Posted: segunda-feira, 3 de dezembro de 2012 by Autor convidado in
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Londres, setembro de 2018.

- Essa aula é um saco, viu? – Thomas comentou da mesa atrás da minha.
- Nós só tivemos duas delas até agora – Julian riu.
- Mas eu já sei que não gosto.  Definitivamente não quero ser um detetive.
- E você quer seguir que caminho então? – Kaley perguntou da mesa ao lado, revirando os olhos.
- Algo mais no estilo SWAT – ele respondeu e James e Julian começaram a cantar a musica tema do filme. Thomas aproveitou a deixa para imitar a dança de um dos personagens e todo mundo riu – Não quero investigar o motivo do crime, quero só prender o culpado e atirar nele se for preciso.
- Essa parte investigativa parece interessante, tenho curiosidade em saber o motivo para aquela pessoa ter cometido o crime – comentei e James assentiu concordando comigo – Quero poder seguir as pistas até descobrir quem é o culpado.
- Então você seque as pistas e depois me chama para chutar o traseiro dele.
- Ninguém vai chutar o traseiro de ninguém por hoje – ouvimos a voz do professor e em questão de segundos todos estavam de pé em posição de sentido diante de suas mesas – Descansar – ele disse e nos sentamos.

Se tinha uma coisa que o agora Tenente Wesley Sanders impunha, era respeito. Todo mundo caçoava do Tenente, ele era um tipo difícil de não ser notado, sempre com aquele chapéu de cowboy na cabeça sem se importar para o que pensavam, mas todos o respeitavam. Ele fez das nossas vidas um verdadeiro inferno em nosso primeiro ano na academia, mas agora havia se transformado em uma espécie de conselheiro. Ele ainda pegava no nosso pé e nos dava as mais insanas punições quando alguém cometia um erro, mas a porta de sua sala estava sempre aberta e ele estava sempre disposto a ouvir e ajudar.

E ele também era o nosso professor na aula de Investigação Criminal. E era a melhor aula do mundo.

- Todos deixaram os relatórios da última aula aqui? – ele perguntou indicando a caixa onde deixávamos todos os trabalhos e todos responderam “sim senhor” – Ótimo, então vamos seguir em frente. Quem sabe me dizer o que é um Arquivo Morto?
- Arquivo Morto é como chamam os casos que são arquivados sem uma solução, senhor.
- Muito bem, Beckett. Arquivo Morto é exatamente isso, casos sem solução. Há milhares deles no depósito da Scotland Yard e de qualquer outra agencia do mundo.
- Está querendo dizer que o crime perfeito existe? – Lena perguntou parecendo descrente.
- Ah, o pior pesadelo de qualquer policial, bruxo ou trouxa. Infelizmente, às vezes eles cometem um crime perfeito. Todo policial vai se deparar com um desses em algum momento da carreira.
- Nem pensar, nenhum caso meu vai ficar sem solução! – Hector disse presunçoso.
- Todos dizem isso quando estão na academia, mas às vezes a trilha simplesmente desaparece. Nem sempre é um assassinato, pode ser um seqüestro ou um desaparecimento sem explicações. Um dos casos sem solução que trabalhei que mais me intrigou, e me intriga até hoje, foi o desaparecimento de duas pessoas sem qualquer vestígio. Sem indícios de assassinato, seqüestro ou qualquer outra coisa. Eles simplesmente evaporaram. Trabalhei nele por dois longos anos, até o detetive responsável encerrar o caso por falta de novas pistas.
- Quando o caso é encerrado, a gente simplesmente deve fingir que nada aconteceu? – Penny perguntou agora e parecia indignada.
- Tecnicamente sim, mas ninguém realmente esquece. Você pode não investigar mais, mas os detalhes nunca vão embora. Se você por acaso esbarrar com algo que lembre o caso, ele sempre pode ser reaberto. Eu nunca realmente parei de procurar aquelas pessoas, só não tenho mais isso como prioridade na minha mesa.
- Se os crimes não param você também não pode parar – Kaley disse automaticamente e todos olharam para ela – É o que meu avô diz.
- E ele está certo, mas hoje vocês não vão aprender a seguir em frente. Hoje vocês terão a chance de reviver um caso antigo e dar uma nova perspectiva a ele. Vamos até o depósito de arquivos mortos da Scotland Yard e cada um de vocês escolherá uma caixa com um caso sem solução. Vocês podem abrir uma por uma até encontrar algo que achem interessante ou simplesmente pegarem a primeira que verem, não importa. Vocês trarão a caixa para o quartel e terão até o fim de novembro para estudar o caso. Quero que façam um relatório completo dele, tudo que aprenderam lendo os documentos, e no fim quero ouvir a sua opinião sobre ele. O que vocês fariam de diferente que talvez ajudasse a solucionar o caso?
- Nós podemos entrar em contato com as testemunhas? – James perguntou animado.
- Sob hipótese alguma vocês devem incomodar essas pessoas. Se encontrarem algo relevante, coloquem no relatório e apenas isso. Eu vou ler um por um e se achar que encontraram algo que valha a pena checar, eu mesmo entrarei em contato com as testemunhas. Se o caso for reaberto, o aluno que o estudou será convidado a ajudar na investigação.

A sala se agitou na mesma hora. Uma chance de ajudar em um caso de verdade? Nunca passou pelas nossas cabeças que realmente pudéssemos ter a chance de fazer isso ainda na academia. O Tenente Sanders ordenou que nos aprontássemos e em cinco minutos já estávamos do lado de fora do quartel no ônibus que nos levaria até a sede da Scotland Yard.

O depósito era imenso. Estantes gigantescas com caixas e mais caixas de casos sem solução. Aquilo era mesmo um pesadelo. Como é possível tantos criminosos ficarem impunes porque ninguém conseguiu encontrá-los? Eu nunca conseguiria deixar algo de lado.

- Tomem cuidado para não perderem nenhuma evidencia. Tudo dentro das caixas está catalogado e se algo sumir enquanto estiverem com ela, vai ser um grande problema – ouvimos o Tenente Sanders dizer antes de nos liberar – E lembrem-se da aula de Criminologia Forense: não toquem em nenhuma evidencia se não estiverem usando uma luva de látex.

A turma imediatamente se dispersou. Cada um foi para um lado vasculhar os arquivos até encontrar algo interessante, mas eu já sabia exatamente o que queria levar. As caixas estavam organizadas em ordem alfabética por sobrenome, então caminhei direto até a letra B. Perdi quase 10 minutos, mas encontrei o que queria na prateleira do meio. Com a ajuda de uma escada, arrastei a caixa com a etiqueta “BRENNAN, J e K” até a mesa. Era o caso não solucionado do desaparecimento dos meus pais.

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Rupert ainda estava na editora quando cheguei ao loft, então usei minha chave para entrar e espalhei o conteúdo da caixa de evidencias em cima da mesa. Saímos da sede da Scotland Yard direto para o quartel, ainda tínhamos duas aulas no dia, mas depois estávamos liberados pelo fim de semana, então ainda não havia tido a chance de ver o que tinha dentro dela. A primeira coisa que vi quando abri a caixa foi um saco plástico lacrado com o colar com pingente de elefante e a aliança de minha mãe. Ela nunca os tirava. Não sei por quanto tempo segurei a embalagem nas mãos, mas não ouvi Rupert chegar.

- Ei, chegou tem muito tempo? – disse me beijando e me assustei – Está tudo bem? O que é isso?
- O caso do desaparecimento dos meus pais. Vou estudar ele como projeto do semestre.
- Como é que é? – ele sentou confuso ao meu lado, esticando a mão para pegar um dos relatórios.
- Aula de Investigação Criminal, temos a chance de reabrir o caso que escolhemos se encontrarmos alguma pista relevante. Eu precisava trabalhar nele.
- Ok, agora entendi. Quer ajuda?
- Normalmente eu recusaria, isso é um trabalho do curso que devo fazer sozinha, mas...
- É o caso dos seus pais, você precisa encontrar uma pista – assenti e ele sorriu – Conte comigo, então. O que quer que eu faça?
- Fica com essa parte, vou lendo essa outra – separei as pilhas de relatórios e ele pegou a parte dele – Depois um explica pro outro o que leu.

Rupert levantou da cadeira com os papéis na mão e beijou minha testa antes de caminhar até o sofá. Deixei a embalagem em cima da mesa e peguei a minha metade, sentando ao lado dele no sofá e enterrando o rosto nos relatórios.

°°°°°°°°°°

- Talvez eles sejam espiões.

Abaixei o relatório que lia pela segunda vez e olhei para Rupert com uma sobrancelha erguida. Estávamos lendo e relendo toda a investigação há mais de duas horas, mas não havíamos encontrado nada que nos chamasse a atenção. Encontrei o nome do Tenente Sanders em um dos relatórios, o que revelou que era dos meus pais que ele falava na aula. E ele tinha razão: eles tinham simplesmente evaporado.

- Espiões? Acho que sua imaginação está indo longe demais.
- Eu sou um escritor, pode me culpar?
- Você não escreve ficção.
- O que estou escrevendo agora pode ser uma historia real, mas isso não significa que minha cabeça não esteja fervilhando de novas ideias.
- Tem algum livro novo em mente? – perguntei animada, mas ele reagiu um pouco estranho.
- Não exatamente, ainda é só uma ideia. Quando tiver uma história organizada, prometo contar – assenti sem insistir e ele pareceu aliviado – Então, espiões. É possível.
- Como isso é possível? Minha mãe era uma professora de piano.
- Se eles fossem espiões da CIA, por exemplo, nenhum detetive ia conseguir encontra-los. Só outro espião. Isso explicaria muita coisa, como eles desaparecerem sem deixar vestígio e deixando vocês para trás.

Não consegui impedir que uma risada escapasse ouvindo Rupert desenvolver aquela teoria maluca sobre meus pais serem espiões. Ele não acreditava mesmo que aquilo fosse possível, estava apenas tentando me animar, porque se meus pais fossem espiões da CIA significaria que estavam vivos. Que haviam desaparecido para nos proteger. Significaria que eles não eram egoístas e não nos abandonaram porque não nos queriam mais, mas sim porque queriam que vivêssemos uma vida normal. Não seria tão ruim assim se fosse verdade.

- Isso é muito 007! – ele concluiu depois de descrever todo o suposto plano de fuga deles.
- Eu amo você, sabia? – era a primeira vez que dizia aquilo, mas não parecia ter um momento mais apropriado.
- Eu sei – ele respondeu sorrindo e inclinou o corpo para me beijar – Eu também te amo.
- Espiões, então? É, até que não é uma teoria tão maluca assim.
- Uau, você me ama mesmo – disse surpreso e ri.
- Foco, Rup.
- Certo, espiões. Vamos elaborar essa teoria mais um pouco.  O que você se lembra da sua infância em casa? Talvez a gente encontre uma dica indo nessa direção.
- Não muita coisa, eu era muito pequena, mas lembro que passava mais tempo com a minha mãe. Papai estava sempre fora, viajando a trabalho.
- O que ele fazia?
- Não faço ideia, tudo que sei é que ele carregava uma pasta preta – ele riu e o empurrei – Ei, eu só tinha sete anos, não tive a oportunidade de convidar ele para o dia da carreira na escola para descobrir.
- Ok, então sua mãe ficava em casa e seu pai trabalha fora. Talvez Russell saiba a profissão dele.
- É possível, mas Russ foi para Hogwarts quando eu tinha um ano e ficou lá até eles desaparecerem, éramos só mamãe e eu mesmo. Embora...
- O que? Você está com cara de interrogação.
- Depois que eu fiz cinco anos, mamãe passou a viajar a trabalho com papai com bastante frequência. Eles ficavam mais tempo fora do que em casa.
- Ela fazia concertos? – sacudi a cabeça negando – Por que uma professora de piano viaja por tanto tempo, se não for para apresentações?
- Não faço ideia, mas enquanto eles estavam fora juntos, eu ficava com uma babá. Cindy,eu  acho.
- Não lembro de ter visto nenhum depoimento de uma babá nesses relatórios, qual era o sobrenome dela?
- Sete anos, Rup. Sete anos – ele riu – Russ talvez saiba, eles viajaram durante toda as férias de verão de 2004 e ela ficou conosco por dois meses. Ele já tinha 15 anos e uma paixão platônica pela babá, é provável que lembre.
- O que mais você lembra?
- Mais nada de relevante, não que o que eu já tenha dito seja – disse um pouco desanimada e ele apertou meu joelho.
- Ei, nós vamos encontrar alguma coisa. Vamos conseguir reabrir o caso.

Dei um sorriso não muito convincente e Rupert me puxou para junto dele, envolvendo os braços em volta de mim. Deitei a cabeça em seu peito e deixei que ele apertasse mais o abraço. Não fazia ideia de como íamos conseguir convencer o Tenente Sanders a reabrir aquele caso, mas eu precisava tentar. Eu queria muito a minha mãe.