Posted: terça-feira, 20 de novembro de 2012 by Clara Storm Lupin in
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Março de 2018


Não sei exatamente onde estava com a cabeça quando decidir me tornar uma Curandeira, mas sem dúvida não estava com o juízo perfeito. Os primeiros meses foram motivadores, mas depois de seis meses vieram os primeiros plantões de 48 horas e o animo já não era mais o mesmo. E como se já não fosse estressante o bastante passar mais de 24 horas sem dormir direito tentando não matar seus pacientes, ainda tínhamos mamãe e tia Mirian rondando o hospital dia e noite supervisionando cada respiração nossa. Se você acha que ter sua mãe e sua tia como chefes é algum beneficio, pense outra vez. Justin, JJ e eu éramos cobrados em dobro.

Os plantões sem fim eram exaustivos e sempre chegava em casa reclamando, mas ainda não havia desistido da idéia de estudar medicina trouxa em Oxford. O envelope com a ficha de inscrição já estava em minhas mãos havia algumas semanas e tinha finalmente terminado a redação que eles pedem para nos avaliar. Estava aproveitando um momento raro de descanso para terminar de organizar tudo e colocar no correio quando bateram na porta da sala de descanso. Quando vi a cabeça do Dr. Cooper aparecer, sabia que a folga havia acabado.

- Explosão de caldeirão na maca cinco esperando por você – ele atirou a ficha para cima de mim.

Levantei do sofá sem muita pressa, mas quando bati o olho no nome do paciente na prancheta, disparei porta afora. Sheldon estava deitado na maca como se estivesse morrendo, pressionando um pedaço de pano contra a testa. O pano já estava ensopado de sangue e metade de seu rosto estava vermelho. Era uma cena pavorosa.

- Sheldon! O que aconteceu com você?
- Eu estava fazendo um experimento que não deu muito certo.
- Você não explodiu o apartamento, não é?
- Não, consegui carregar o caldeirão até o elevador antes de explodir. A propósito, nosso prédio não tem mais lavanderia.
- Pelo menos você está inteiro. Deixe ver o ferimento – estiquei a mão para tirar o pano de sua testa e ele saltou da maca.
- Quero um Curandeiro de verdade.
- A menos que o paciente esteja morrendo são os alunos que atendem, então deita ai e fica quieto – o empurrei de volta na maca com força.
- Você ao menos sabe o que está fazendo? – disse se esquivando quando puxei o pano ensangüentado.
- Se não parar de se mexer vou chamar um enfermeiro para amarrá-lo na maca – disse séria e ele me olhou desafiador, mas deve ter percebido que não estava brincando e sossegou – Isso é um pedaço de plástico? – disse tirando um objeto esquisito de sua testa – O que você estava cozinhando?
- Você não vai querer saber.
- Tem razão, às vezes a ignorância é uma bênção. Fique quieto um instante que já volto.

Deixei Sheldon sozinho na maca por alguns minutos enquanto pegava uma poção anestesiante e o kit para limpar o corte e fechá-lo. Era nessas horas que me sentia mais ansiosa por começar os estudos trouxas da medicina. Bruxos não usavam agulha para costumar pacientes, manter o corte na testa de Sheldon estável o suficiente para fechar sem a ajuda de um ponto não era uma tarefa simples.

- Beba isso – entreguei um frasco de poção a ele – Vai deixá-lo anestesiado.
- Você fez essa poção? – perguntou desconfiado – De onde ela veio?
- Não, Sheldon, as poções usadas no St. Mungus vêm da loja do professor Yoshi. Beba isso logo, não posso limpar esse buraco na sua testa com você sentindo dor.
- O que você vai fazer com o corte?
- Vou retirar todos os objetos estranhos que possam ter entrado nele na explosão e fazer o sangue estancar antes de fazer o curativo. Como você já sabe, não temos autorização para costurar pacientes, então terá que colaborar e seguir todas as instruções. Agora beba a poção. Vai se sentir um pouco estranho, mas não vai sentir dor quando começar a mexer em sua testa.

Sheldon ainda hesitou por um instante, mas se deu por vencido e bebeu a poção. O efeito dela começou a aparecer dois minutos depois. Quando Sheldon colocou a língua para fora e a apertou, dizendo que não doía, sabia que já estava mais que dopado. Aquela era uma das poções mais fortes que Hiro fornecia ao hospital, era mais eficaz para deixar a pessoa desorientada que algumas doses de tequila. Logo, foi muito difícil manter a pose série enquanto fazia meu trabalho.

- Eu não gostava de você, Clara – Sheldon falou depois de cansar de mexer na orelha – Você é chata, intrometida, mandona...
- Tem algum “mas” vindo? Não esqueça que estou segurando objetos cortantes perto da sua cabeça.
- Mas... – ele fez uma entonação dramática e segurei o riso – Aprendi a me adaptar. Você faz bem ao Hiro e ele traz um pouco de cultura a sua cabeça oca.
- Obrigada, eu acho.
- Por favor, não magoe meu amigo.
- Não pretendo magoar ele.
- Ótimo. Posso contar um segredo? – ele diminuiu o tom de voz e fez sinal para que me aproximasse. Já estava querendo rir, mas ainda consegui me segurar.
- Claro, o que é?
- I’m Batman! – disse imitando a voz do Batman e dessa vez não consegui não rir – Posso contar outro segredo?
- Claro, Sheldon. Minha boca é um túmulo.
- Mamãe fuma no carro. Jesus não liga, mas não conte para o papai. Não esse segredo, o outro segredo... I’m Batman!

Sheldon começou a citar falas dos filmes e aproveitei essa distração para terminar o que estava fazendo. Ele já começava a cantar o hino da Inglaterra quando passei o ultimo pedaço de esparadrapo no curativo e tirei a luva. Ele parou de falar um instante, tocou a bandagem na cabeça e fez sinal de positivo, esquecendo completamente que minutos atrás estava questionando minha habilidade de fazer um curativo.

- Ok Sheldon, espere aqui até o Dr. Cooper lhe dar alta, tudo bem? – falei bem devagar para ele não perder nenhuma informação – Não saia da maca. Isso é importante, Sheldon, está prestando atenção?
- Sim, ficar na maca. Não sair. Dr. Cooper vai me dar alta – ele estendeu a mão e a olhou fascinado – Isso parece azul pra você?
- Não, você ainda não está virando um Avatar. Já volto.

Não podia deixar Sheldon ir embora sozinho, sabe Merlin onde ele ia parar naquele estado, alguém tinha que leva-lo para casa. Liguei para Hiro para checar se ele podia vir busca-lo, mas ele estava atolado na loja e não poderia sair antes das 20h, não adiantava nada. JJ não sairia antes das 2h da manhã hoje, então acabei ficando com o abacaxi. Meu plantão terminava em uma hora, ele sobreviveria até lá. Dr. Cooper avaliou o que tinha feito e o liberou de imediato, mas expliquei que ele era meu vizinho e o levaria para casa mais tarde e ele autorizou que ele ficasse na maca até que eu saísse.

Às 18h em ponto encerrei meu plantão e fui até onde havia deixado Sheldon para resgatá-lo. Ele ainda estava em uma alucinação absurda de que suas mãos estavam ficando azuis e o reboquei ainda falando sobre o assunto até a área de aparatação. Eu costumava pegar o metrô para ir embora, ver um pouco de gente que não sejam doentes, mas não ia me arriscar a sair com ele naquele estado em um transporte publico lotado. O que foi um erro, evidentemente. Ainda sob o efeito do sedativo, assim que aparatamos no corredor dos apartamentos, Sheldon teve quase uma convulsão e vomitou toda a poção no meu pé. Se não tivesse segurando firme seu braço na hora que desaparatamos, teria desabado no chão.

O lado positivo de ter vomitado? O efeito da poção passou e Sheldon não estava mais parecendo um maconheiro. O lado negativo? Ele agora estava passando mal e eu fiquei de enfermeira a noite inteira. Todo mundo diz que homens são molengas quando ficam doentes e viram bebês, mas chamar o que Sheldon vira de bebê não seria apropriado. Ele vira a pessoa mais insuportável do mundo. Mais complicado que cuidar de uma criança doente ou um velho realmente teimoso, consegui com muito custo que ele tomasse banho (tive que encher a banheira antes e colocar a água na temperatura certa!) e colocar o pijama para deitar. Eu não sabia cozinhar, então graças a Merlin existem sopa semi-pronta, mas ainda assim tive que ouvi-lo reclamar que não estava boa, mesmo engolindo tudo. Quando Hiro chegou, já quase 22h, eu estava cantando sentada na beira de sua cama com a cara mais enfezada do mundo.

- Onde você estava? Disse que ia sair às 20h! – perguntei irritada. Não tinha a menor vocação para ser babá.
- Recebi material hoje, estava fazendo o estoque até agora pouco – ele respondeu na defensiva – Eu disse que estava enrolado!
- Podia ao menos ter ligado, não é? Estou duas horas a mais do que contei aqui!
- Não briguem! – Sheldon se encolheu na cama com as mãos tapando os ouvidos.
- Não estamos brigando, Sheldon – Hiro respondeu cansado – Só discordando.
- Já ouvi isso antes. E em seguida eu tinha que me esconder em meu quarto recitando uma palestra de Richard Feynman, enquanto minha mão gritava que Jesus a perdoaria se ela pusesse vidro no bolo de carne do papai. E meu pai está no telhado atirando na coleção dela de pratos colecionáveis de Franklin Mint.
- Não estamos brigando, vê? – levantei da cama e abracei Hiro, dando um beijo rápido nele – Ninguém vai mais gritar, nem quebrar nada.
- Então por que ainda estão com expressões zangadas?
- Ok Sheldon, você teve problemas na infância, todos nós temos nossos traumas. Cresça e supere isso! – Hiro falou impaciente e o empurrei.
- Posso resolver isso? – perguntei reprimindo a fúria e sentei na cama outra vez – Sheldon, tente entender, por favor. Hiro e eu estamos em um relacionamento e ocasionalmente nós vamos brigar. Mas não importa o que aconteça entre nós, você vai ser sempre parte das nossas vidas. Certo, Hiro?
- Sempre é muito tempo – olhei para ele séria e ele assentiu – Claro. Sempre.
- Agora você precisa dormir. Vai acordar se sentindo melhor amanha, prometo.

Saímos do quarto e apaguei a luz antes de puxar a porta, deixando Sheldon finalmente quieto e, espero, dormindo. Hiro me puxou para um abraço quando já estávamos no corredor e não resisti, deixei que ele me envolvesse com seus braços.

- Desculpe, eu devia ter ligado.
- Tudo bem, eu exagerei um pouco, cuidar dele pode ser muito estressante.
- Pode ser? – ele ergueu a sobrancelha e ri.
- Ok, é muito estressante – admiti e ele beijou minha testa – Ele é nosso filho, não é?
- Bom, você estava cantando para ele quando cheguei, acho que isso acabou com qualquer chance de negar.
- Eu sabia que ter filhos era uma péssima ideia – falei suspirando e ele riu.
- Já que nosso primogênito finalmente dormiu, que tal praticar alguns irmãos?
- Contanto que a gente fique só na prática, mostre o caminho.

Ele sorriu maroto e me beijou com vontade antes de me puxar pela mão na direção de seu quarto.

°°°°°°°°°°°

O evento mais esperado pela família Storm aconteceu no final de março. Becky estava deslumbrante em um vestido cor pérola com detalhes de rosas quando entrou na igreja de braço dado com tio George, a felicidade estampada no enorme sorriso que tinha no rosto. Connor estava nervoso perto de nós no altar. Balançava-se para frente e para trás angustiado para que ela chegasse logo. Do meu lado, Rupert não parava de olhar para Amber sentada com os outros convidados. Ele tentava não olhar, mas não conseguia. Meu primo era do tipo que queria estar ali um dia e todo mundo sabia que ele esperava que Amber fosse quem viesse ao seu encontro no altar.

A cerimonia foi curta, simples e bonita. Do lado de Connor, seu irmão Micah e sua esposa Evie e Nick e Kaley formavam os dois casais de padrinhos. E do lado de Becky, eram Rupert e eu e Ethan e Brianna. O padre era jovem e muito descontraído, fazia perguntas do tipo “Você tem mesmo certeza que quer se casar com ele? Ele vai ficar gordo e careca quando envelhecer” para Becky e “Ela não vai ter sempre esse corpinho elegante, então pense bem!” para Connor, o que arrancava risadas de todo mundo e aliviava um pouco a tensão de ambos, que só faltavam cortar a circulação um do outro tamanha era a força com que apertavam as mãos.

Se a cerimonia foi boa, a festa foi sem explicação. Mais uma vez mamãe assumiu o controle das coisas e, junto das mães de Connor e Nigel e Otter, organizaram uma recepção para ninguém botar defeito. E na hora da primeira dança já casados... Bem, essa parte vamos dizer que mamãe não teve qualquer envolvimento. Ela foi contra, a principio. Não queria fugir do tradicional, mas Connor acabou convencendo-a de que seria diferente e divertido e ela cedeu.

Os dois caminharam de mãos dadas para o centro da pista ao som de Just the way you are, do Bruno Mars, o que já não era uma música clássica de casamento, mas era uma versão mais lenta e estava tudo normal. Dançaram um pouco de rosto colado e de repente a música mudou. Começou a tocar Party Rock Anthem e os dois embarcaram em uma coreografia insana da música. Quando já estava todo mundo aplaudindo animado, todos os padrinhos e mais alguns amigos que toparam entrar na brincadeira entraram na pista e a primeira dança deles virou um flash mod. Eu tinha certeza que quando aquele vídeo fosse parar na internet e se transformasse em um viral eu me arrependeria de ter topado participar, mas na hora foi bem divertido.

Quando nada de mais impactante poderia acontecer, Connor provou que sabia como surpreender. Em segredo, com a ajuda de Nick, Nigel, Otter, Ethan, Brian e Edward, preparou um numero para Becky. Era tudo uma grande piada, é claro. Connor escolheu uma música de uma boyband que Becky era apaixonada quando tinha 15 anos e os sete bolaram uma coreografia que foi muito bem ensaiada para apresentar. Sentaram Becky em uma cadeira sozinha no meio da pista e quando a música começou a tocar e ela reconheceu a melodia, ficou quase sem ar de tanto que riu. E acho que o mesmo pode ser dito dos demais convidados. Mamãe olhava pra mim procurando uma explicação, mas eu também não sabia de nada, aquilo tinha sido obra dos meninos e ninguém mais.

Depois de um flash mob e daquela apresentação ao melhor estilo Backstreet Boys nenhuma outra surpresa apareceu, então a festa correu como qualquer outra festa de casamento. Estava na mesa com a turma e era impossível não notar que metade de nós éramos casais. Jamal não conseguiu ficar nem cinco minutos sentado e levantou reclamando que casamentos eram ótimos para se divertir sem compromisso e não ia conseguir isso sentado com casais. Quando saiu da mesa determinado, levou com ele Julian, MJ e Zach, que também estavam solteiros. Kaley e Elena ficaram na mesa conosco sem a mesma animação dos meninos, mas acho que se arrependeram logo. Nem eu sei quando aconteceu, mas o papo acabou sendo casamentos. Rupert ficou logo tenso, sabia muito bem que se tocasse nesse assunto assim tão cedo com Amber, corria o risco de ficar solteiro. Mas Keiko e JJ, Haley e Justin e Arte e Tuor falavam do assunto com tanta naturalidade que fiquei um pouco assustada. Não, aterrorizada seria a palavra mais adequada.

- Ai gente, vocês não acham cedo demais pra falar disso não? – resmunguei e ouvi Hiro rindo baixo no meu ouvido.
- Ninguém está marcando data de casamento, não tem nada demais falar sobre isso – Keiko se defendeu e os outros apoiaram.
- Bom, eu já marquei data! – Arte levantou a mão empolgada e todo mundo riu quando Tuor bateu palmas animado.
- Vocês são todos loucos. Não sei nem se quero casar ainda!
- Ah, bom saber disso – Hiro disse em tom de brincadeira e ri, mas o clima na mesa mudou.

De repente o assunto era outro, começaram a falar do flash mob e de como as pessoas reagiram surpresas e depois queriam participar. Hiro não parecia chateado com nada, participava do papo normalmente, mas eu estava incomodada. Lembrei-me de Sheldon, drogado, me pedindo para não magoar seu amigo. Será que eu havia o magoado dizendo que não pensava em me casar? Hiro nunca havia dito nada sobre isso, mas todo mundo sabia que ele era essa pessoa. Ele era o tipo que um dia quer casar e ter filhos, construir sua própria família. E eu ainda não sabia se queria isso.

- Vamos dançar? – convidei-o e ele sorriu, levantando da mesa e me estendendo a mão.
- Você está bem? – perguntou quando já estávamos fora do alcance dos ouvidos de nossos amigos – Está um pouco tensa.
- Você quer se casar? – perguntei do nada e ele me olhou assustado.
- Está me pedindo em casamento?
- Não! Merlin, não! – ele riu do meu desespero e bati em seu peito – Não tem graça.
- Clara, relaxa. Eu sei que você não é aquela menina que sempre sonhou com um vestido branco e um príncipe encantado. Sei onde estou me metendo e não ligo, porque eu te amo.
- Mas você quer isso tudo, não quer?
- Não sei, provavelmente sim, mas não penso nisso ainda. Não completei nem 19 anos.
- Obrigada! Somos novos demais para isso, não é? Arte e Tuor são dois loucos apressados.
- Dois loucos apressados e apaixonados, mas com eles é tudo muito mais intenso, era de se esperar que casassem logo. Nós somos diferentes, temos outros planos para o futuro.
- E se no meu futuro não tiver nenhum casamento e nenhum filho? Você ainda vai estar nele?
- Você me quer nele?
- Eu também amo você e não quero que isso nos afaste.
- Por que não deixamos para ter essa conversa quando chegar a hora? Temos muitos anos pela frente ainda e as coisas mudam. Olhe para você, por exemplo. Há três anos imaginava que seria mãe adotiva de Sheldon e estaria cursando medicina?
- Ou que estaria namorando você? – completei e ele segurou meu rosto para me beijar.
- Exatamente. Quem sabe daqui a uns anos você não muda de ideia e decide que quer se casar comigo?
- Isso foi um pedido?
- Ainda não, mas quem sabe no futuro...

Sorri para ele e o beijei de volta, o puxando pela mão para o meio da pista de dança. Ele tinha razão, era cedo demais para falar sobre isso. Se nossos amigos acham que é hora de pensarem em casamento, bom para eles, mas nós pensávamos diferente. Ainda tinha cinco anos de faculdade de medicina pela frente e mais sete como residente de cirurgia, não queria nem saber de nada disso até ter conquistado todos os meus objetivos. E para ser bem sincera, talvez nem depois que eu tivesse conquistado tudo isso.

°°°°°°°°°°

Em algum lugar do futuro.

Foi um plantão exaustivo. 48 horas sem dormir, me mantendo acordada à base de muito café e energético, e mais um plantão de 32 pela frente em menos de 24 horas. Precisei tomar um relaxante muscular com a capacidade de derrubar um elefante quando cheguei em casa e apaguei no instante que minha cabeça encostou no travesseiro.

Não sei por quanto tempo dormi. Pela dor que sentia em todo o corpo, não o suficiente. Amanhã seria um longo dia, já podia prever. Demorei um tempo até perceber o que me acordou. O remédio ainda estava fazendo efeito, meu cérebro estava uma bagunça. Meus olhos procuraram pelo relógio. Nem cedo nem tarde, mas ainda não era hora de acordar.

Pisquei confusa e então percebi o que havia me despertado. Tinha um pé no meu pescoço. Um pé minúsculo que havia acertado meu rosto e escorregou quando me mexi. Virei o corpo na cama com dificuldade e sorri quando vi a dona do pé espalhada no colchão embolada na coberta feito um macaco sem modos para dormir. Minha anjinha rebelde. Ele deve dê-la deixado pular para cá antes de ir trabalhar.

Mesmo com dor, me movi o suficiente para puxá-la para junto de mim. Ela se agitou quando mexi seu corpo, mas sossegou quando a abracei e não acordou. Ela era tão pequena e já tão geniosa. Mamãe se divertia dizendo que agora eu sabia o que ela passou comigo. Sorri lembrando o jeito que ela se sentiu orgulhosa quando ouviu a avó contar que era mais parecida comigo do que pensava e alisei seus cabelos, beijando sua testa.

E pensar que houve uma época em que a ideia dela um dia fazer parte do meu futuro me apavorava e nunca era cogitada. Olhando para ela dormindo aconchegada em meus braços, não conseguia entender como um dia pude viver sem ela.