Posted: domingo, 25 de novembro de 2012 by Rupert A. F. Storm in
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Acordei desanimado naquela manhã de 6 de junho de 2018. Fazia exatamente um ano que Brittany e Timothy haviam morrido na explosão que causei e já fazia um tempo que não pensava nos dois ou no que aconteceu, mas tudo voltou como um flash no instante em que abri os olhos. Naquele momento soube que seria um péssimo dia.

Minhas memórias daquele 1º aniversário da morte deles são um pouco confusas. O que lembro com clareza é que tinha uma consulta com o Dr. Pace naquela manhã, mas não apareci em seu consultório. Sabia exatamente o que ele diria e não queria ouvir. Lembro também de ter ignorado uma dezena de ligações durante o dia. E principalmente, lembro-me de ter ido até o cemitério onde os dois estavam enterrados.

James estava lá quando cheguei, ajoelhado ao lado do tumulo de Brittany com uma aparência pior que a minha. Segurava um buque de flores com tanta força nas mãos que por um instante achei que fosse esmaga-las, mas as depositou diante da lápide quando me viu e ficou de pé.

- Gérberas eram as favoritas dela – disse suspirando – Nunca dei uma única flor delas a ela, com medo de que tivesse a impressão errada. E agora trago um buque inteiro.
- Sinto muito – foi tudo que consegui dizer enquanto apertava seu ombro.
- Não esperava vê-lo aqui.
- Para falar a verdade, nem eu. Não havia percebido para onde ia até ver a entrada do cemitério.
- Ainda se sente culpado? – ele perguntou e quando não respondi, sacudiu a cabeça – Cara, você precisa parar com isso. Não foi sua culpa, você salvou muita gente.
- Eu sei, não é culpa o que sinto. Não sei explicar o que é e isso me deprime, sou um escritor – ele riu um pouco, mais relaxado – Só achei que devia vir aqui, por respeito, entende? – e ele assentiu.
- Tínhamos tantos planos, sabe? – James sentou no chão outra vez e sentei ao seu lado – Britt ia cursar direito em Cambridge e me fez prometer acompanha-la. Eu nunca nem quis ser advogado, concordei só para fazê-la parar de encher o meu saco.
- Você agora está cumprindo a promessa, não é? – perguntei e ele assentiu.
- Foi a primeira coisa que fiz quando voltei de Hogwarts. Consegui uma bolsa e tenho conciliado a academia com as aulas.
- Como você faz pra assistir a elas? Não ficou o primeiro mês preso no quartel?
- Eu não assisto às aulas na universidade, faço a distancia. Eles me mandam o material, eu estudo e faço todos os trabalhos sozinhos e só vou até lá fazer as provas. E muitas matérias eu já tenho na academia, então pude cortar uma boa parte da grade. Posso assistir às aulas quando quero e sempre que tenho tempo faço isso, mas é muito raro.
- Deve ser exaustivo.
- É, mas é o mesmo sentimento que você não consegue explicar. Britt sempre me incentivou a fazer isso dizendo que ia me ajudar com a carreira na policia. É como se eu devesse isso a ela, sabe?

Eu sabia exatamente o que ele queria dizer. Não era justamente por sentir que devia algo a eles que eu estava ali? Ficamos um tempo em silencio sentados na grama, depois caminhamos até a lápide de Timothy e James contou algumas histórias que me ajudaram a conhecer outro lado do garoto que me atormentou por tanto tempo. Nós nunca seriamos amigos, mas ouvindo a forma com que James falava dele, soube que não era uma má pessoa.

Deixamos o cemitério quando vimos os pais de Timothy se aproximando. Meu primeiro impulso seria falar com eles, embora não soubesse o que poderia dizer, mas James me puxou pelo braço na direção contrária. Ele tinha razão, era melhor não ir até eles. Se não tínhamos nada de útil para dizer, e nada que você diga aos pais que perderam seu filho no 1º aniversário da morte dele será útil, era melhor calar a boca e se retirar.

Não me lembro de quem foi a ideia, mas do cemitério fomos direto para um pub que ficava no bairro vizinho. Ainda eram 11h da manhã quando entramos e com identidades alteradas com magia, pedimos duas doses de tequila. Lembro-me de, ainda sentados no balcão, termos pedido mais duas rodadas. E depois disso tudo é um grande borrão.

Minha próxima lembrança é de acordar em um lugar que não reconheci de imediato. Estava em uma cama, disso eu tinha certeza, mas onde era aquilo? Olhei em volta confuso e reconheci a decoração como sendo o antigo quarto de Connor, no apartamento que dividia com Nick. O que eu estava fazendo ali?

- Ah, bom dia, Kurt Cobain – ouvi a voz de Nick vindo de algum lugar em minha mente e virei a cabeça rápido demais. Achei que ia morrer.
- Nick. O que houve? – olhei para o lado, dessa vez movendo a cabeça devagar – James, onde ele está?
- Ele acordou há meia hora, vomitou no chão da minha sala e saiu apressado de volta pro quartel. Já deve estar levando a punição do século por ter perdido um dia inteiro de aula.
- Um dia inteiro...?
- Hoje é dia 7.
- O que aconteceu com o dia 6? – eu estava muito confuso, meu cérebro não conseguia funcionar.
- O que aconteceu foi que vocês beberam até não poder mais e eu os resgatei do bar – devia estar com cara de interrogação, porque ele continuou – Quando Amber viu que James desapareceu e você não atendia suas ligações, deduziu que algo estava errado e que tinha relação com o que o dia de ontem representa a vocês dois, então me ligou. Rastreei seu celular e encontrei vocês quase desmaiados no balcão, de tão bêbados que estavam.
- Droga, ela deve estar uma fera.
- Acho que ela vai ser mais compreensiva do que pensa, estava preocupada quando me ligou, mas não aconselho a ignorar as ligações da sua namorada outra vez, por mais depressivo que esteja.
- Eu não estava depressivo. Não planejei nada disso.
- Acredito em você, mas não torne isso uma tradição, ok? Outros dias 6 de junho virão e não quero ter que busca-lo em um bar todo vez – e assenti, o que fez com que minha cabeça rodasse.
- E o que houve com você? Está com uma cara péssima.
- Ouvir isso do cara descabelado com olheiras de panda e de ressaca é deprimente – ele sacudiu a cabeça rindo, mas sabia que algo estava errado.
- O que aconteceu? – insisti e sentei na cama tentando me orientar.
- Só estou cansado.
- Cansado de alguma coisa especifica ou...?
- Cansado de tudo, na verdade. Fizemos show essa semana, cheguei em casa quase 2h da manhã e antes das 6h tive que levantar e correr para a delegacia. Não aguento mais essa jornada dupla, não sei por mais quanto tempo consigo manter essa vida.
- Está pensando em desistir de um dos dois? – perguntei e me surpreendi quando ele assentiu – Não achei que um dia fosse ouvir isso. Vai desistir de ser detetive? – quando ele não respondeu, fiquei ainda mais surpreso – Vai largar a banda??
- Não sei, Rup. Esse é o problema. Eu não sei o que fazer. Minha única certeza é que não aguento mais ser um músico e um detetive ao mesmo tempo. Eu preciso escolher, mas não sei qual.
- Bom, acho que o simples fato de você estar em dúvida já diz qual você não quer abandonar. Você sempre quis ser músico, seu pai teve que lutar para convencê-lo a entrar para a academia de auror. Se hoje você está hesitando entre ficar com o que sempre quis ser e o que nunca pensou em ser, é porque alguma coisa mudou.
- Ok Dr. Pace, chega de forçar o cérebro por hoje – disse quando apertei a testa com uma cara sofrida – Gabriel ligou para o seu celular há uma hora e atendi. Disse que tinha uma reunião ao 12h, mas expliquei você não tinha condição de tomar decisões inteligentes tão cedo assim e ele conseguiu empurrar para às 16h. Disse que é melhor aparecer na editora, sóbrio ou não, então vou leva-lo em casa e ser sua babá por hoje, me certificar de que vai chegar à Black Pawn na hora certa.
- E o seu trabalho?
- Hoje é a minha folga. Por que acha que estou tendo tempo de pensar?

Assenti sem conseguir formar mais nenhuma sentença coerente e levantei da cama, deixando que ele me dissesse o que fazer e para onde ir. Já havia exercitado demais o cérebro naquela manhã, precisava poupá-lo para o que quer que me estivesse me esperando na reunião. Nick tinha razão, eu não podia deixar que isso virasse uma tradição.

Infelizmente, aquilo seria uma tradição pelos próximos cinco anos.