório enquanto não decido.
- Já está jogando futebol? – James perguntou. Todos sabiam do fanatismo de Zach por futebol americano.
- Ainda não, calouros não podem se inscrever, mas no próximo semestre estarei lá! Penny, você ainda tem aquele seu caderno onde anotava nossas previsões para o futuro?
- Claro, quer fazer uma profecia para ele?
- Sim, anote ai: daqui a alguns anos, Zachary Walker vai ser um quarterback famoso e estará jogando pelos Patriots.
- Ok, quarterback, anotado. Vou cobrar essa!
- Galera, 9h! – Julian anunciou erguendo os braços – Vamos embora!

Todo mundo se despediu de Zach e fiquei para trás terminando de juntar minhas coisas. Kaley ia ficar para terminar de conversar com ele e depois ia passar o fim de semana na casa de Connor, então nos despedimos e segui para a casa dos meus pais. Foi uma visita rápida. Tomamos café juntos, contei como estavam indo as aulas e depois sai para encontrar Rupert no loft.

Eu estava exausta. Desde que as aulas haviam começado não me lembro de ter tido uma noite de sono sequer que chegasse a cinco horas. Os exercícios eram cansativos, as aulas extremamente puxadas e a marcação cerrada que os Sargentos faziam, especialmente o Sargento Sanders, nos deixavam em constante estado de alerta.  Aquele era o primeiro dia que tínhamos permissão de sair, depois de um mês de confinamento no quartel, e tudo que eu queria era dormir. Quando Rupert abriu a porta e estendeu os braços, é possível que tenha cochilado por alguns segundos quando o abracei.

- Ei, tudo bem? – ele perguntou preocupado, mas já estava me recuperando.
- Sim, só estou cansada, acho que relaxei demais e apaguei.
- Você passou dois meses na Califórnia e quando finalmente voltou, teve que passar mais um mês presa no quartel. Nós nos víamos mais quando éramos só amigos.
- Não é justo mesmo, mas já estou liberada. Se ficar presa em algum fim de semana, é provavelmente culpa de um dos garotos.
- Bom, melhor assim do que voltar a ser só seu amigo – ele me abraçou mais apertado e beijou meu pescoço – O quão cansada você está?
- Bem, não estou tão cansada assim – respondi em seu ouvido – Justin está em casa?
- Esperava manter isso só entre nós dois – ele respondeu e ri – Está de plantão.
- Ótimo. E MJ?
- Só chega às 19h da Academia.
- Então vamos parar de gastar energia falando, não me resta muita disposição.
- Você é quem manda.

Soltei-me dos braços dele e agarrei sua mão, o puxando escada acima. Eu podia descansar depois.

°°°°°°°°°°

Amber estava deitada ao meu lado na cama, a cabeça enterrada no travesseiro e os cabelos uma bagunça por cima do rosto. Seu corpo estava relaxado e a respiração cada vez mais leve, mas ela ainda não estava dormindo. Eu estava sentado do lado dela com o laptop no colo encarando a tela em branco. Tinha até segunda-feira para entregar os cinco primeiros capítulos da Câmara Secreta para a editora, mas só tinha escrito dois até o momento. Precisava começar o 3º, mas estava difícil me concentrar com ela deitada ao meu lado.

- Você parece um psicopata me olhando assim – ouvi sua voz abafada pelo travesseiro.
- Você está deitada na minha cama só de camiseta e calcinha, para onde quer que eu olhe? – respondi enquanto inclinava o corpo para beijar seu rosto.
- O que está fazendo?
- Tentando escrever, mas não consigo me concentrar.
- Eu sou uma distração? – ela perguntou com um sorriso malicioso.
- Uma distração boa.
- Quantos capítulos faltam?
- Três, mas tenho o domingo inteiro ainda, dá tempo. Não consegue dormir?
- Não... Acho que quanto mais cansada, mais difícil é dormir.
- Conte mais um pouco dos treinamentos que em um instante você apaga.
- Acho que já narrei cada tortura que sofremos – ela fez uma careta e ri – Ah, eu já tinha contado que vamos mandar nossas fichas para o estágio dos Bruxos de Elite?
- Isso é ótimo! Quem vai se inscrever? O estágio é no Departamento para Aplicação das Leis da Magia, não é?
- Lá mesmo, por enquanto sei que Kaley e James também vão se inscrever, mas não sei dos outros. Vai ser difícil, nosso treinamento vai ser diferente a partir da metade do ano que vem, vamos ter mais aulas, mas eu quero muito isso.
- Você é durona, babe – disse apoiando a mão em suas costas e a beijando – Vai se sair bem.
- Continue fazendo isso – disse quando comecei a fazer movimentos circulares em suas costas e se ajeitou na cama, me abraçando e enterrando o rosto em minha costela – E não me chame de babe.

Continuei alisando suas costas e em menos de cinco minutos ela apagou. Voltei à atenção ao laptop no meu colo e minha cabeça estava fervendo de ideias. Logo estava digitando sem parar, mas nada do que aparecia na tela tinha a ver com a história que deveria estar escrevendo. Sem perceber o que fazia, comecei a digitar tudo que Amber havia me contado sobre o treinamento de auror, as aulas práticas e teóricas, a rigorosidade dos oficiais e o companheirismo que surgia entre os alunos na hora das punições.

Horas mais tarde, ao invés de ter escrito sobre a primeira visita do tio Harry à Toca e seu encontro com Gilderoy Lockhart na Floreios e Borrões, tinha um capitulo inteiro pronto sobre a vida dos aurores nos primeiros meses de academia e quase dez páginas descrevendo vários personagens. Parei de escrever por um instante e olhei para Amber dormindo pesado ao meu lado. A narrativa era sob o ponto de vista dela, mas claro que usaria outro nome, e a história ia muito além do treinamento de um auror. Amber tem uma personalidade única e já passou por tanta coisa que eu teria material para uma série inteira. O que ela ia achar disso?  Será que ia gostar que eu escrevesse um livro sobre ela, para ela?

Qualquer que fosse sua opinião, não saberia tão cedo. Não podia pensar em outro livro agora, tinha um contrato para escrever mais seis e tinha que cumpri-lo antes de pensar em me dedicar a qualquer outra coisa. Salvei o arquivo e o fechei, abrindo o outro no qual deveria estar trabalhando. Não ia ser agora que eu ia contar a história dela, mas um dia todos saberiam o quão incrível Amber Beckett era. Era uma promessa.

Posted: quinta-feira, 18 de outubro de 2012 by Julian Thomas Montpellier in
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Primeiro de Setembro de 2017, Academia de Aurores de Londres.

Quando escolhi ser um auror ao contrário de um jogador profissional de quadribol, muita gente pensou que minha escolha se devia ao fato de eu vir de uma família que está no ramo, há mais de cinco gerações, cheia de medalhas de honra por serviços prestados nas diversas guerras que o mundo bruxo enfrentou, mas isso não é verdade. Também não foi para afrontar a minha mãe, que sonhava que eu seria um jornalista igual a ela, só porque eu era um bom aluno de redação, e nem para agradar ao meu pai, fazendo o mesmo caminho que meu avós,  frequentando a Academia de Aurores de Londres. E claro que não tinha nada a ver com o fato de eu ter sido sequestrado por um vampiro junto com a Haley em nosso último ano e querer sair caçando criaturas das trevas protegido pela lei. Nada disso.
Quando decidi ser auror, foi pura e simplesmente porque durante  as nossas palestras de orientação vocacional, ouvimos o irmão de tio Micah e também amigo de meu pai, Wes Sanders falando sobre o programa de treinamento da polícia de Londres, a Scotland Yard, realizado ao final do terceiro ano da academia, onde uma turma de aproximadamente 100 inscritos passarão por uma avaliação muito rígida, e serão  submetidos a todos os testes de aptidão, esforço físico e psicológico, restando apenas 20, que  estarão aptos a fazer parte de um grupo de elite treinado a cada dois anos, podendo atuar tanto no mundo bruxo quanto no mundo trouxa. E como eu já sabia do trabalho que Becky e Connor realizavam como snipers e já havia visto muitos filmes de ação, sabia que eu queria fazer parte deste grupo.
Reencontrei James, Lena, Amber, Penny, Kaley e Thomas quando estávamos em frente à Academia, e enquanto conversavamos sobre as férias íamos seguindo um dos vários mapas de localização dispostos pelo campus, para encontrar o alojamento onde iríamos morar durante o curso.
Ao entramos já percebemos a confusão de pessoas caminhando com bagagens de um lado a outro  e um homem aparentando uns 50 anos, cabelos grisalhos, usando roupas camufladas do exército, ia informando os números dos dormitórios a seus novos ocupantes, e quando eu disse meu nome, respondeu após olhar uma prancheta:
- McGregor! Seu quarto é o 30 B, terceiro andar, junto com Thruston. Suba as escadas pela direita. – e após nos indicar aonde ir, colocou em nossas mãos panfletos com as regras dos dormitórios, horário das refeições, vestimenta, aulas e o nome dele em caso de emergência, que era supervisor Fletcher, e o seu telefone de contato.
Depois de nos instalarmos, fomos procurar as meninas e íamos passando pelas portas abertas dos quartos e o pessoal ia acenando e se apresentava. As encontramos na ala oposta à nossa, e no dormitório da frente delas já estava havendo uma festa, e não demorou muito tempo e parecia que todos os alunos estavam ali:
- Acho que não podemos fazer festa nos dormitórios, eles falam aqui do toque de recolher as 22 horas... Proíbem bebidas alcoólicas .O supervisor Fletcher, parece levar a sério suas funções...- dizia Amber preocupada olhando o seu panfleto enquanto um rapaz todo animado entrava e ia colocando em nossas mãos copos coloridos com cerveja e se apresentava:
- Não se preocupe, festa de confraternização no dia da nossa chegada já é uma tradição da Academia, ou eles não fariam questão que todos se instalassem hoje, eles fingem que não sabem da festa e fica tudo bem. Sou Hector Cassillas e aviso que o bar está aberto, fiquem à vontade.  
Bom, ele não precisou pedir duas vezes e até mesmo Amber, acabou se rendendo e bebendo conosco, e embora aquela festa não fosse tão boa quanto as de Hogwarts, ela durou até bem tarde, afinal quem sai de uma festa quando se tem ‘BeerPong’ ou corrida de tartarugas?.
Mal havíamos fechado os olhos quando alguém entrou em nosso quarto e nos jogou fora da cama gritando como se o prédio estivesse em chamas:
- Levantem-se! O treinamento estará começando em 10 minutos no campo de exercícios e quem faltar volta para casa.- reconheci a voz de tio Wes em meio à névoa que o sono e a ressaca ainda entorpeciam a minha mente, mas levei a sério o aviso, pois várias outras vozes eram ouvidas dando ordens pelo prédio enquanto portas eram batidas.
Acho que nunca me vesti tão rápido em toda a minha vida, mas não estava sozinho, todos os colegas do alojamento estavam despenteados, assustados, correndo enquanto vestiam seus agasalhos de ginástica ou amarravam os tênis, que alguns usavam sem meias para ganhar tempo, e resmungos eram ouvidos enquanto caminhávamos apressados:
- Cara o que está acontecendo? O sol nem nasceu ainda..
- Alguém tem algum saquinho ai? Acho que vou vomitar....
Nos reunimos em um campo gramado onde se viam paredes para escalada, pista de corrida com obstáculos variados, como pneus, cercas de cordas rente ao chão, lama, enfim todo aquele aparato que você só vêm filmes de ação como G.I Joe. Estávamos alinhados e vimos tio Wes, caminhando em nossa direção e junto dele haviam outros professores, que pareciam estar animados, alguns até traziam copos de café fumegantes, enquanto conversavam.
- Ah cara, vamos ser alunos de um cowboy em Londres? Nem temos vacas na cidade...- comentou Hector baixo e alguns alunos riram mas logo ficamos sérios quando o professor começou a falar com seu sotaque forte:
- Bom dia moças e rapazes. Sejam bem vindos ao primeiro dia do treinamento da Academia de Auror. Sou Wes Sanders, e serei seu oficial de treinamento de campo. Como vocês devem saber, em nossa profissão não podemos contar apenas com nossas varinhas e a sorte. Algumas vezes teremos que usar força física para conter os suspeitos, e é aí que o preparo físico fará diferença. Como nosso treinamento é em parceria com a academia de policia para que vocês possam estar aptos a atuar no mundo trouxa, nossos exercícios serão os mesmos usados pela Scotland Yard. Sei que vocês tiveram uma boa noite de sono e estão descansados, então cada um irá pegar uma mochila destas e darão dez voltas pelo campo com ela nas costas. Estas mochilas para quem não sabe, contém os equipamentos que vocês usarão durante o curso, como armas de fogo, cordas, celular descartável, suprimentos como água e comida desidratada, totalizando vinte kilos de peso, e um oficial sempre carrega seu equipamento para todos os lugares.O treino começa agora é só pára quando eu mandar. Vão!
Aquele foi o primeiro dia da nossa semana infernal, onde éramos tirados da cama nas horas mais malucas e tínhamos que carregar aquela mochila maldita a todo lugar, chegou a um ponto que comecei a dormir com ela para não cometer o mesmo erro de um dos rapazes e esquecer o cantil vazio, o que nos rendeu uma punição de ficar um dia sem água nos chuveiros do alojamento para darmos valor à nossa água. Também teve a vez em que estávamos treinando com os rifles e Thomas esqueceu que prender a bandoleira em seu peito, enquanto atirávamos e por culpa dele, tivemos que fazer flexões.
Ou quando Hector, que era o falastrão da turma, deu um apelido ao tio Wes de ‘Magic Mike’ e falava revoltado sobre ele quando conseguíamos chegar aos alojamentos e desmaiar em nossas camas. Confesso que até eu mesmo ria das piadas de Hector ou dos outros apelidos tais como JR Ewing ou Jed Clampett, mas o nosso riso morreu numa madrugada, quando após dois dias de rotina, em que íamos a campo as 5 da manhã e voltávamos às 10 da noite, fomos novamente acordados pelos professores e tínhamos 10 minutos para estar em forma. Mal passava da meia noite, já anos arrumávamos mais rápido e quando nos apresentamos em campo fazia frio e caía uma leve garoa.
- Peguem suas mochilas e fiquem em posição de sentido, não quero ninguém se mexendo ou conversando, eu e os meus colegas estaremos observando-os e já sabem: não costumamos ser bonzinhos com os preguiçosos.
Fizemos o que era esperado, e quando estávamos todos a postos e rígidos, o que era uma garoa se tornou uma chuva forte. Tio Wes, começou a se dirigir para a área coberta onde pude ver tio Seth e tio Caleb conversando com outros professores e nos observando. Após uma última verificação para ter certeza de que não havíamos esquecido nada, tio Wes disse enquanto passava por nós:
- Chuva é bom para lavar os pecados e esta vai demorar a passar. Nem Dallas esperaria algo tão apropriado para uma noite como esta, não acham?
Quando ele se foi, eu disse num tom baixo para que só os colegas ouvissem:
- Se alguém der algum apelido a este homem novamente, vai morrer.-só ouvi gemidos de dor e murmúrios de concordância.

N.Autora:
- Magic Mike, é o nome de um filme de 2012 que fala sobre strippers e Dallas é o nome do dono do clube onde ocorrem os shows.
- JR Ewing é o nome de um personagem da série de tv Dallas.
- Jed Clampett é o nome do patriarca da família Buscapé.


Posted: quinta-feira, 4 de outubro de 2012 by Rupert A. F. Storm in
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A sala de espera do consultório já estava vazia quando cheguei, como toda semana. Preferia o último horário. Ficar com outras pessoas na sala e ter que interagir, ser questionado dos motivos de estar ali, não era algo que me agradava. A recepcionista sorriu e abriu a porta do consultório.


- Pode entrar, ele já está lhe esperando.
- Obrigado.

Dr. Pace estava finalizando as anotações do último paciente quando entrei. Ele acenou com a cabeça e gesticulou para que me acomodasse. Uma vez a cada semana ele dedicava o dia inteiro aos ex-alunos de Hogwarts que queriam continuar com a terapia e eu era um deles. É verdade que havia melhorado bastante desde que comecei a conversar com ele, ainda na escola, mas ainda estava longe de me sentir bem o suficiente para encerrar as sessões.

- Pronto, desculpe por isso – ele finalmente fechou a ficha e sorriu – Tudo bom?
- Sim, tudo bem – respondi assentindo – As coisas estão indo bem.
- Como está sendo morar sozinho?
- Ótimo. Está sendo ótimo. Justin é organizado, está tudo sempre no lugar. É um pouco obcecado com limpeza, mas acho que é porque está estagiando no hospital e tudo precisa estar sempre muito limpo. Outro dia brigou comigo porque coloquei um copo em cima do vidro sem o apoio. Não que eu esteja reclamando! – e ele riu.
- E o estágio que quer fazer? Departamento de Parques e Recreação, certo? – assenti e ele fez uma anotação na prancheta – Tem mesmo certeza que quer isso? Você já tem um emprego, Rupert.
- Não parece um emprego ainda. Preciso ter um lugar para ir todo dia, uma rotina. Não estou acostumado a ficar em casa à toa.
- Mas você não vai estar à toa, tem livros à sua espera. Relatos a ouvir das pessoas envolvidas, páginas e mais páginas para escrever.
- Eu consigo fazer isso e ainda ter um trabalho. Pelo menos até me acostumar. Se achar que não estou conseguindo me dedicar como devo aos livros, saio do estágio. Mas quero ficar nele até onde puder.
- Muito bem, vou acompanhar de perto. Se achar que está ficando sobrecarregado, meu primeiro conselho será deixar o estágio.
- E eu vou seguir seu conselho, prometo.
- Certo. E como vão as coisas com Amber? Ela já voltou da Califórnia?
- Não. Cancelaram o voo dela por causa dessa tempestade insana que tomou conta de Londres. Era para ela ter chegado hoje de manhã, mas agora não sei quando ela chega – disse sem conseguir esconder minha insatisfação.
- Você parece chateado. Imagino que também tenha sentido a falta dela.
- É, sinto falta dela e eu estou chateado. Sinto falta de dividir com ela todas essas mudanças. Falamos por telefone todos os dias, ela sabe o que estava acontecendo, mas não é a mesma coisa de ter ela aqui, do meu lado.
- Por que essa ansiedade toda?
- A noite de autógrafos é amanhã – disse como se fosse óbvio, mas ele continuou esperando a explicação – Preciso dela ao meu lado. Não sei se consigo sem ela.
- E por que acha isso?
- Porque ela é minha melhor amiga, é quem eu procuro quando não estou bem, é quem sabe e entende tudo que passei e ainda passo. Sem o apoio dela, não vou sobreviver a um evento fechado com centenas de pessoas onde o centro das atenções sou eu. Patético, eu sei, mas preciso dela aqui, me reafirmando que tudo vai ficar bem.
- De forma alguma isso é patético. Todos nós temos uma pessoa em quem confiamos e procuramos conforto, alguém que nos transmite segurança. Amber é essa pessoa para você e eu sei que você é essa pessoa para ela.
- Estou nervoso. Não sei como agir amanhã.
- Relaxe, porque vai dar tudo certo. Tudo que precisa fazer é sorrir e autografar os livros.
- Mas o que eu digo a essas pessoas? Sou péssimo conversando com alguém pela primeira vez. Preciso de um tempo para me sentir a vontade.
- Não vai ter tempo de conversar com as pessoas na fila, vai ser tudo muito rápido.
- Nunca achei que o livro fosse fazer esse sucesso todo, não me preparei para isso.
- É bom começar a se acostumar, esse é só a primeira de muitas noites de autógrafos – ele sorriu parecendo orgulhoso – A noite de amanhã marca o inicio de uma nova fase em sua vida. Você vai muito longe, Rupert.

°°°°°°°°°°

A livraria estava lotada. Podia dizer isso sem nem precisar sair do conforto e da segurança do escritório onde aguardava Gabriel vir me buscar pelo barulho que vinha de debaixo da porta. Estava sozinho encarando a porta fechada, aflito e ansioso. Amber ainda não havia chegado à Londres, a tempestade não dava trégua e todas as decolagens e aterrisagens continuavam suspensas. Com sorte, o novo voo só pousaria na noite seguinte, ela ia perder o evento.  Teria que sobreviver à tarde sozinho e aquilo estava me deixando em pânico.

Sentia-me um idiota por estar me sentindo tão vulnerável e inseguro como nunca fui antes, nem mesmo quando era alvo dos valentões da escola, mas não havia nada que pudesse fazer de imediato. Não havia sido fácil no começo, mas havia finalmente aceitado que Dr. Pace estava certo e apenas o tempo me livraria de vez de todas as cicatrizes. Tudo ia ficar bem, apenas não hoje.

Becky apareceu para ver como eu estava, mas a convenci que estava tudo bem e ela me deixou sozinho outra vez. Não estava com vontade de conversar, não quando estava tão nervoso. Olhei para o relógio na parede e minhas mãos começaram a suar, faltava apenas cinco minutos. Alguém bateu na porta outra vez e a cabeça de Gabriel apareceu.

- Como está?
- Quase vomitando.
- Não vomite.  – assenti respirando fundo e ele riu – Tem alguém aqui querendo falar com você, talvez ajude.
- Não quero ver ninguém, não agora.
- Quer reconsiderar isso? – ele perguntou rindo outra vez e abriu mais a porta.

Amber estava parada ao seu lado, a mochila enorme que havia levado para a Califórnia ainda em suas costas. Gabriel sorriu e assim que fechou a porta, correu e se atirou em meus braços. Ela enterrou o rosto eu meu ombro e só de estar tocando nela foi como se todo o peso que estava sentindo tivesse desaparecido. Tudo parecia mais fácil agora.

- Senti tanto a sua falta – ela acariciou meu rosto e me beijou.
- Senti muito a sua falta também – segurei suas mãos e as mantive em meu rosto – Como chegou aqui? Pensei que estava voando agora.
- Não ia ficar lá em uma data tão importante para você. Briguei com a Cia aérea e consegui uma vaga em um voo para Paris, mas isso já era de madrugada, não pude ligar para avisar que estava a caminho. E quando cheguei a Paris hoje pela manhã, meu celular estava totalmente descarregado e não sei nenhum numero de cabeça, não tinha como ligar. Depois de duas horas no aeroporto sem conseguir um voo que me trouxesse para casa, desisti e peguei o trem.
- Uau, que peregrinação – disse surpreso, mas sorri – Obrigado.
- Sempre – ela apoiou as mãos em meu pescoço e aproveitei minhas mãos livres para puxá-la pela cintura para mais perto – Como está se sentindo?
- Agora estou bem, mas não viaje por dois meses outra vez, ok? – ela riu e me beijou.
- Nunca mais.
- Está na hora – Gabriel bateu outra vez e entrou no escritório – Pronto?
- Sim, vamos acabar logo com isso.
- Não diga isso para a imprensa, ok? – ele bateu nas minhas costas rindo – Não vai pegar bem.
- Certo.
- E lembre-se: basta sorrir, perguntar seus nomes, apertar mãos, assinar os livros e agradecer por terem vindo.
- Sorrir, nomes, apertar, assinar, agradecer – repeti feito um robô e ouvi a risada de Amber atrás de mim, apertando minha mão.
- Você vai se sair bem, não se preocupe – ela beijou minha bochecha e nossos dedos se soltaram – Vou procurar Kaley e o resto do pessoal, nos vemos quando acabar, ok?

Assenti com a cabeça e Gabriel me guiou para o lado oposto, para onde a mesa com a pilha de livros estava montada. Uma fila enorme se formava diante dela e quando me viram, uma gritaria sem tamanho tomou conta da livraria. Fiquei momentaneamente cego com os flashes que saiam das máquinas fotográficas da área onde a imprensa estava e quando consegui enxergar outra vez pude ver com mais atenção às pessoas na fila. Eram adultos, homens e mulheres, velhos e novos, muitas crianças também, não tinha uma faixa etária definida, tampouco um estilo único de público. Não sei ao certo o que eu esperava encontrar, mas certamente não imaginava que havia atingido a um público tão diversificado assim.

O esquema era simples, como Gabriel havia prometido. A pessoa chegava à mesa, eu apertava sua mão, perguntava seu nome, pegava um livro da pilha, o autografava e entregava a ela agradecendo por ter vindo e a pessoa ia até o caixa pagar pelo livro. Não sei dizer quantos livros autografei. Sempre que a pilha diminuía, uma nova surgia em seu lugar. Se estivéssemos na Floreios & Borrões saberia que a mesa estava encantada para se encher sozinha, mas era uma livraria trouxa. A mágica aqui eram inúmeras caixas com estoques do livro empilhadas na parte de trás que um funcionário reorganizava na mesa conforme ela ia esvaziando.

Depois de algum tempo meus amigos surgiram na fila querendo um autógrafo também, Amber entre eles e até mesmo Dr. Pace. Todos já tinham lido o livro e tinham suas cópias em casa, mas fizeram questão de esperar na fila como todo mundo e comprar um novo para me apoiar. Não cheguei a ter tempo de dizer, ali, o quanto aquilo significava para mim, mas eles sabiam. Minhas mãos já estavam doendo e minha letra deteriorando de tanto escrever meu nome, em alguns momentos acho que não cheguei a escrever Rupert Storm nos livros, saiu mais um borrão – talvez deva aprimorá-lo para ser meu autógrafo oficial – quando a fila finalmente chegou ao fim. A última pessoa dela era um garotinho de no máximo sete anos acompanhado do que só poderia ser seu pai, dada à semelhança.

- Olá – estendi a mão e o menino apertou com entusiasmo – Como se chama?
- Dashiell – ele disse orgulhoso e ri.
- Uau, nome bonito.
- É em homenagem ao Dashiell Hammett – ele explicou e tentei não rir.
- É mesmo? – fingi já não ter deduzido e ele pareceu feliz por poder me esclarecer isso – Gostei. Acho que vou batizar meu primeiro filho de Dashiell também.
- Você também gosta de livros de detetive?
- Sim, adoro, são os meus favoritos! – entreguei o livro a ele – Você vai ver quando meus próximos livros saírem, a história fica cada vez mais intrigante.
- Legal – ele mostrou o autografo para o pai e olhou de volta para mim – Prazer em conhecê-lo, Sr. Storm. O seu livro é muito, muito legal.
- Obrigado, e pode me chamar de Rupert.
- E você pode me chamar de Dash.
- Ok Dash, vou me lembrar disso na próxima vez que nos encontrarmos.

O pai apertou minha mão agradecendo e os dois saíram em direção ao caixa, o menino sem conseguir conter a empolgação. Gabriel me autorizou a levantar e fez sinal para que o seguisse, não deixando que eu fosse de encontro aos meus amigos. Desde que havia tido a ideia, e o apoio, para escrever o livro, por ser formado em jornalismo meu padrinho havia assumido o cargo de meu assessor. Era ele quem cuidava de tudo relacionado aos livros, meu único trabalho era escrevê-los e fazer o que ele mandava, desde reuniões na editora a assuntos relacionados à publicidade deles. E Gabriel nunca foi bom em disfarçar as coisas, então quando percebi que ele estava cauteloso, soube imediatamente que ia me dar uma noticia que não ia gostar muito.

- O que houve? – perguntei o segurando pelo braço impedindo que continuasse andando.
- Tem mais uma coisa que preciso que faça.
- Você disse que era só autografar os livros.
- Eu sei, mas tem mais uma coisa. Não quis dizer nada antes porque sabia que ia dizer não, e não é como se você tivesse escolha.
- O que não tenho escolha? – já estava começando a entrar em pânico.
- Calma, ok? Não é nenhum bicho de sete cabeças – ele apertou meu ombro – Você precisa fazer uma leitura do livro. Não é muita gente, é para um público pequeno.
- Leitura do livro? Quer que eu leia o livro inteiro em voz alta aqui?
- Não, só o primeiro capítulo, e são apenas algumas pessoas que fizeram a inscrição mais cedo. É fechado, nem mesmo nossa família vai participar, só mesmo quem se inscreveu para as 20 vagas que a livraria abriu. A maioria são crianças.
- Crianças podem ser intimidadoras.
- Rupert, preciso que você respire fundo e supere isso. Você é famoso agora, essa vai ser apenas a primeira de muitas leituras que fará em sua carreira. Se não pode enfrentar 20 crianças, como vai ser quando estiver em um auditório lotado de adultos querendo fazer perguntas a um dos mais jovens escritores da Inglaterra?
- Você não está ajudando! – minha voz saiu um pouco mais esganiçada do que eu gostaria, mas foi involuntário.
- O que houve? – ouvi a voz de Amber e senti sua mão apertando a minha – Você está pálido.
- Contei a ele que precisa ler o primeiro capítulo do livro para 20 pessoas daqui a pouco.
- E qual é o problema? – ela perguntou sem entender meu nervosismo.
- Eu não consigo falar em público! Não importa se são só 20 pessoas e a maioria é criança, eu travo.
- Rup, não é tão complicado assim – Amber falou com uma voz calma, entrelaçando seus dedos com os meus – É como ler sozinho em casa, só que precisa fazer isso em voz alta.
- Exatamente. Não pense que está diante de um público, se imagine sozinho em casa ou rodeado de amigos.
- Não sei se posso fazer isso.
- Você pode sim – Amber disse firme e olhei para ela – Achava que não ia conseguir passar pelos autógrafos e se saiu bem, estava até a vontade. Não tem nada que você não possa fazer.
- Que horas tenho que fazer isso? – perguntei a Gabriel e ele consultou o relógio no pulso.
- Agora. Vamos?
- Ela pode ficar lá também?
- Sim, ela fica comigo na mesa.

Assenti outra vez, sem opção, e o segui até o segundo andar da livraria onde a leitura seria. Era uma área mais afastada e estava toda cercada, realmente seria um evento fechado. As 20 pessoas que se inscreveram estavam sentadas em almofadas no chão e a maioria eram mesmo crianças, então seus pais estavam acompanhando, o que fazia o numero de pessoas aumentar um pouco, mas tentei relaxar. Gabriel me guiou até um pedestal de madeira que haviam montado igual aos que montam para discursos e o livro já estava em cima dele.

Amber soltou minha mão e seguiu Gabriel até a lateral da sala, de onde eles assistiriam a leitura, e fiquei sozinho diante daquelas quase 30 pessoas me encarando. Aquilo não era como ler em casa. Não estava nem mesmo confortável. Encarei as pessoas outra vez e vi Dashiell e seu pai no fundo da sala. Ele acenou animado e acenei de volta, sorrindo. Não sei exatamente o que me deu, mas tapei o microfone com a mão e olhei para Gabriel.

- Você pode me arrumar uma dessas almofadas? – ele fez uma cara confusa, mas assentiu e saiu.
- Desculpa, pessoal, prometo já começar – falei no microfone de repente não me sentindo mais tão tenso – Isso é novidade para mim, não estou acostumado a ser o centro das atenções e isso me deixa um pouco nervoso – algumas pessoas riram e relaxei um pouco mais – Quando me contaram sobre essa leitura, cinco minutos atrás, me disseram que era como ler sozinho em casa, só que em voz alta. Não sei vocês, mas eu não leio em casa arrumado desse jeito e em pé em um pedestal – todos riram agora e Gabriel apareceu com a almofada – Ah, obrigado.

Coloquei a almofada no chão encostada na parede, deixei o microfone em cima dela, coloquei o livro no chão e tirei os sapatos, pegando o microfone de volta e sentando com as costas grudadas na almofada. As crianças começaram a rir e as incentivei a tirarem os sapatos também, o que foi prontamente atendido.

- Ok, agora está mais parecido com ler em casa. Vamos começar?

Abri o livro em meu colo e quando li o primeiro parágrafo, percebi que aquilo era mesmo muito fácil. De relance vi Gabriel e Amber sorrindo satisfeitos, mas não olhei para eles para não perder a concentração. A cada linha ficava mais fácil e quando o capítulo chegou ao fim, queria ter podido continuar e ler o livro inteiro. Quando o fechei e olhei para as pessoas na sala, todas tão envolvidas na história que havia começado a contar... Foi naquele momento que finalmente percebi eu poderia tentar todas as carreiras existentes que nenhuma daria certo. Eu havia nascido para ser um escritor.