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“Não é necessário ser uma câmara para ser assombrado, não precisa ser uma casa. O cérebro
tem corredores que superam o lugar material.”
Emily Dickinson
Emily Dickinson
Final de novembro de 2017, Rede de Flú, Ministério da Magia,
Londres.
Quando voltei da temporada de jogos, optei por viajar pela
rede de pó de Flú, pois estava cheia de sacolas e não queria perder nada
durante a aparatação, afinal eu já havia começado as compras de Natal.
Quando saí das chamas esverdeadas de uma das muitas lareiras
do Ministério da Magia em Londres, vi
Justin me esperando com um sorriso no saguão, soltei tudo no chão, enquanto ele
me puxava, me abraçando apertado.
- Que bom que você voltou! – ele disse depois de me beijar, com
a testa encostada na minha.
- Eu sempre volto para você.Você não está de plantão hoje? -
respondi após aspirar seu cheiro que fazia com que eu me sentisse em casa. Ele me
ajudou com as sacolas e enquanto procuravamos uma área para aparatar ele disse:
- Hoje não, só amanhã de manhã, por 48 horas. Quanto tempo
você tem?
- Estou de folga por uma semana.- percebendo que ele não
ficou tão animado quanto eu esperava, olhei-o nos olhos e ele explicou:
- Seu irmão, Ethan me procurou depois que você viajou,
precisa de nossa ajuda com uma criança que está no abrigo.
- Pobrezinha. É muito ruim?- eu quis saber e ele disse
sério:
- Orfã de dez anos, que não se adapta a lugar algum pois já
passou por muita ruim, tem medo de pessoas em geral, especialmente do sexo
masculino, crises histéricas e pesadelos. O pouco que pude fazer por ela, foi
enfeitiçar um apanhador de sonhos e parece que ela tem dormido melhor.
- Não é que eu não queira ajudar, mas não seria um caso para um psicólogo ou terapeuta? – e ele me encarou antes de me abraçar para
aparatarmos:
- Ela é uma criança trouxa que vê gente que morreu, Haley.
-o-o-o-o-o-o-o
Deixei Justin no St. Mungus, e aparatei até o vilarejo, onde
estava localizado o abrigo criado por meu irmão. Como era um local seguro, você
só conseguia localiza-lo, quando o dono te dava o endereço enfeitiçado. Foi uma
precaução extra, para proteger as hóspedes, depois de um incidente sério, dois
anos antes, com o ex marido de Gwen, a administradora do abrigo.
A casa, que já era de bom tamanho, havia sido ampliada, com
mais salas de recreação, tv, sala de estudos e de música. Sabia que Nick e
Edward davam aulas de música para as crianças, e que Ethan e Brianna, com a
ajuda de Gwen tornavam o lugar acolhedor e seguro para vítimas de violência
doméstica. Cheguei na hora em que as crianças estavam indo para a escola mista
do vilarejo, e Parker, o filho caçula de Gwen com 7 anos, veio correndo em
nossa direção, seguido de seus irmãos. Havia outros dois com eles, que preferiram
se manter afastados, e junto deles em guarda estava Bóris, o pastor alemão, que
havia sido adotado pelo abrigo, quando se aposentou na força policial.
- Haley! Haley! Você veio.- e me abraçou apertado, e ri da
sua empolgação, enquanto cumprimentava seus irmãos mais velhos: Grayson e Emma.
- Eu disse que vinha, não? E trouxe o que prometi: é sua!
peguei da minha mochila, uma goles autografada pelo meu time de quadribol, dei
a eles os presentes que eles pediram,
embora fossem trouxas: uniformes do Pride, que mandei personalizar com
os nomes deles.
- Quando vocês voltarem da escola, jogamos um pouco.-
eles assentiram e depois de se despedirem da mãe, foram para a escola,
acompanhados por Cassandra Cooper, a segurança do abrigo. Eu a conheci quando
ela participou de um dos treinamentos de defesa pessoal, ministrados por minha
mãe para a família. Sim, dona Alex ainda fazia isso, e depois do que passei no
último ano, acho até bom me manter atualizada. Acenei e ela retribuiu, sorrindo,
porém sem perder seus protegidos de vista.
- Oi Haley, vamos entrar e tomar alguma coisa.- disse Gwen e
eu quis saber:
- A outra garota... Izabel não vai à escola?
- Não, ainda não consegue, mas ela me parece muito
inteligente. Notei que alguns livros sumiram da biblioteca e hoje ela se
recusou até mesmo a tomar o café da manhã. Estamos muito preocupados, ela tem se
alimentado pouco.
- Eu sei. Justin também está preocupado com ela. Ethan e
Brie me falaram sobre a situação dela e eu acho que posso ajudar. – ela me
olhou séria por alguns segundos e disse:
- Mas você é uma atleta, o que poderia fazer? Oh! Sim! Acho
que entendi...Sabe que ainda fico espantada com as coisas em seu mundo?- disse
corando e comentei:
- Isso vindo de alguém que namora um bruxo, que é um promotor
que faz muito marmanjo chorar na corte? - rimos juntas enquanto entrávamos na
casa.
- Como vão as coisas com Declan? – perguntei e ela
- Vão muito bem, ele é maravilhoso e nem preciso dizer que sou
apaixonada por Liam. – fomos conversando e cumprimentando as pessoas que
encontravamos pelo caminho, até o quarto onde Izabel estava hospedada, o qual foi
fácil de achar: era o único enfeitado com um apanhador de sonho. Toquei-o e ele
irradiou calor para minha mão. Sabia que Justin, como curandeiro, havia feito o
melhor para ajudar aquela menina. Gwen bateu na porta e depois que foi
autorizada a entrar, ela disse:
- Izabel, você tem uma visita. É irmã do Ethan, Haley que gostaria de
conversar com você. Tudo bem?- um murmúrio de aprovação foi ouvido e ela se
afastou para eu seguir em frente, mas eu disse a ela antes de entrar:
- Gwen, haja o que houver, não deixe ninguém vir aqui ok?
Tomarei conta de tudo.- ela assentiu preocupada e eu passei pela porta.
Não pude conter um suspiro de pesar pelo que eu vi. O quarto
era simples, com uma cama de dossel, e ao redor dela haviam lençóis brancos
pendurados, formando uma tenda e me olhando através de uma fresta, havia um
rosto muito pálido, com olhar tenso e vigilante. Sorri e ela me olhava desconfiada,
forçando a vista, talvez tivesse duvidas, se eu estava viva ou não. Olhando ao
redor do quarto, pude entender o porque ela tinha tanto medo. Aquele lugar me
lembrou uma estação de trem, na hora do rush. Havia espíritos de fantasmas com
aparências assustadoras: mutilados, ensanguentados, alguns com roupas de
hospital, outros que pareciam ter sofrido algum acidente...Alguns suplicantes e
outros com olhares malignos, que me olhavam desafiantes e ficavam afastados
rente às paredes.
- Olá, eu sou Haley, meu irmão Ethan é o dono daqui e ele me
pediu para que eu conversasse com você, sobre os fantasmas.- e ela abriu o vão
da tenda um pouco mais.
- Você quer entrar? Aqui é seguro e eu tenho biscoitos.- e
ao meu olhar curioso, ela disse rápido:
- Eu não os roubei, foi Parker quem me deu, antes de ir para
a escola.- meu coração doeu.
- Parker é um dos garotos mais legais que conheço. Assim
como Grayson e Emma, você não acha?- ela fez que sim com a cabeça e eu
continuei falando:
- Quando eles voltarem da escola vamos jogar um pouco lá
fora e se você quiser poderá vir conosco.- disse enquanto entrava na tenda e
ela a fechava rapidamente, se afastando de mim. Olhei para cima e entendi o porque
ela ficava lá: havia outro apanhador de sonhos pendurado no alto.A tenda
funcionava como um casulo onde nenhum espirito poderia entrar.- ela viu meu
olhar e disse rápido, com sua voz ficando mais forte a cada minuto:
- Eu ganhei do Justin, amigo do doutor Ethan e da Brie, ele
disse que ia me proteger dos sonhos ruins, você o conhece? Sabia que eles são
bruxos bons, e não são como os warlocks que passam na tv? E eu acho que Brie
parece uma fada, mas ela disse que é uma bruxa boazinha.... Você sabe magia? – sorri assentindo e agradecida de que ela já
havia sido esclarecida sobre o nosso mundo e parecia reagir bem.
- Sim, conheço Justin. Ele é meu namorado e eu também tenho
um destes em casa. Me ajuda muito quando preciso dormir, sem nenhum espírito
invadindo meus sonhos, e pedindo ajuda.Fica difícil se equilibrar numa vassoura,
quando seus olhos estão ardendo de sono. – ela me olhou espantada:
- Você..Você sabe...
- Sim, eu sei o que você vê, isso acontece comigo desde
pequena, e por isso eu vim para te ajudar.
- Mas ninguém pode fazer nada, eles dizem que ninguém pode.
Todos são maus, porque eu sou esquisita.
- Wow, nós não somos esquistas ok? Conheço gente esquisita e
eles não são como nós, te garanto.- disse jogando o cabelo para trás de forma
afetada, e ela esboçou um sorriso. – e continuei:
- Os espiritos que
estão por aqui precisam de ajuda para seguir a luz, e geralmente é porque eles
deixaram algo para trás, que precisa ser resolvido. Nem sempre você vai
conseguir ajudar, mas fará o seu melhor.
- Mas eu não posso ajudar, tenho medo.
- E eles também têm medo de você. Imagine estar no lugar
deles, onde ninguém pode ouvi-los e quando aparece alguém especial,que pode
vê-los, eles ficam desesperados por
ajuda e nem sempre são compreendidos, e acabam assustando-a sem querer. Na maioria
das vezes, eles só querem saber que vai ficar tudo bem, por isso procuram gente
como nós, os mediadores. – como ela me olhasse desconfiada, eu disse:
- Vou te mostrar.- abri a tenda e ela soltou um grito de
medo, e enquanto eu saía da tenda e encarava cada um dos espíritos ali
presentes e eles iam falando sobre suas queixas e alguns até davam os recados
aos parentes, que eu anotei num caderno que encontrei numa mesa. Sabia que ela
estava acompanhando tudo através da fresta no lençol.Após algum tempo, eu
disse:
- Estou precisando de ajuda aqui, Izzie, será que você pode
vir me ajudar a mostrar a estas pessoas que elas precisam ir embora? Eu te
protejo.- e ela me olhou séria:
- Sim, eu sei que você vai me proteger, as luzes brancas e
azuis que rodeiam você, os repele. Foi a mesma coisa com o Justin...Sabe, doutor Ethan
e Brianna são banhados em rosa e verde. São auras, eu já li sobre isso. - Não
pude deixar de pensar, que se ela algum dia receber alguma carta de Hogwarts,
acabará indo para a Corvinal. Que desperdício!
Ela ficou ao meu lado, ouvindo os fantasmas, e percebi que
fazia anotações em uma letra caprichada. Ficamos por ali muito tempo, pois ouvi
o barulho dos latidos do cachorro.
- Os outros voltaram da escola...-ela disse enquanto eu
ouvia seu estômago roncar. Ela ficou embaraçada e eu convidei:
- Gostaria de descer comigo e almoçar? Pode conhecer as
outras hóspedes e fazer amigos.
- E se...Não gostarem de mim? – ela perguntou com dúvidas
nos olhos.
- Mas porque não gostariam de você?- devolvi a pergunta e ela
respondeu:
- Porque haverá menos comida na mesa se eu for lá. Era sempre
assim nos outros lugares aonde morei, e eles me odiavam por isso. – segurei as
lágrimas e quis saber:
- Por isso você não tem comido junto com os outros? – ela assentiu
e eu disse:
- Izzie, escute o que eu digo e é sério: você não precisa se
preocupar com a falta de comida, ou com a sua segurança, pois agora você está
sob a proteção de meu irmão e ele jamais deixaria algo de ruim acontecer com
você, e ele não estará sozinho, pois não só eu, mas todos nós aqui nos
importamos. Não hesite em me chamar, sempre que quiser. Se eu estiver fora, a
trabalho Justin poderá te ajudar com os fantasmas.- eu estendi a mão e ela a
pegou vacilante, selando nossa amizade.
Antes de descermos, arrumei o quarto dela com magia e ela
sorria encantada, a ajudei a arrumar o cabelo, e foi até divertido ver o
espanto das pessoas quando nos juntamos a eles para almoçar. Gwen, veio falar
comigo, enquanto Parker como o bom anfitrião que era, ia apresentando Izzie
para todos, e Emma enchia o prato da nova amiga.
- Izabel está bem agora? Conseguirá ser normal como as
outras crianças?– fiz que não com a cabeça:
- Ainda não sei. Hoje
foi só o primeiro passo, mas ela ainda vai precisar de muita ajuda, pois ainda
tem muito a superar. Mas vamos estar com ela a cada passo da jornada.- Gwen assentiu enquanto olhávamos a a menina tímida e carente, ser paparicada.
Pena que nem sempre o otimismo ou a fé na bondade, consegue ser
uma barreira contra o mal.