Posted: quarta-feira, 8 de agosto de 2012 by Nicholas O'Shea in
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Agosto de 2017


O The Roundhouse, uma das casas de show mais famosas de Londres, estava com sua lotação de 3.300 pessoas na capacidade máxima. Becky estava no palco com a gente, toda nossa família e amigos estavam nos camarotes e havíamos acabado de sermos interrompidos por meu pai, que entrou no palco para nos entregar nosso primeiro disco de prata por termos vendido 60 mil copias do nosso último CD. Aquele era o show das nossas vidas, mas Connor tinha planos para fazê-lo entrar para a galeria de shows memoráveis do Roundhouse.

Faltavam apenas cinco músicas para encerrarmos o show quando ele errou uma nota na guitarra. Normalmente essas coisas passam despercebidas pelo público e seguimos em frente, mas ele parou de tocar e ergueu as mãos, interrompendo a música. Olhei para Otter e Nigel procurando por algum sinal de explicação, mas eles deram de ombros também sem entender o que estava acontecendo.

- Gente, desculpa, estou um pouco distraído hoje – ele começou a falar com o público e cruzei os braços para ver onde aquilo ia dar – Tem uma coisa me incomodando que está comprometendo minha concentração. Não é bem incomodando, mas é algo que quero dizer tem um tempo já e sinto que esse é o momento – ele andou até Becky do outro lado do palco – Becky, você sabe que eu amo você, não é? – o público começou a se agitar e vi Becky congelar.
- Sim... O que está fazendo? – ela perguntou quase em um sussurro, seu rosto já da cor dos seus cabelos.
- Esses dois anos que estamos juntos foram os melhores da minha vida, sem exageros, e eu preciso fazer uma coisa para provar isso.
- Connor...

Becky entendeu o que ia acontecer um segundo antes da gente. Quando Connor ajoelhou e eu fiz cara de surpreso, ela já tinha uma expressão de pânico no rosto. As pessoas na plateia gritavam enlouquecidas enquanto Connor puxava uma caixinha do bolso e a abria diante de Becky, revelando um anel de brilhantes. Nosso produtor sacudia os braços dos bastidores querendo uma explicação, mas sinalizei dizendo que não tinha nada a ver com aquilo. Becky estava fazendo um tremendo esforço para não ceder ao leve tremor que tomava conta de suas pernas e disse sim ao pedido dele. Connor a tomou nos braços e a beijou com tanta vontade que os dois quase caíram, levando a platéia ao delírio. Soltamos os instrumentos para cumprimentá-los e depois de alguns minutos conseguimos retomar ao que restava do show. E ele definitivamente tinha entrado para a história do Roundhouse.

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Não lembro que horas a comemoração do noivado de Connor e Becky acabou, tampouco que horas cheguei em casa, mas pelo susto que levei quando meu celular tocou na cabeceira da cama, não havia dormido o suficiente. Por Merlin, hoje é domingo! O céu ainda escuro do lado de fora da janela me fez perceber que quem ligava era meu chefe antes mesmo de pegar o aparelho. Folga revogada.

O escritório do quartel general da Scotland Yard estava um caos quando cheguei ainda de óculos escuros. Casos de crianças desaparecidas eram sempre caóticos, mas quando passava da margem de 48h de sequestro, a situação beirava o desespero. Tinha uma torre de fichas me esperando em cima da mesa e me atirei na cadeira exausto, começando a ler uma por uma atrás de alguma pista que pudesse ajudar a localizar o menino. Nigel chegou logo depois, murmurou um bom dia mal humorado e sumiu atrás de suas próprias fichas.  

Já havia lido e relido todas as fichas sem encontrar nada de útil quando Brianna entrou no escritório. Tinha um semblante cansado como o meu, afinal ela também ficou até o fim da comemoração, mas também parecia preocupada. Parou ao lado da minha mesa e puxou uma cadeira, desabando nela, mas abriu seu habitual sorriso para me desejar bom dia.

- Está muito ocupado?
- Não, já fiz tudo que podia no momento, do que precisa?
- Emitir um alerta de um possível seqüestro – e me estendeu uma ficha – Jason North. Tinha uma visita minha marcada para às 9h hoje, mas não tinha ninguém em casa quando cheguei e ele não atende o celular.
- Condicional, guarda provisória dos filhos Austin e Molly North... – ia dizendo em voz alta conforme lia na ficha – Tráfico de drogas e assalto a mão armada? Como ele conseguiu uma condicional e a guarda dessas crianças?
- Bom comportamento, fez alguns cursos enquanto esteve preso, era um pai bem intencionado. Ele estava indo bem, essa seria minha quarta visita e estava inclinada a apoiá-lo no pedido de guarda definitiva. Até ver que ele desapareceu com as crianças.
- Calma, não vamos nos precipitar. Nigel, está ocupado? – ele ergueu a cabeça do papel que lia e levantou depressa, parecendo aliviado por fazer outra coisa – Pode checar esse numero? Quero saber onde esse celular está.
- É pra já! – ele pegou da minha mão e foi até seu computador, voltando um minuto depois – Está em uma lanchonete ao lado da estação de King’s Cross.
- King’s Cross? Ele é bruxo ou é uma coincidência? – perguntei e Brianna assentiu.
- A maioria dos casos que pego são de bruxos. Será que ele está pensando em fugir pela plataforma 9 ¾?
- Se está, é melhor chegarmos até eles antes que possam entrar no trem.

Expliquei a situação rapidamente ao diretor e ele nos autorizou a sair com Brianna. Nigel foi à frente e ela foi comigo na minha viatura. A calçada da lanchonete estava movimentada, o fluxo de pessoas entrando e saindo da estação era intenso. Se esse homem tivesse armado teríamos uma situação complicada. O computador da viatura de Nigel ainda indicava que o celular de Jason North estava dentro da lanchonete e entramos com cautela. Eles estavam sentados em uma mesa mais ao fundo, o homem rígido de frente para a porta e as crianças de costas, comendo panquecas despreocupadas. Vi sua mente trabalhar depressa procurando uma maneira de fugir quando avistou Brianna, mas a idéia morreu quando percebeu que ela não estava sozinha.

Jason sequer resistiu. Começou a chorar quando Brianna lhe perguntou por que faltou à visita marcada e admitiu a pretensão de fugir com os filhos para Ottery St. Catchpole. Nigel levou Jason em sua viatura com Brianna e as crianças voltaram para o quartel general comigo. O menino tinha cinco anos e a menina três. Ela era bem falante, mas ele foi calado o tempo inteiro, talvez por entender melhor o que estava acontecendo. Ainda tentei fazer com que ele participasse do animado papo puxado por sua irmã, mas desisti depois da quarta resposta monossilábica.

Nigel, desesperado para se livrar do caso do seqüestro do garoto que estávamos ajudando, acompanhou Brianna o dia inteiro. Prendeu Jason North na delegacia do 1º andar, ajudou ela com papelada e depoimento dele e das crianças e passou o dia indo do nosso prédio ao juizado de menores. Brianna já estava decidida a retirar a guarda provisória dele, mas ainda restava saber por que a decisão repentina de fugir e se isso o jogaria de volta à prisão. E nesse meio tempo, as crianças acabaram passando o dia inteiro na agencia sob a minha supervisão.

Foi difícil, mas aos poucos consegui quebrar o gelo com Austin. Molly deixou escapar que seu pai leu o livro de Rupert para eles e que Austin era fã nº 1 do meu primo, então bastou dizer que conhecia não só ele pessoalmente como o próprio Harry Potter para ver seus olhos brilharem. Ainda estava tímido, mas já participava da conversa. Falamos sobre a história do livro e não sei exatamente como isso aconteceu, mas acabei prometendo apresentá-lo a Rupert e tio Harry. Sequer sei se isso é possível, uma vez que eles provavelmente vão para um lar adotivo, mas a ansiedade no rosto daquele menino me fez perceber que eu teria que cumprir aquela promessa. Não seria eu o responsável por decepcioná-lo.

Brianna bateu na porta da sala onde estava com eles depois das 22h da noite. Cansados, ambos já estavam dormindo no sofá.

- E ai, o que vai acontecer com eles? O pai vai ser preso outra vez? – perguntei saindo da sala e fechando a porta.
- Ele estava em contato com um antigo companheiro de cela que estava sendo procurado pela policia. Isso ajudou a prendê-lo outra vez, mas também foi o suficiente para revogar a condicional de Jason. As crianças vão para um lar provisório. Passei o dia inteiro no telefone, mas consegui um casal disposto a receber os dois, não vamos separá-los.
- Bom, muito bom. E não tem mais volta para o pai?
- Ele pode tentar entrar com um novo pedido de condicional daqui a alguns meses, mas vai depender do juiz que pegar o caso. Vou levá-los agora, o casal está esperando.

Entramos na sala e acordamos as crianças. Brianna explicou o que havia acontecido e que eles não voltariam a morar com o pai, pelo menos não por enquanto. Molly perguntou se ia demorar muito para voltarem para casa e ameaçou chorar quando dissemos que podia demorar um tempo, mas acalmou quando Brianna garantiu que Austin e ela ficariam juntos. Aceitou que Brianna a pegasse no colo e deitou a cabeça em seu ombro, ainda um pouco chorosa. Ela estendeu a mão para que Austin a segurasse e pudessem sair da sala, mas ele não se moveu. Olhava de Brianna para mim com os olhos tentados a se encherem de lágrimas, mas as segurava com toda a força de vontade que seus cinco anos permitiam. Por fim me encarou e abaixei para ficar de seu tamanho.

- Temos que ficar com essas pessoas? – perguntou tímido – Não podemos ficar com você?
- Acredite, nada me deixaria mais feliz do que cuidar de você e sua irmã, mas eu não posso – vi Brianna olhar para ele com pena – Acontece que tenho um trabalho muito difícil. Dois, na verdade, e eles não deixam que eu tenha tempo para nada. Hoje é domingo e aqui estou eu, no trabalho até quase meia noite.
- Nós não vamos mais ver o Rupert Storm e o Harry Potter? – ele agora não conseguia mais controlar e seus olhos começavam a ficar marejados.
- Nós vamos. Eu prometi e vou cumprir. Brianna vai me ajudar e vou levar você para conhecê-los.
- Não quero ficar com eles.
- Vocês vão ficar bem, eles são boas pessoas e vão cuidar de você e Molly como eu não posso cuidar. E se você um dia precisar de alguma coisa, qualquer coisa, pode me procurar – e entreguei a ele um cartão com meus telefones – A hora que você precisar, eu vou até você.

Ele assentiu ainda contrariado, mas conformado. Estendi a mão para fazermos o cumprimento que tinha lhe ensinado naquela tarde e ele fez todos os movimentos com um sorriso tímido querendo aparecer em seu rosto. Brianna estendeu a mão novamente e ele fez menção de pegar, mas então voltou e se atirou em meus braços, me abraçando. Fiquei sem reação por alguns segundos antes de abraçá-lo de volta e quando ele me soltou, eram meus olhos que queriam desesperadamente encher de lágrimas.

Enquanto via Brianna levá-los embora da sala, percebi que por melhor que fosse a minha vida, algo estava faltando. E eu soube imediatamente o que faltava nela.