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Agosto de 2017
O The Roundhouse, uma das casas de show mais famosas de
Londres, estava com sua lotação de 3.300 pessoas na capacidade máxima. Becky
estava no palco com a gente, toda nossa família e amigos estavam nos camarotes
e havíamos acabado de sermos interrompidos por meu pai, que entrou no palco
para nos entregar nosso primeiro disco de prata por termos vendido 60 mil
copias do nosso último CD. Aquele era o show das nossas vidas, mas Connor tinha
planos para fazê-lo entrar para a galeria de shows memoráveis do Roundhouse.
Faltavam apenas cinco músicas para encerrarmos o show quando
ele errou uma nota na guitarra. Normalmente essas coisas passam despercebidas
pelo público e seguimos em frente, mas ele parou de tocar e ergueu as mãos,
interrompendo a música. Olhei para Otter e Nigel procurando por algum sinal de explicação,
mas eles deram de ombros também sem entender o que estava acontecendo.
- Gente, desculpa, estou um pouco distraído hoje – ele
começou a falar com o público e cruzei os braços para ver onde aquilo ia dar –
Tem uma coisa me incomodando que está comprometendo minha concentração. Não é
bem incomodando, mas é algo que quero dizer tem um tempo já e sinto que esse é
o momento – ele andou até Becky do outro lado do palco – Becky, você sabe que
eu amo você, não é? – o público começou a se agitar e vi Becky congelar.
- Sim... O que está fazendo? – ela perguntou quase em um
sussurro, seu rosto já da cor dos seus cabelos.
- Esses dois anos que estamos juntos foram os melhores da
minha vida, sem exageros, e eu preciso fazer uma coisa para provar isso.
- Connor...
Becky entendeu o que ia acontecer um segundo antes da gente.
Quando Connor ajoelhou e eu fiz cara de surpreso, ela já tinha uma expressão de
pânico no rosto. As pessoas na plateia gritavam enlouquecidas enquanto Connor
puxava uma caixinha do bolso e a abria diante de Becky, revelando um anel de
brilhantes. Nosso produtor sacudia os braços dos bastidores querendo uma
explicação, mas sinalizei dizendo que não tinha nada a ver com aquilo. Becky
estava fazendo um tremendo esforço para não ceder ao leve tremor que tomava
conta de suas pernas e disse sim ao pedido dele. Connor a tomou nos braços e a
beijou com tanta vontade que os dois quase caíram, levando a platéia ao
delírio. Soltamos os instrumentos para cumprimentá-los e depois de alguns
minutos conseguimos retomar ao que restava do show. E ele definitivamente tinha
entrado para a história do Roundhouse.
°°°°°°°°°°°
Não lembro que horas a comemoração do noivado de Connor e
Becky acabou, tampouco que horas cheguei em casa, mas pelo susto que levei
quando meu celular tocou na cabeceira da cama, não havia dormido o suficiente. Por
Merlin, hoje é domingo! O céu ainda escuro do lado de fora da janela me fez
perceber que quem ligava era meu chefe antes mesmo de pegar o aparelho. Folga
revogada.
O escritório do quartel general da Scotland Yard estava um
caos quando cheguei ainda de óculos escuros. Casos de crianças desaparecidas
eram sempre caóticos, mas quando passava da margem de 48h de sequestro, a
situação beirava o desespero. Tinha uma torre de fichas me esperando em cima da
mesa e me atirei na cadeira exausto, começando a ler uma por uma atrás de
alguma pista que pudesse ajudar a localizar o menino. Nigel chegou logo depois,
murmurou um bom dia mal humorado e sumiu atrás de suas próprias fichas.
Já havia lido e relido todas as fichas sem encontrar nada de
útil quando Brianna entrou no escritório. Tinha um semblante cansado como o
meu, afinal ela também ficou até o fim da comemoração, mas também parecia
preocupada. Parou ao lado da minha mesa e puxou uma cadeira, desabando nela,
mas abriu seu habitual sorriso para me desejar bom dia.
- Está muito ocupado?
- Não, já fiz tudo que podia no momento, do que precisa?
- Emitir um alerta de um possível seqüestro – e me estendeu
uma ficha – Jason North. Tinha uma visita minha marcada para às 9h hoje, mas
não tinha ninguém em casa quando cheguei e ele não atende o celular.
- Condicional, guarda provisória dos filhos Austin e Molly
North... – ia dizendo em voz alta conforme lia na ficha – Tráfico de drogas e
assalto a mão armada? Como ele conseguiu uma condicional e a guarda dessas
crianças?
- Bom comportamento, fez alguns cursos enquanto esteve
preso, era um pai bem intencionado. Ele estava indo bem, essa seria minha
quarta visita e estava inclinada a apoiá-lo no pedido de guarda definitiva. Até
ver que ele desapareceu com as crianças.
- Calma, não vamos nos precipitar. Nigel, está ocupado? –
ele ergueu a cabeça do papel que lia e levantou depressa, parecendo aliviado
por fazer outra coisa – Pode checar esse numero? Quero saber onde esse celular
está.
- É pra já! – ele pegou da minha mão e foi até seu
computador, voltando um minuto depois – Está em uma lanchonete ao lado da
estação de King’s Cross.
- King’s Cross? Ele é bruxo ou é uma coincidência? –
perguntei e Brianna assentiu.
- A maioria dos casos que pego são de bruxos. Será que ele
está pensando em fugir pela plataforma 9 ¾?
- Se está, é melhor chegarmos até eles antes que possam
entrar no trem.
Expliquei a situação rapidamente ao diretor e ele nos
autorizou a sair com Brianna. Nigel foi à frente e ela foi comigo na minha
viatura. A calçada da lanchonete estava movimentada, o fluxo de pessoas
entrando e saindo da estação era intenso. Se esse homem tivesse armado teríamos
uma situação complicada. O computador da viatura de Nigel ainda indicava que o
celular de Jason North estava dentro da lanchonete e entramos com cautela. Eles
estavam sentados em uma mesa mais ao fundo, o homem rígido de frente para a
porta e as crianças de costas, comendo panquecas despreocupadas. Vi sua mente
trabalhar depressa procurando uma maneira de fugir quando avistou Brianna, mas
a idéia morreu quando percebeu que ela não estava sozinha.
Jason sequer resistiu. Começou a chorar quando Brianna lhe
perguntou por que faltou à visita marcada e admitiu a pretensão de fugir com os
filhos para Ottery St. Catchpole. Nigel levou Jason em sua viatura com Brianna
e as crianças voltaram para o quartel general comigo. O menino tinha cinco anos
e a menina três. Ela era bem falante, mas ele foi calado o tempo inteiro,
talvez por entender melhor o que estava acontecendo. Ainda tentei fazer com que
ele participasse do animado papo puxado por sua irmã, mas desisti depois da
quarta resposta monossilábica.
Nigel, desesperado para se livrar do caso do seqüestro do
garoto que estávamos ajudando, acompanhou Brianna o dia inteiro. Prendeu Jason
North na delegacia do 1º andar, ajudou ela com papelada e depoimento dele e das
crianças e passou o dia indo do nosso prédio ao juizado de menores. Brianna já
estava decidida a retirar a guarda provisória dele, mas ainda restava saber por
que a decisão repentina de fugir e se isso o jogaria de volta à prisão. E nesse
meio tempo, as crianças acabaram passando o dia inteiro na agencia sob a minha
supervisão.
Foi difícil, mas aos poucos consegui quebrar o gelo com
Austin. Molly deixou escapar que seu pai leu o livro de Rupert para eles e que
Austin era fã nº 1 do meu primo, então bastou dizer que conhecia não só ele pessoalmente
como o próprio Harry Potter para ver seus olhos brilharem. Ainda estava tímido,
mas já participava da conversa. Falamos sobre a história do livro e não sei
exatamente como isso aconteceu, mas acabei prometendo apresentá-lo a Rupert e
tio Harry. Sequer sei se isso é possível, uma vez que eles provavelmente vão
para um lar adotivo, mas a ansiedade no rosto daquele menino me fez perceber
que eu teria que cumprir aquela promessa. Não seria eu o responsável por
decepcioná-lo.
Brianna bateu na porta da sala onde estava com eles depois
das 22h da noite. Cansados, ambos já estavam dormindo no sofá.
- E ai, o que vai acontecer com eles? O pai vai ser preso
outra vez? – perguntei saindo da sala e fechando a porta.
- Ele estava em contato com um antigo companheiro de cela
que estava sendo procurado pela policia. Isso ajudou a prendê-lo outra vez, mas
também foi o suficiente para revogar a condicional de Jason. As crianças vão
para um lar provisório. Passei o dia inteiro no telefone, mas consegui um casal
disposto a receber os dois, não vamos separá-los.
- Bom, muito bom. E não tem mais volta para o pai?
- Ele pode tentar entrar com um novo pedido de condicional
daqui a alguns meses, mas vai depender do juiz que pegar o caso. Vou levá-los
agora, o casal está esperando.
Entramos na sala e acordamos as crianças. Brianna explicou o
que havia acontecido e que eles não voltariam a morar com o pai, pelo menos não
por enquanto. Molly perguntou se ia demorar muito para voltarem para casa e
ameaçou chorar quando dissemos que podia demorar um tempo, mas acalmou quando
Brianna garantiu que Austin e ela ficariam juntos. Aceitou que Brianna a
pegasse no colo e deitou a cabeça em seu ombro, ainda um pouco chorosa. Ela
estendeu a mão para que Austin a segurasse e pudessem sair da sala, mas ele não
se moveu. Olhava de Brianna para mim com os olhos tentados a se encherem de
lágrimas, mas as segurava com toda a força de vontade que seus cinco anos
permitiam. Por fim me encarou e abaixei para ficar de seu tamanho.
- Temos que ficar com essas pessoas? – perguntou tímido –
Não podemos ficar com você?
- Acredite, nada me deixaria mais feliz do que cuidar de
você e sua irmã, mas eu não posso – vi Brianna olhar para ele com pena –
Acontece que tenho um trabalho muito difícil. Dois, na verdade, e eles não
deixam que eu tenha tempo para nada. Hoje é domingo e aqui estou eu, no
trabalho até quase meia noite.
- Nós não vamos mais ver o Rupert Storm e o Harry Potter? –
ele agora não conseguia mais controlar e seus olhos começavam a ficar
marejados.
- Nós vamos. Eu prometi e vou cumprir. Brianna vai me ajudar
e vou levar você para conhecê-los.
- Não quero ficar com eles.
- Vocês vão ficar bem, eles são boas pessoas e vão cuidar de
você e Molly como eu não posso cuidar. E se você um dia precisar de alguma
coisa, qualquer coisa, pode me procurar – e entreguei a ele um cartão com meus
telefones – A hora que você precisar, eu vou até você.
Ele assentiu ainda contrariado, mas conformado. Estendi a
mão para fazermos o cumprimento que tinha lhe ensinado naquela tarde e ele fez
todos os movimentos com um sorriso tímido querendo aparecer em seu rosto.
Brianna estendeu a mão novamente e ele fez menção de pegar, mas então voltou e
se atirou em meus braços, me abraçando. Fiquei sem reação por alguns segundos
antes de abraçá-lo de volta e quando ele me soltou, eram meus olhos que queriam
desesperadamente encher de lágrimas.