Posted: segunda-feira, 22 de julho de 2013 by Clara Storm Lupin in
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"Às vezes o mais difícil não é esquecer, mas, em vez disso, aprender a recomeçar".

Nicole Sobon.


“Obrigado a todos por estarem aqui. Não vou demorar muito para que possamos começar a festa, mas a quem estou querendo enganar, alguns de vocês já estão bêbados, Brian. Eu sou o homem mais feliz vivo. Não tenho apenas bons amigos, eu tenho ótimos amigos. Becky, Brie, obrigado por me ajudarem com a playlist dessa pequena comemoração, mas tenho que confessar que quando vocês não estavam olhando eu coloquei a Do The Hippogriff de volta na lista. Ethan, Connor, Nick... Vocês sabem que são meus irmãos de coração. Só posso esperar que eu seja ao menos metade do que vocês se tornaram, porque vocês são meus exemplos. Nigel, o irmão de verdade e meu padrinho, não tenho palavras o suficiente para você. Eu confio em você com a minha vida porque sei que aconteça o que acontecer, você sempre vai estar lá para me proteger. Eu te amo, cara. E para a minha bela esposa Emma... você não é apenas parte da minha vida, você é a minha vida. E até o dia em que eu morrer você sempre vai ter a chave do meu coração.”


O discurso de Otter para o casamento, lido por Emma na reunião que fizemos no Scavo’s em homenagem a ele, foi como um soco no estomago. Se já estávamos todos tristes, ouvir aquela última mensagem dele levou todos ao estado de depressão. Houve brindes em seu nome, alguns contaram história engraçadas – a maioria dela envolvendo cerveja e maconha – e até demos risadas, mas o clima era o pior possível. Estávamos todos com uma sensação de derrota e eu não conseguia enxergar uma luz no fim do túnel, uma maneira de superar aquilo.

Voltar à rotina depois do enterro não foi nada fácil. Eu agora estava na Obstetrícia por 21 dias cuidando de grávidas e bebês sendo supervisionada por minha mãe, mas nem a perspectiva de passar 21 dias de pânico sob o comando dela ajudou a me deixar focada. Eu simplesmente havia perdido a vontade de fazer qualquer coisa. E isso estava ficando cada vez mais claro no trabalho que eu vinha fazendo.

Cinco dias depois de voltar ao hospital, uma paciente com pré-eclampsia na 20ª semana foi internada no andar. Fiz o exame inicial, prescrevi a dosagem do remédio no prontuário, entreguei a enfermeira e sai do quarto. Cinco minutos depois minha mãe me abordou com a enfermeira a tiracolo.

- Dra. Lupin, foi você quem prescreveu essa medicação? – perguntou com o prontuário da paciente do quarto 6 na mão.
- Sim, por quê?
- 100mg de Sulfato de Magnésio? Está tentando matar minha paciente?
- O que? – puxei o prontuário da mão dela – Era pra ser 10mg.
- Preste mais atenção ao prescrever qualquer coisa – ela puxou o prontuário de volta e se virou para a enfermeira – E você, da próxima vez que pegá-la ministrando um remédio receitado por um aluno sem que tenha sido aprovado por um atendente antes, está demitida.
- Sim senhora, desculpe – ela disse tremula e saiu apressada.
- Você, minha sala.

Mamãe saiu andando na frente e a segui sem empolgação. Ela fechou a porta quando passei e quando me encarou, achei que fosse me desintegrar.

- Onde estava com a cabeça quando prescreveu uma dosagem daquela, Clara?
- Desculpa, estava distraída. Não ando conseguindo focar em nada.
- Então encontre um jeito de achar o foco. Se eu não entro no quarto a tempo e vejo o tamanho da ampola na mão da enfermeira, ela teria injetado e a Sra. Watson teria morrido na hora!
- Eu vi o Otter explodir na minha frente, mãe! – quase gritei – Como pode me pedir concentração?
- Por que a vida de outras pessoas depende do nosso trabalho! Você escolheu ser médica, então comece a honrar o juramento que fará em três anos quando se formar! Você perdeu um primo e eu perdi um sobrinho. Estou devastada, mas preciso continuar o meu trabalho! – ela falava já com os olhos marejados – Brendan é como um irmão pra mim e eu não consigo sequer imaginar a dor que ele está sentindo, nenhum pai jamais deveria saber o que é perder um filho, e nós trabalhamos para impedir que outros pais passem por isso. Portanto se não está conseguindo se concentrar é melhor repensar se é esse mesmo o caminho que quer seguir.
- Não preciso repensar nada, é isso que eu quero.
- Não é o que está parecendo e não é de hoje que percebo que não leva isso totalmente a sério. Se realmente quer isso, vai ter que se esforçar mais para me provar.
- Não estou brincando, mãe. Eu quero ser médica.
- Então cresça encontre uma maneira de lidar com isso, porque ainda vai se deparar com muitas mortes que vão lhe abalar tanto quanto essa. E se está assim por algo que não teve culpa, não quero nem pensar em como vai ficar quando um paciente inevitavelmente morrer em suas mãos. E está dispensada por hoje, vá para casa antes que mate alguém mais cedo do que o esperado.

Mamãe saiu da sala sem dizer mais nada e continuei parada no mesmo lugar por alguns segundos, sem saber direito o que fazer. Ela achava que eu não estava levando aquilo a sério, quando tudo que mais queria era ser como ela.

Acabei não indo para casa, não teria ninguém lá e não queria ficar sozinha. E sabia que papai estava de férias do Ministério, então fui atrás dele. Naquele momento, só queria um pouco de colo da pessoa que sempre, não importa a situação, me faz sentir bem. Papai nunca decepcionava quando o assunto era me consolar.

- Deixe-me adivinhar – ele disse quando abriu a porta e me viu com cara de choro – Brigou com a sua mãe?
- Ela me mandou pra casa – respondi já o abraçando – Eu fiz besteira.
- O que você fez?
- Prescrevi a dosagem errada para uma paciente que podia tê-la matado. Tenha andado distraída.
- Então sua mãe fez bem em repreendê-la. Você não pode se distrair.
- Eu sei, ela disse que já tem tempo que ando assim, não é só agora depois do que aconteceu.
- E você acha que ela está certa?
- Não sei, acho que sim. Não percebi nada, mas esse é o meu jeito. Pareço não levar as coisas a sério, mas eu não escolhi medicina sem pensar.
- Sei disso, minha querida. E sua mãe sabe também, mas desde que contou a ela que queria seguir seus passos, ela criou expectativas. Talvez até demais, é verdade, mas elas existem.
- Nunca vou conseguir ser como ela, por mais que eu queira. Mamãe é como a Mulher Maravilha. Ela faz tudo ao mesmo tempo e nunca erra.
- Sua mãe também erra, ela não é uma super-heroína e também não espera que seja exatamente como ela.
- Então o que ela quer?
- Que você seja alguém que um dia as pessoas respeitarão, da mesma forma que ela é respeitada. Ela quer que você seja bem sucedida.
- Ela me acha uma piada, papai. Mamãe nunca vai me levar a sério.
- Então mostre a ela que você cresceu. Pegue seu tio Brendan como exemplo.
- Por quê?
- Brendan era uma criança problemática e um adolescente ainda pior. Ele sempre diz que o que o consertou foi o colégio militar, que sem ele nada teria dado certo.
- Todo mundo respeita o tio Brendan, mesmo ele sendo um palhaço.
- Exatamente. Ele se esforçou, encontrou seu caminho e provou para todo mundo que não era uma causa perdida.
- Eu sou uma causa perdida?
- Não, meu amor, você não é uma causa perdida – papai riu e beijou minha testa – Mas você ainda precisa encontrar o seu caminho.

Passei o resto do dia com papai. Saímos para almoçar em um restaurante no bairro e depois afundamos no sofá com um pote de sorvete para assistir filmes a tarde inteira. Quando fui embora, já quase anoitecendo, estava com a cabeça feita. Era uma mudança muito brusca, mas sabia que podia dar conta. Hiro foi a única pessoa com quem conversei antes de realmente tomar uma atitude. De inicio ele não ficou muito empolgado, tentou me convencer a desistir, mas estava tão determinada e certa de que aquele era o caminho que ele acabou me apoiando.

No fim de semana seguinte ele me acompanhou até a base da Marinha Real Britânica, onde me alistei. Eles agora assumiriam os custos dos meus estudos em Oxford e quando me formasse, eu assumiria a patente de Segundo Tenente e o cargo de médica da Marinha Real Britânica, estando totalmente à disposição deles para o caso de uma possível convocação para a guerra.

E eles me convocaram. Foi no final de 2025, depois que já havia terminado minha residência em cirurgia pediátrica. Fui enviada para passar um ano trabalhando no hospital militar da base de Kandahar, no Afeganistão.

Foi um ano difícil, mas essencial para determinar o rumo que minha vida levaria quando voltasse para casa. Muita coisa mudou, ela deu uma guinada de 360º, mas isso é longa história que contou outra hora.


N.A.: Discurso retirado do episódio 3.10 de Rookie Blue, com algumas alterações.