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"Às
vezes o mais difícil não é esquecer, mas, em vez disso, aprender a
recomeçar".
Nicole
Sobon.
“Obrigado
a todos por estarem aqui. Não vou demorar muito para que possamos começar a
festa, mas a quem estou querendo enganar, alguns de vocês já estão bêbados,
Brian. Eu sou o homem mais feliz vivo. Não tenho apenas bons amigos, eu tenho
ótimos amigos. Becky, Brie, obrigado por me ajudarem com a playlist dessa
pequena comemoração, mas tenho que confessar que quando vocês não estavam
olhando eu coloquei a Do The Hippogriff de volta na lista. Ethan, Connor,
Nick... Vocês sabem que são meus irmãos de coração. Só posso esperar que eu
seja ao menos metade do que vocês se tornaram, porque vocês são meus exemplos.
Nigel, o irmão de verdade e meu padrinho, não tenho palavras o suficiente para
você. Eu confio em você com a minha vida porque sei que aconteça o que
acontecer, você sempre vai estar lá para me proteger. Eu te amo, cara. E para a
minha bela esposa Emma... você não é apenas parte da minha vida, você é a minha
vida. E até o dia em que eu morrer você sempre vai ter a chave do meu coração.”
O discurso de Otter para o
casamento, lido por Emma na reunião que fizemos no Scavo’s em homenagem a ele,
foi como um soco no estomago. Se já estávamos todos tristes, ouvir aquela
última mensagem dele levou todos ao estado de depressão. Houve brindes em seu
nome, alguns contaram história engraçadas – a maioria dela envolvendo cerveja e
maconha – e até demos risadas, mas o clima era o pior possível. Estávamos todos
com uma sensação de derrota e eu não conseguia enxergar uma luz no fim do
túnel, uma maneira de superar aquilo.
Voltar à rotina depois do enterro
não foi nada fácil. Eu agora estava na Obstetrícia por 21 dias cuidando de
grávidas e bebês sendo supervisionada por minha mãe, mas nem a perspectiva de
passar 21 dias de pânico sob o comando dela ajudou a me deixar focada. Eu
simplesmente havia perdido a vontade de fazer qualquer coisa. E isso estava
ficando cada vez mais claro no trabalho que eu vinha fazendo.
Cinco dias depois de voltar ao
hospital, uma paciente com pré-eclampsia na 20ª semana foi internada no andar.
Fiz o exame inicial, prescrevi a dosagem do remédio no prontuário, entreguei a
enfermeira e sai do quarto. Cinco minutos depois minha mãe me abordou com a
enfermeira a tiracolo.
- Dra. Lupin, foi você quem
prescreveu essa medicação? – perguntou com o prontuário da paciente do quarto 6
na mão.
- Sim, por quê?
- 100mg de Sulfato de Magnésio?
Está tentando matar minha paciente?
- O que? – puxei o prontuário da
mão dela – Era pra ser 10mg.
- Preste mais atenção ao
prescrever qualquer coisa – ela puxou o prontuário de volta e se virou para a
enfermeira – E você, da próxima vez que pegá-la ministrando um remédio
receitado por um aluno sem que tenha sido aprovado por um atendente antes, está
demitida.
- Sim senhora, desculpe – ela
disse tremula e saiu apressada.
- Você, minha sala.
Mamãe saiu andando na frente e a
segui sem empolgação. Ela fechou a porta quando passei e quando me encarou,
achei que fosse me desintegrar.
- Onde estava com a cabeça quando
prescreveu uma dosagem daquela, Clara?
- Desculpa, estava distraída. Não
ando conseguindo focar em nada.
- Então encontre um jeito de
achar o foco. Se eu não entro no quarto a tempo e vejo o tamanho da ampola na
mão da enfermeira, ela teria injetado e a Sra. Watson teria morrido na hora!
- Eu vi o Otter explodir na minha
frente, mãe! – quase gritei – Como pode me pedir concentração?
- Por que a vida de outras
pessoas depende do nosso trabalho! Você escolheu ser médica, então comece a honrar
o juramento que fará em três anos quando se formar! Você perdeu um primo e eu
perdi um sobrinho. Estou devastada, mas preciso continuar o meu trabalho! – ela
falava já com os olhos marejados – Brendan é como um irmão pra mim e eu não
consigo sequer imaginar a dor que ele está sentindo, nenhum pai jamais deveria
saber o que é perder um filho, e nós trabalhamos para impedir que outros pais
passem por isso. Portanto se não está conseguindo se concentrar é melhor
repensar se é esse mesmo o caminho que quer seguir.
- Não preciso repensar nada, é
isso que eu quero.
- Não é o que está parecendo e
não é de hoje que percebo que não leva isso totalmente a sério. Se realmente
quer isso, vai ter que se esforçar mais para me provar.
- Não estou brincando, mãe. Eu quero
ser médica.
- Então cresça encontre uma
maneira de lidar com isso, porque ainda vai se deparar com muitas mortes que
vão lhe abalar tanto quanto essa. E se está assim por algo que não teve culpa,
não quero nem pensar em como vai ficar quando um paciente inevitavelmente
morrer em suas mãos. E está dispensada por hoje, vá para casa antes que mate
alguém mais cedo do que o esperado.
Mamãe saiu da sala sem dizer mais
nada e continuei parada no mesmo lugar por alguns segundos, sem saber direito o
que fazer. Ela achava que eu não estava levando aquilo a sério, quando tudo que
mais queria era ser como ela.
Acabei não indo para casa, não
teria ninguém lá e não queria ficar sozinha. E sabia que papai estava de férias
do Ministério, então fui atrás dele. Naquele momento, só queria um pouco de
colo da pessoa que sempre, não importa a situação, me faz sentir bem. Papai
nunca decepcionava quando o assunto era me consolar.
- Deixe-me adivinhar – ele disse
quando abriu a porta e me viu com cara de choro – Brigou com a sua mãe?
- Ela me mandou pra casa –
respondi já o abraçando – Eu fiz besteira.
- O que você fez?
- Prescrevi a dosagem errada para
uma paciente que podia tê-la matado. Tenha andado distraída.
- Então sua mãe fez bem em
repreendê-la. Você não pode se distrair.
- Eu sei, ela disse que já tem
tempo que ando assim, não é só agora depois do que aconteceu.
- E você acha que ela está certa?
- Não sei, acho que sim. Não percebi
nada, mas esse é o meu jeito. Pareço não levar as coisas a sério, mas eu não escolhi
medicina sem pensar.
- Sei disso, minha querida. E sua
mãe sabe também, mas desde que contou a ela que queria seguir seus passos, ela
criou expectativas. Talvez até demais, é verdade, mas elas existem.
- Nunca vou conseguir ser como
ela, por mais que eu queira. Mamãe é como a Mulher Maravilha. Ela faz tudo ao
mesmo tempo e nunca erra.
- Sua mãe também erra, ela não é
uma super-heroína e também não espera que seja exatamente como ela.
- Então o que ela quer?
- Que você seja alguém que um dia
as pessoas respeitarão, da mesma forma que ela é respeitada. Ela quer que você seja
bem sucedida.
- Ela me acha uma piada, papai. Mamãe
nunca vai me levar a sério.
- Então mostre a ela que você
cresceu. Pegue seu tio Brendan como exemplo.
- Por quê?
- Brendan era uma criança problemática
e um adolescente ainda pior. Ele sempre diz que o que o consertou foi o colégio
militar, que sem ele nada teria dado certo.
- Todo mundo respeita o tio
Brendan, mesmo ele sendo um palhaço.
- Exatamente. Ele se esforçou,
encontrou seu caminho e provou para todo mundo que não era uma causa perdida.
- Eu sou uma causa perdida?
- Não, meu amor, você não é uma
causa perdida – papai riu e beijou minha testa – Mas você ainda precisa
encontrar o seu caminho.
Passei o resto do dia com papai. Saímos
para almoçar em um restaurante no bairro e depois afundamos no sofá com um pote
de sorvete para assistir filmes a tarde inteira. Quando fui embora, já quase
anoitecendo, estava com a cabeça feita. Era uma mudança muito brusca, mas sabia
que podia dar conta. Hiro foi a única pessoa com quem conversei antes de
realmente tomar uma atitude. De inicio ele não ficou muito empolgado, tentou me
convencer a desistir, mas estava tão determinada e certa de que aquele era o
caminho que ele acabou me apoiando.
No fim de semana seguinte ele me
acompanhou até a base da Marinha Real Britânica, onde me alistei. Eles agora
assumiriam os custos dos meus estudos em Oxford e quando me formasse, eu
assumiria a patente de Segundo Tenente e o cargo de médica da Marinha Real
Britânica, estando totalmente à disposição deles para o caso de uma possível
convocação para a guerra.
E eles me convocaram. Foi no
final de 2025, depois que já havia terminado minha residência em cirurgia
pediátrica. Fui enviada para passar um ano trabalhando no hospital militar da
base de Kandahar, no Afeganistão.
Foi um ano difícil, mas essencial
para determinar o rumo que minha vida levaria quando voltasse para casa. Muita
coisa mudou, ela deu uma guinada de 360º, mas isso é longa história que contou
outra hora.
N.A.:
Discurso retirado do episódio 3.10 de Rookie Blue, com algumas alterações.