Posted: sexta-feira, 25 de outubro de 2013 by Artemis Chronos in
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Tudo começou com uma sensação repentina. Um brilho de esperança. Do nada aquela sensação surgiu e lembrarei pra sempre a forma como nasceram lágrimas nos meus olhos e um largo sorriso...
E da mesma forma que surgiu... Ela desapareceu.

2024

- Nós viemos assim que soubemos! - Keiko falou se jogando nos meus braços. Tuor havia aberto a porta da nossa casa, mas ela simplesmente o ignorou e correu até mim.
Nossa casa estava lotada com todos os nossos amigos e eles se levantaram para ir falar com Hiro e Keiko, os últimos a chegar.
Enquanto Tuor e Hiro se cumprimentavam, Keiko dava pulinhos ao meu redor e eu estava tão feliz que fui contaminada pela alegria dela e pulava junto, enquanto ríamos e chorávamos ao mesmo tempo. Assim que ela começou a dar os pulinhos de alegria, todas as outras garotas, que estavam sentadas ao meu redor, começaram a dar pulinhos animados também.
Só depois de algum tempo que nós nos acalmamos e Keiko me deu um último abraço forte e deixou Hiro falar comigo, enquanto ia cumprimentar Tuor.
Hiro também me abraçou com força e me deus os parabéns, sorrindo alegremente. Percebi então que ele tinha deixado uma caixa de madeira branca com Tuor e agora Keiko a tirava dele, com pressa, como se não quisesse que ele visse algo.
- O que vocês estão aprontando? - Eu perguntei, curiosa e eles sorriram, sendo Hiro a responder.
- Assim que recebemos a sua mensagem nas nossas penas, queríamos vir logo pra cá, mas antes queríamos ter um presente em mãos. - Ele falou após dar um beijo em Clara.
- Por sorte, eu já tinha tido essa idéia antes e sabíamos onde procurar. - Keiko completou. - Por isso nos atrasamos. Fomos buscar seu presente! - Ela falou toda alegre e estendeu a caixa a frente.
- E como você é uma garota muito sem graça, precisamos enfeitiçar a caixa para impedir de você perceber o que era antes da hora! - Hiro falou rindo, quando peguei a caixa. Ela era pesada, talvez uns 2 ou 3 quilos e eu estava morta de curiosidade.
- Vocês sabem como sou curiosa! O que tem aqui?
Eu mal terminei de perguntar e senti um movimento na caixa e um latido baixo. Tuor, também curioso, veio pro meu lado e segurou a caixa enquanto eu a abria. Quando deixei a tampa cair no chão, dei de cara com um lindo filhote de Akita.
Ele era lindo! Completamente branco, todo peludinho e fofo, tinha um olhar brilhante, sério e divertido ao mesmo tempo. Senti uma empatia enorme por ele e coloquei minha mão dentro da caixa para pegá-lo. Ele pulou alegre para o meu colo e começou a lamber meu rosto, enquanto eu abria um sorriso enorme.
- Ele é lindo! - Eu falei, agora ficando com lágrimas nos olhos. O filhote olhou ao redor curioso, abanando o rabo e se aconchegando no meu colo.
- É ela. É uma fêmea! - Keiko falou. - Que nome vai dar?
- Amaterasu! - Eu nem precisei pensar. No primeiro momento que a vi eu percebi que daria esse nome. As garotas fizeram uma cara de que não gostaram do nome, mas Clara riu, juntamente com os garotos.
- Combina realmente! É o nome daquele lobo branco do jogo Okami, não é? - Rupert perguntou e eu assenti.
- É também a deusa do Sol japonesa. - Hiro completou.
- Mas o apelido dela vai ser Amy! - Eu falei e deixei Tuor pegar Amy no colo. Ela o cheirou e o lambeu, mas pouco depois já queria voltar para o meu colo.
- Os Akitas são os samurais caninos e dizem que escolhem um dono só. - Hiro falou, enquanto Amy me lambia de novo.
- Já sabemos quem ela escolheu então! - Clara falou rindo.
- Ih, Tuor, então é a Arte que manda na casa hein? - Jamal brincou e todos riram.
- Achamos que seria um presente maravilhoso! Ela vai poder crescer junto do seu filho, ou filha! - Keiko falou, acariciando minha barriga.
Eu me emocionei e fiquei com lágrimas nos olhos, abraçando-a junto de Hiro, enquanto ainda mantinha Amy no colo.
Todos queriam brincar com Amy e ela logo corria pela casa, alegre e cheia de energia. Eu ainda me sentia um pouco emocionada ao vê-la correr de um lado para o outro e, acariciando minha barriga e abraçada a Tuor, fiquei imaginando que dentro de 7 meses haveria uma criança para correr com ela.

2 meses depois

Deviam ser umas 6 da manhã e eu já estava de pé e banho tomado, pronta para sair de casa. Quando sai do banho ouvi Amy latindo e assim que terminei de me arrumar olhei pela janela do meu quarto, achando isso estranho. Ela latia na direção da casa e quando me viu na janela soltou um latido feliz, animada por me ver.
Meus dias eram extremamente corridos, com muitas coisas para fazer e eu me desdobrava para fazer tudo. Geralmente acordava bem cedo e ia correr no parque que ficava próximo da minha casa, antes de ir para Avalon cuidar dos meus dragões, por volta das 7 da manhã. Ficava em Avalon até por volta de meio dia, quando ia para o Ministério ou onde quer que Hermione me mandasse ir trabalhar. Depois disso passava a tarde inteira trabalhando como auror, para no final da tarde voltar a Avalon para dar uma última conferida antes de ir pra casa.
Nossa casa, um presente de meus pais e meus sogros, ficava em Kensington, próxima ao Hyde Park e ao Kensington Gardens, o que era maravilhoso. Quando decidimos morar em uma casa, queríamos um lugar calmo e de preferência próximo a algum parque, para que eu pudesse manter minha atividade física sem problemas. A casa, encontrada por mamãe sem querer, era mediana, mas o seu terreno era enorme, com um gramado na entrada e um jardim aos fundos. Ela ficava próxima o suficiente do metrô para que eu e Tuor o usássemos para ir trabalhar e a vizinhança era bem tranquila, o que nos permitia aparatar se desejássemos. Tuor estudava em Londres para ser professor de Transfiguração, mas às vezes ia a Hogwarts para reuniões com Tio Ben ou para assistir alguma aula.
A casa era de dois andares, em um estilo antigo, porém simples. Ela já viera decorada, tanto de móveis dos antigos donos, quanto de alguns presentes de nossos pais e parentes, mas já havíamos dado o nosso toque pessoal a ela. No andar de baixo, ela tinha uma sala bem espaçosa, uma cozinha com saída para os fundos e uma suíte que transformamos em um escritório, além de um banheiro. No andar de cima ficavam os quartos propriamente ditos: havia a nossa suíte e mais dois quartos, assim como mais um banheiro. Não queríamos cair naquela pretensão dos pais de que os filhos nunca iam crescer e por isso queríamos que ele ou ela tivesse seu próprio espaço. Um dos quartos já estava sendo decorado para um quarto de criança, com tons neutros, já que ainda não sabíamos qual era o sexo do bebê. Havia brinquedos espalhados por todos os cantos e tínhamos acabado de terminar um painel pintado na parede com árvores e lagos, inspirado na praça central de Avalon. O outro estava sendo usado como biblioteca e sala de jogos, e estava cheio de livros e outras coisas, além da minha coleção de flores encantadas.
Os fundos da casa eram com certeza a maior parte do terreno. Havia grama em todo o terreno de trás e um caminho de pedra que levava da porta da cozinha até algumas mesas e cadeiras, com um pequeno lago artificial. Haviam algumas flores plantadas perto da porta da cozinha e uma pequena horta no canto direito. Porém, era o fundo do terreno que era mais bonito e minha parte favorita. Ele era dividido em duas partes: à esquerda havia um círculo de pedras que eu erguera com pedras e areia de Avalon. O círculo era conectado à rede de círculos que havia na Grã-Bretanha e Avalon, permitindo que qualquer pessoa com a minha autorização pudesse ir da minha casa para a Ilha e vice-versa, já que havíamos colocado proteções contra aparatação na nossa casa. Além disso, o círculo me servia para me reestabelecer e me manter ligada a Avalon. Na parte direita havia uma grande árvore de cerejeira, uma surpresa de Tuor. A árvore era linda, principalmente quando florescia ou quando as flores caiam e nosso quintal ficava cheio de pétalas de rosas. Foi ali, envolta da árvore, que construímos uma casinha de madeira para Amy e um cercado de metal. Nos primeiros dias que Amy ficou conosco, ela dormiu na cozinha, mas logo depois construímos esse pequeno espaço para ela e ela adorava brincar aos pés da cerejeira.
Durante o dia, ela ficava com o quintal todo para ela (e várias vezes quando chegávamos em casa, ela havia devorado alguma planta), mas a noite nós a prendíamos no cercado. Sempre que eu acordava, por mais cedo que fosse, Amy estava acordada me esperando e aquilo se tornou tão importante pra mim quanto meus exercícios diários. Após Amy tomar todas suas vacinas, comecei a levá-la para correr comigo no parque de manhã. Amy era tão calma e séria que ela andava comigo sem coleira e podia correr livremente ao meu lado. Ela era cheia de energia e alegria, mas fora de casa se comportava bem e nunca precisei me preocupar de andar sem coleira.
Depois da corrida matinal, eu voltava pra casa e tomava um banho antes de sair, deixando-a solta no quintal. Quando Tuor acordasse, ele iria brincar um pouco mais com ela antes de sair. Amy então ficaria sozinha até o almoço, pois eu e Tuor tínhamos cultivado o hábito de almoçarmos juntos, fosse em casa ou algum restaurante e sempre íamos visitá-la um pouco. Quando nenhum de nós dois podia ir ficar com ela na parte da tarde, uma das minhas sobrinhas ia visitá-la ou então eu deixava uma chave com Flonne e ela ia cuidar de Amy, juntamente de Diana, minha afilhada.

Assim que abri a porta dos fundos da minha casa, vi que Amy já me olhava ansiosa.
- Ei, Amy, bom dia! – Eu falei alegre, me aproximando dela. – Hoje não vamos poder correr, porque tenho uma reunião cedo, mas amanhã prometo que a gente compensa!
Amy havia crescido bastante em 2 meses e quando ficava em pé em duas patas, já batia na minha cintura. Ela latiu brevemente e se apoiou no cercado, abanando o rabo. Eu a soltei e ela se aproximou com cuidado de mim. Às vezes eu a achava quase humana, pois eu tinha certeza que ela sabia que eu estava grávida e que não podia pular em cima de mim. Ela geralmente ficava em pé e levantava minha camisa para lamber minha barriga, fazendo cócegas que eu adorava.
Por falar em gravidez, eu estava em meu quarto mês, extremamente feliz. A barriga começava a crescer e já estava um pouco grande. Graças aos deuses os enjoos pararam e eu começava a me sentir menos irritadiça. Estava muito animada, pois tinha uma consulta com minha ginecologista, minha mãe, para a semana seguinte. Mamãe tinha nos dito que nessa consulta provavelmente conseguiríamos ver o bebê em um ultrassom, inclusive saber seu sexo. Eu ainda não tinha decidido se queria saber o sexo do bebê, mas estava ansiosa para poder ouvir o bater de seu coração e vê-lo. Eu conseguia perceber muito bem o bebê se formando dentro de mim, principalmente quando eu meditava, mas poder ver uma imagem dele, isso era algo que eu esperava ansiosamente.
Eu estava colocando comida para Amy quando percebi que ela ficou tensa. Olhei para ela preocupada e ela estava me olhando fixamente. Tenho certeza que seus olhos estavam cheios de preocupação e logo em seguida, ela correu para o meu lado, cabisbaixa. Ela começou a chorar baixinho e eu me sentei no chão, preocupada com ela.
Ela logo subiu no meu colo e se aconchegou com a cabeça em minha barriga. Comecei a fazer carinho nela, e comecei a usar meus poderes para examiná-la. Ela parecia não ter nada de mais, mas estava preocupada, pois ela não parava de chorar baixinho e nunca foi de fazer isso.
Fui até a cozinha com ela no colo e deixei um bilhete para Tuor, pedindo que a levasse em um veterinário. Eu mesma queria levar, mas Hermione marcara uma reunião muito importante hoje de manhã e como chefe da sua segurança pessoal, eu não podia faltar.
Voltei para o quintal ainda preocupada e com ela no colo e olhei em volta, querendo ver se tinha algo errado. Tudo estava normal.
Coloquei Amy no chão e fiz carinho até ela se acalmar um pouco. Com dó no coração eu fui na direção da cozinha novamente. Amy ficou parada onde eu a deixei, me olhando com seus olhos negros e profundos. Só quando eu passei pela porta da cozinha que ela se mexeu e correu até a porta, latindo baixo.
Decidi acordar Tuor e contei pra ele o que estava acontecendo. Ele se levantou imediatamente e foi vê-la, enquanto eu ia embora. Ele prometeu me mandar alguma notícia assim que fosse a um veterinário. Não conhecíamos nenhum que estivesse aberto a essa hora da manhã, mas ele disse que procuraria alguém.

Horas depois

A reunião com os aurores e Hermione foi tranquila, como esperava que fosse. Revemos alguns planos e redividimos o nosso pessoal. Isso havia sido uma idéia minha que Hermione logo aceitou: passamos a revezar os aurores, para que todos desenvolvessem habilidades diversas, desde investigação à vigília.
As penas que eu dera para meus amigos em Hogwarts ainda funcionavam e muitas vezes nos comunicávamos por elas. Assim, Tuor me mandou uma mensagem por volta das 8 e meia dizendo que Amy estava bem e que estavam em um veterinário. Ela ainda estava cabisbaixa, mas sua saúde estava bem. Estranhamente, muito por sinal, recebi uma mensagem de um dos tratadores de dragões de Avalon informando que Fidelus estava inquieto e ansioso desde cedo. Eu fiquei preocupada na mesma hora, não era normal Fidelus e Amy sentirem-se estranhos assim. Os dois se davam muito bem, desde a primeira vez que eu os havia apresentado. Amy adorava brincar com Fidelus e meu dragão sabia como lidar com um filhote muito mais fraco e frágil que ele.
Comecei então a ficar preocupada de algo estar para acontecer comigo ou com algum amigo meu. Ao final da reunião, devia ser umas 10 da manhã, eu pedi que me deixassem um pouco sozinha e me sentei em minha sala, para meditar e usar meus poderes.
Eu não gostava de fazer isso, pois saber o futuro nem sempre é bom. Você perde um pouco do fator decisão, uma vez que o que você vê é apenas um futuro possível. Mas agora que você o viu, suas tentativas de mudá-lo, apenas aumentam a chance dele acontecer. E inconscientemente você começa a tomar decisões que vão te levar a ele.
Mesmo assim estava preocupada e decidi fazê-lo. Chronos falava mentalmente comigo de que também não sentia nada, mas concordou que era melhor não arriscar.
Fechei meus olhos e comecei a me concentrar em Tuor... Não senti nada de estranho para ele no futuro próximo. Ia começar a fazê-lo para mim, quando senti uma presença.
Ela era frágil e pequena, como uma consciência que acabasse de surgir. Num minuto eu não sentia nada, mas no seguinte, podia senti-la claramente. Abri os olhos surpresa e alerta, procurando algo de estranho na minha sala. Havia anos que não tínhamos problemas com vampiros ou outras entidades, mas eu continuava alerta. Então, percebi que a presença vinha de dentro de mim.
Toquei ao mesmo tempo minha barriga com uma das mãos e com a outra tapei minha boca, enquanto um largo sorriso surgia em meus lábios e lágrimas começaram a descer de meus olhos. Senti o coração bater mais forte, o meu e o dela. Pois era ela! Era uma menina! Era a minha filha!
Eu podia sentir sua presença, podia senti-la tomando consciência das coisas ao seu redor, de mim e de si mesma. Pude senti-la se mexendo lentamente em meu ventre, aconchegando-se a mim. Percebi que ela sabia quem eu era, podia sentir sua consciência tratando-me por “mãe”... Concentrei-me em Tuor, queria passar essa memória para ele, passar essa sensação! Era o momento mais feliz da minha vida!
E então senti uma nova presença, diferente, misturada a essa.
E veio a dor.
Até hoje não sei se o grito de dor foi meu ou da minha filha. Mas gritei a plenos pulmões, de dor, de medo e de tristeza. Com dificuldade me apoiei na mesa e não cai no chão, sentindo sangue descendo pelas minhas pernas, e a dor crescia cada vez mais. Eu sabia o que isso significava, queria não saber, mas eu sabia.
A porta da minha sala se abriu imediatamente e os aurores entraram correndo de varinha em punho. Hermione vinha na frente e vi seus olhos arregalados em mim.
- Mione. Salve o meu bebê. – Foi a última coisa que eu lembro de ter dito, antes de cair na escuridão completa.

Uma semana depois – Visão de Tuor Mithrandir

A casa parecia ter absorvido o nosso clima. Ela estava silenciosa, escura, e parecia tão vazia. O único barulho era o de Amy latindo.
Entrei abraçado a Artemis. Ela se apoiava em mim e tinha o olhar vazio, sem perceber nada. Ela havia pedido para ficar sozinha e eu também preferia ficar sozinho, por isso nenhum de nossos amigos ou familiares estavam conosco.
Eu a sentei no sofá da sala e me ajoelhei diante dela, apertando suas mãos entre as minhas com força, beijando-as em seguida. Ela me olhou e mantemos nosso olhar, ela tentou sorrir e aquilo quase me fez chorar. Mas eu tinha que ser o mais forte possível, ela precisava da minha ajuda.
Arte sempre foi a garota mais forte que eu conheci, e acho que foi essa força que me fez me apaixonar por ela. Agora, iniciando sua vida como mulher adulta, ela estava ainda mais forte e radiante. As responsabilidades e correria pareciam lhe dar mais energia e deixá-la ainda mais bonita.
Mas agora ela estava melancólica como nunca esteve antes. Parecia não ter mais energia para nada.
- Vou lá em cima pegar umas coisas e depois vou fazer um chá pra você. Já volto. – Eu falei, beijando-a carinhosamente na testa.
Subi as escadas rapidamente para pegar sua coleção de flores para tentar animá-la, enquanto me lembrava da horrível conversa que tivemos ontem com Mirian.

No Dia Anterior
- Eu preciso ter uma conversa séria com vocês. – Mirian falou, fechando a porta do quarto onde Artemis estava internada. Arte estava acordada, mas muito cabisbaixa, e eu estava sentado na beirada de sua cama, apertando sua mão. Havíamos perdido nossa filha, ela havia falecido sem nem ter a chance de viver. O aborto fora espontâneo e quando Hermione conseguiu levar Arte para o Hospital, por mais rápido que tenha sido, nossa filha já estava morta.
O que nos dava força para continuar em frente era pensar que ainda poderíamos ter outros filhos.
- Eu estava em uma reunião com outros médicos, mas eu queria falar com vocês pessoalmente, afinal é da minha filha que estou falando. – Mirian falou e vi como ainda estava triste.
- Fale logo, mãe. – Arte pediu e Mirian assentiu.
- Não tem como falar isso de forma bonita ou boa, e prefiro ir direto ao ponto. – Mirian falou, sentando-se na outra beirada da cama. Ela então apertou a mão de Arte com força e vi que segurava as lágrimas. – Você ficou estéril, minha filha, não poderá mais ter filhos.
Foi como se Arte entrasse em choque. Ela abriu a boca para tentar falar, mas nenhum som saia de seus lábios. Naquele momento eu percebi que Arte já sabia disso, mas vinha mentindo para si mesma de que tudo ia ficar bem, de alguma forma milagrosa.
Ser mãe era um dos maiores sonhos de Arte e agora estava destruído. Ela começou a chorar e me puxou para me abraçar. Nos abraçamos forte, enquanto os soluços e lágrimas dos dois se misturavam. Mirian afagou nossas cabeças com carinho e nos deixou a sós.

Naquela noite, quando Arte finalmente dormiu, exausta, eu procurei Mirian e ela me levou para ver alguns exames, me explicando com detalhes o que tinha acontecido.
Nossa filha fora morta pelo organismo de Artemis, não tem outra forma de explicar. Ela era meio-vampira e o sangue de Artemis a matou.
Mirian estava arrasada, não apenas por ter perdido a neta de forma tão horrível, mas por não ter pensado nisso antes e não ter podido ajudar sua filha. Ela foi uma das responsáveis pela pesquisa de gestações vampíricas e tratou da gestação de Luna. Mais ainda, foi Mirian quem fez as pesquisas mostrando que o sangue dos Chronos realmente se comportava como metal goblin, absorvendo qualquer característica que o tornasse mais forte. E ela nunca imaginou que um filho de Artemis poderia ser meio-vampiro. E que o organismo de Artemis, tão puro devido a enorme quantidade de água sagrada e sangue de dragão que ela consumiu nos últimos anos, iria danificar de forma tão intensa um feto meio-vampiro.
E ninguém sabia exatamente como se comporta um feto vampiro, ou mesmo meio-vampiro. Só houve três casos de mulheres grávidas de vampiros até hoje: a própria Mirian, Luna e Megan Langston, e nos três casos sabiam desde o início da gestação que era possível nascer um filho vampiro, por isso todos os cuidados haviam sido tomados. Mas no caso de Arte, não havia nenhuma preocupação com isso e em dado momento, nossa filha não resistiu ao corpo da própria mãe.
Mas era pior do que isso.
A situação fora tão intensa que os ovários e o útero de Arte foram completamente destruídos no processo. Durante a operação para tentar salvar a criança, os ovários de Artemis foram retirados. O útero fora mantido, mas não tinha como ser curado. Mas ainda tinha algo pior. Com horror Mirian me contou que nada restou de nossa filha, apenas cinzas...

Eu balancei a cabeça, tentando esquecer mais uma vez daquela conversa, mas era impossível fugir daquele pesadelo. Senti lágrimas nos meus olhos e fui até o quarto que tínhamos separado para nosso filho. Senti uma dor no coração e entrei lentamente. Peguei um pequeno travesseiro e o apertei contra meu peito. Sai dali e tranquei a porta. Arte não estava preparada para entrar naquele quarto. Antes de descer, tentei me acalmar e forçar o melhor sorriso que eu podia. Enquanto descia a escada, tive uma idéia.
- Por que não tiramos umas férias, Arte? Podemos ir para a Croácia, você sempre quis conhecer... – Parei de falar quando vi que Arte não estava sentada no sofá e fiquei preocupado.
A porta da frente continuava trancada e corri para a cozinha preocupado, ainda mais quando vi a porta aberta e passei correndo por ela.
Então a vi.
Arte estava sentada no chão, encostada no tronco da nossa árvore de cerejeira. Amy estava parada em frente a ela, enquanto Arte a abraçava com força e soluçava. Amy estava quieta e tranquila como se a consolasse e pudesse saber o tipo de coisa que Arte estava sentindo. Eu fui andando lentamente até elas e quando cheguei perto, as duas me olharam e pareciam ter o mesmo olhar, mas diferentes.
Arte tinha o olhar da tristeza, falta de esperança e desespero, enquanto os olhos de Amy me transmitiam serenidade e sabedoria, como se me dissesse que tudo ia ficar bem. Sentei-me ao lado de Arte e nos abraçamos, com Amy no meio de nós. Nos entregamos a tristeza e choramos as lágrimas que vínhamos segurando, enquanto Amy nos apoiava silenciosamente, mas de uma forma de puro carinho e amor.

Let my eyes take in, the beauty that's here
That's left on this earth, my ears long to hear
A melody... Give me sight...

Nothing will be forever gone
Memories will stay and find their way
What goes around will come around
Don't deny your fears
So let them go and fade into light
Give up the fight here

N.A.: Chasing the Dragon, Epica.

Posted: quarta-feira, 31 de julho de 2013 by Rupert A. F. Storm in
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Já haviam se passado cinco dias desde a morte de Otter e eu me sentia mais perdido do que nunca. Não conseguia focar no trabalho, ficar dentro de casa encarando a tela do laptop era enlouquecedor, eu não sabia o que fazer para me distrair e parar de pensar no que havia acontecido. E não queria pedir ajuda à família, estavam todos tão ou mais abalados que eu, não seria justo. Quando minha mãe morreu eu era criança, era normal apenas chorar, mas agora eu não sabia como reagir. Estava entre a depressão e o estado de choque.

Foi Jamal quem me tirou de dentro de casa. Vendo meu desespero em me afastar ao menos um pouco do que me cercava, me arrastou de dentro do loft para seu apartamento, apenas alguns quarteirões de distancia. Não que tivéssemos muito que fazer, estávamos deprimidos demais para bater papo, mas só de sair de casa senti-me um pouco melhor.

Jamal havia se tornado meu melhor amigo desde que nos formamos. Quando ele começou com essa história, ainda de brincadeira enquanto tentava me dar algumas dicas de como me soltar mais, não imaginava que ele ia mesmo se tornar a pessoa que estava sempre ali para o que fosse preciso. Foi ele quem me ajudou a me adaptar a morar sozinho e quem estava do meu lado quando Amber foi embora. E fui eu quem o convenceu a voltar ao plano de estudar direito. Um ano depois de formados e ele já estava de volta no trilho, para o alivio do tio Quim, e agora estagiava com Gabriel. Estava trabalhando como seu assistente.

- Preciso sair daqui – disse de repente, atirado em um dos sofás da casa dele.
- Quer ir pra onde? – ele respondeu atirado do outro.
- Sei lá. Queria poder sumir.
- Sumir não seria uma má idéia. Tem um papel caindo do seu bolso – ele falou e peguei, mas deixei um suspiro desanimado escapar quando vi o que era – O que é isso?
- Uma Bucket List – ele riu – Eu sei, é idiota. Fiz porque o Dr. Pace pediu, na época que estava fazendo terapia ainda na escola.
- Posso ver? – estiquei a mão e ele pegou o papel – Wow, tem muita coisa.
- A maioria é besteira – ri também – Poucas coisas são sérias.
- Ficar com ela? – ele leu o penúltimo item e dei de ombros – Ela é...
- Sim. Eu disse que a maioria era besteira. Esse ai já era.
- A vida é uma caixinha de surpresas, cara. Nunca se sabe o dia de amanhã.
- Onde leu isso? Na caixa de cereal? – e ele riu.
- Pra que você quer aprender Mandarim?
- Sei lá, talvez pelo mesmo motivo que quero dar um soco em um tubarão? – respondi e ele riu olhando para a lista.
- Ah, Nº 14. Esse talvez seja o último item que consiga realizar, então é melhor focar nos outros primeiro.
- Não se preocupe, não pretendo cumprir nada. Pode jogar fora depois de ler.
- Como assim? Mas você ainda não cortou nenhum item! – ele sentou no sofá – Ok, temos que consertar isso. Acho que aprendemos da maneira mais dura essa semana que a vida é curta. E se você tem 40 itens nessa lista, é melhor começar a riscar alguns.
- Jamal, sério, não estou no clima. Essa lista é idiota.
- Não é não. Você escreveu um monte de bobagens, realmente, mas algumas coisas são legais. Escrever uma peça, ter um dos seus livros transformado em um filme, ter filhos, viajar por um ano com seu melhor amigo. Quer saber? Como eu sou seu melhor amigo e quero viajar por um ano com você, não vou deixá-lo desistir da lista. Vamos riscar algo daqui agora mesmo. Que tal o Nº 10? – e me devolveu ao papel, levantando do sofá.
- Beber uma garrafa de tequila em 10 minutos? – li e balancei a cabeça – Jam, isso é uma péssima idéia.
- Cenoura, você precisa parar de pensar demais – ele voltou do bar com duas garrafas na mão – E não tem uma hora melhor para beber do que essa. Uma pra cada!

No começo resisti, mas Jamal tinha razão. Que melhor hora para encher a cara do quando se está deprimido? Ele abriu as garrafas, dispensamos os copos e dentro dos 10 minutos estipulados na minha Bucket List terminamos as tequilas. E é claro que ficamos completamente bêbados, o que nos animou um bocado e resultou em uma vontade súbita de ir para a rua.

Já era tarde da noite e caminhamos sem rumo pelas ruas, sem perceber que íamos em direção ao Hyde Park. Nós andamos muito. O parque estava vazio quando chegamos exceto por alguns guardas da policia montada que conversavam distraídos na esquina. Os cavalos estavam amarrados na grade, relativamente afastados dos policiais. Foi Jamal quem teve a idéia.

- Vamos roubar aqueles cavalos!
- O que? – mesmo bêbado sabia que aquilo era loucura – Ficou louco?
- Mas está na lista! – ele argumentou – Nº 15: Roubar um cavalo da Policia Montada.
- Ah sim, então tudo bem! – aparentemente, minha sanidade era temporária.

E nós fomos. Desamarramos dois cavalos, montamos, cavalgamos por cerca de um quarteirão e fomos apanhados pelos policiais que não tiveram a montaria seqüestrada. É claro que fomos presos e acabei riscando o terceiro item da minha lista. Nº 18: Ser preso por algo maneiro.

Jamal e eu não parávamos de rir enquanto éramos levados pela viatura que eles chamaram até a delegacia mais próxima. Fomos colocados em uma cela com um homem que roncava alto no banco e ainda assim não conseguíamos parar de rir. Estávamos bêbados, ora, o que mais esperar?

Gabriel foi nos tirar de lá não muito tempo depois. Em meio às risadas, lembro-me do olhar furioso dele enquanto nos arrastava para fora da delegacia pela porta dos fundos e nos levava de volta ao meu loft. Minha última lembrança da noite foi dele me atirando na cama de sapato e tudo e batendo a porta.

°°°°°°°°

Acordei com uma dor de cabeça de outro mundo na manhã seguinte e, infelizmente, lembrava de tudo que havia feito. Gabriel ainda estava no loft e continuava enfezado quando apareci na sala. E para minha surpresa, Becky estava com ele. Ótimo, eles iam se juntar para fazer uma intervenção?

- Está feliz? – ele perguntou irritado e piorou quando dei de ombros – Eu vou bater nele.
- Calma, Biel! – Becky falou menos irritada, mas também não estava alegre – Rup, você tem idéia do que fez ontem?
- Sim, eu roubei um cavalo da guarda montada. Não estou orgulhoso disso.  Não, na verdade, estou orgulhoso sim – e ri, o que só fez Gabriel ficar ainda mais louco.
- Você está rindo? – ele basicamente gritou e me assustei um pouco – Rupert, você não é mais o adolescente anônimo que deixava McGonagall enlouquecida com o resto da turma porque aprontava. Você agora é uma pessoa publica! Você foi preso!
- Desculpa! Estávamos bêbados, não pensamos.
- Esse é o problema, você precisa pensar antes de fazer as coisas!
- Mas eu sempre penso, Jamal disse que eu precisava parar de pensar!
- Jamal é outro desmiolado e você não tem que dar ouvidos a ele!
- Você o contratou como seu assistente. Por que fez isso se acha ele um desmiolado?
- Por que sei que tem potencial, mas não quando está bêbado!
- Parem de gritar vocês dois! – Becky gritou também.
- Olha Gabriel, eu sinto muito, isso não vai mais se repetir. Foi estupidez, eu sei, mas está tudo bem.
- Ele não faz idéia, Biel. Explique com calma, por favor – Becky pediu e Gabriel suspirou, sentando no sofá.
- Ontem quando fui buscar vocês na delegacia, enquanto pagava fiança encontrei um repórter de tablóide. Ele sabia que você estava lá, alguém contou, mas precisava de uma foto para provar. Precisei da colaboração do policial responsável, que por sua sorte é muito fã dos seus livros, para não divulgar nada. E ele nos deixou sair pelos fundos, então ele não nos viu.
- Maninho, se ele tivesse tirado uma foto sua saindo da delegacia, você tem idéia do impacto que isso teria na sua imagem? Você é uma espécie de modelo para crianças.
- Mas eu nunca pedi isso, não quero ser modelo de ninguém!
- Mas você é, então é melhor se acostumar e começar a tomar decisões melhores.
- Não agüento mais isso! Vocês me pressionando, a editora me pressionando, eu não consigo me concentrar! Amber foi embora, Otter morreu e vocês querem que eu sirva de exemplo pra crianças? Meu primo morreu! Ele explodiu! Não tinha nem um corpo inteiro para enterrar! Eu não preciso de ninguém me amolando agora!
- Otter também era nosso primo, nós entendemos, mas isso não é motivo pra jogar fora todo o trabalho que fez até agora!
- Não, vocês não entendem, ninguém entende!

Voltei para o quarto furioso e abri o armário, pegando uma mala e começando a atirar peças de roupa dentro. Os dois entraram logo depois, mas os ignorei e continuei a encher a mala de roupas.

- O que está fazendo?
- Juntando tudo que preciso para passar um tempo fora.
- Quanto tempo? Para onde vai?
- Não sei, parem de fazer perguntas! Só quero desaparecer daqui!
- Pare com isso agora, você não vai a lugar algum! – Gabriel disse autoritário e o encarei.
- Você é meu assessor, não o meu dono. Não pode me dizer o que fazer!
- Posso se isso vai afetar o seu futuro!
- Parem com isso! – Becky disse histérica – Parem de brigar, por favor! Rup, se acalme, você não precisa ir embora.
- Preciso sim, eu não quero mais ficar aqui. Só quero um tempo longe, só isso – olhei para Gabriel cansado – Não vou quebrar o contrato, sei que tenho um compromisso com a editora e vou terminar os livros, quero terminar eles. Só o que estou pedindo é um tempo para esfriar a cabeça. E quero fazer isso longe daqui.
- Quanto tempo quer ficar longe? – ele perguntou mais calmo.
- Um ano – arrisquei, embora achasse que ele fosse vetar de cara.

Gabriel não disse nada, mas vi que ele estava considerando. Ele entendia o que eu estava pedindo. Ele também, quando era mais novo, precisou de um tempo longe de tudo que era familiar. Ele também saiu pelo mundo sem rumo, justamente para encontrar um. Ele fez algumas ligações, conferiu outras coisas no celular e enfim me encarou, já sem o semblante irritado de antes.

- Ok, não vou impedir que viaje, mas vou precisar impor algumas condições.
- Tudo bem, peça o que quiser – não acreditei quando ele topou.
- Só um minuto, preciso de mais uma coisa antes de explicar – e saiu do quarto.
- Vai mesmo embora? – Becky sentou na cama com um olhar triste.
- Não estou indo de vez, só quero ficar um pouco longe. Encontrar meu caminho.
- Então tem algo que preciso lhe contar que ninguém sabe ainda, nem mesmo Connor – ela pegou minha mão e a levou até sua barriga – Você vai ser titio.
- Você está grávida? – perguntei abrindo um sorriso enorme, o primeiro em dias, e a abracei – Ah Becky, que noticia maravilhosa!
- Descobri ontem, mas não consegui encontrar um meio de contar a ninguém, com todos tão deprimidos.
- Mas é por isso mesmo que você precisa contar. Estão todos sem esperança de nada, a notícia de que está esperando um bebê é a injeção de animo que a família precisa.
- Tem razão, vou contar ao Connor hoje e depois aos outros. Papai vai ficar louco.
- Merlin, ele vai ser vovô. Vai se sentir velho.
- Ai maninho, vou sentir saudades – ela me abraçou com os olhos cheios de lagrima – Um ano é muito tempo.
- Passa rápido. E prometo manter contato sempre, quero acompanhar você ficando gigante mesmo de longe – e ela me deu um soco no braço.
- Promete que vai estar aqui para o primeiro natal do bebê?
- Eu volto a tempo, não se preocupe.

Gabriel voltou ao quarto e vinha arrastando um Jamal com a cara toda amassada de quem tinha acabado de ser arrancado da cama. Não consegui impedir a risada vendo ele olhar para a mala aberta na cama e minhas roupas espalhadas, atordoado.

- O que está acontecendo aqui? Está de mudança?
- Rupert vai viajar. Vai passar um ano viajando pelo mundo e você vai com ele.
- O que? – dissemos ao mesmo tempo.
- Jamal está sendo promovido, ele agora é seu assessor particular. Durante esse seu ano fora, vou agendar alguns eventos que você precisa comparecer. Já era hora de organizar uma turnê mundial e o lançamento do Prisioneiro de Azkaban é a desculpa perfeita. Não me importa o roteiro que pretende fazer, desde que esteja nas cidades agendadas na data certa.
- Ok, sem problemas. Vai ser divertido.
- E você precisa encontrar tempo para escrever o quarto livro – assenti e ele olhou para Jamal – E o seu trabalho é manter ele na linha. Fazer com que não perca nenhum dos eventos programados, escreva e fique longe de confusão, entendeu?
- Mas eu estou fazendo faculdade! Papai não vai gostar disso.
- Você vai trancar a faculdade por um ano. Sei pai sabe que está no caminho certo agora, não vai se preocupar porque sabe que quando voltar, vai se formar.
- Eu não posso nem opinar e dizer se quero ir ou não?
- Não, você vai. E vai receber um salário para isso, então é bom fazer o trabalho direito. Se ele se meter em encrenca, você é quem leva a culpa. Quero a imagem dele intacta, e se possível ainda melhor quando voltarem.
- Ah Jam, vai ser divertido! Você e eu soltos pelo mundo. Nº 17 na minha Bucket List.
- Isso eu sei, mas é que acabei de acordar de ressaca e sou informado que estou partindo em uma viagem ao redor do mundo com meu melhor amigo e vou ser pago para isso. Desculpe se ainda estou um pouco confuso – dessa vez todo mundo riu.
- Bom, tudo acertado então. Vocês não vão hoje, é claro, ainda precisam de vistos e vacinas e eu preciso de um tempo para organizar uma agenda, então pare de atirar roupas na mala.
- Quanto tempo?
- Me dê duas semanas, ok? Se programem para partir em quinze dias.

Assenti animado e Gabriel saiu do quarto já com o celular na orelha. Becky me abraçou outra vez e Jamal ainda parecia perdido, mas eu estava mais do que ligado. Em duas semanas partira em uma viagem sem rumo ao redor do mundo e só voltaria um ano depois. Eu não ia conseguir dormir pelos próximos quinze dias.

°°°°°°°°

Jamal e eu viajamos por toda a Ásia, América do Sul, África e Oceania durante esse ano fora, e também alguns países da Europa. Cumpri toda a agenda imposta por Gabriel, terminei de escrever O Cálice de Fogo e comecei um novo livro – esse em parceria com Jamal – contando a nossa aventura pelo mundo. Visitei lugares incríveis que sequer sabia que existiam e conheci pessoas mais incríveis ainda dos quais nunca vou esquecer. Dormi em estações de trem, usei meios de transportes que deixariam apavorado qualquer pessoa com um pouco mais de juízo e perdi as contas de quantas vezes passei mal por comer algo suspeito. Ajudei a construir casas por uma ONG na África do Sul, ensinei inglês para refugiados tibetanos e comecei minha própria instituição de caridade. Em um ano me transformei em outra pessoa.

Foi uma experiência inesquecível. Não foi o Rupert que voltou para Londres em dezembro de 2020, foi alguém completamente novo. E quando desembarquei, Becky estava me esperando no aeroporto com Henry Liam, meu sobrinho de oito meses, no colo. Parti quando a família perdeu um membro e voltei quando ela ganhou um novo. Aquele era um novo começo.

Posted: segunda-feira, 22 de julho de 2013 by Clara Storm Lupin in
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"Às vezes o mais difícil não é esquecer, mas, em vez disso, aprender a recomeçar".

Nicole Sobon.


“Obrigado a todos por estarem aqui. Não vou demorar muito para que possamos começar a festa, mas a quem estou querendo enganar, alguns de vocês já estão bêbados, Brian. Eu sou o homem mais feliz vivo. Não tenho apenas bons amigos, eu tenho ótimos amigos. Becky, Brie, obrigado por me ajudarem com a playlist dessa pequena comemoração, mas tenho que confessar que quando vocês não estavam olhando eu coloquei a Do The Hippogriff de volta na lista. Ethan, Connor, Nick... Vocês sabem que são meus irmãos de coração. Só posso esperar que eu seja ao menos metade do que vocês se tornaram, porque vocês são meus exemplos. Nigel, o irmão de verdade e meu padrinho, não tenho palavras o suficiente para você. Eu confio em você com a minha vida porque sei que aconteça o que acontecer, você sempre vai estar lá para me proteger. Eu te amo, cara. E para a minha bela esposa Emma... você não é apenas parte da minha vida, você é a minha vida. E até o dia em que eu morrer você sempre vai ter a chave do meu coração.”


O discurso de Otter para o casamento, lido por Emma na reunião que fizemos no Scavo’s em homenagem a ele, foi como um soco no estomago. Se já estávamos todos tristes, ouvir aquela última mensagem dele levou todos ao estado de depressão. Houve brindes em seu nome, alguns contaram história engraçadas – a maioria dela envolvendo cerveja e maconha – e até demos risadas, mas o clima era o pior possível. Estávamos todos com uma sensação de derrota e eu não conseguia enxergar uma luz no fim do túnel, uma maneira de superar aquilo.

Voltar à rotina depois do enterro não foi nada fácil. Eu agora estava na Obstetrícia por 21 dias cuidando de grávidas e bebês sendo supervisionada por minha mãe, mas nem a perspectiva de passar 21 dias de pânico sob o comando dela ajudou a me deixar focada. Eu simplesmente havia perdido a vontade de fazer qualquer coisa. E isso estava ficando cada vez mais claro no trabalho que eu vinha fazendo.

Cinco dias depois de voltar ao hospital, uma paciente com pré-eclampsia na 20ª semana foi internada no andar. Fiz o exame inicial, prescrevi a dosagem do remédio no prontuário, entreguei a enfermeira e sai do quarto. Cinco minutos depois minha mãe me abordou com a enfermeira a tiracolo.

- Dra. Lupin, foi você quem prescreveu essa medicação? – perguntou com o prontuário da paciente do quarto 6 na mão.
- Sim, por quê?
- 100mg de Sulfato de Magnésio? Está tentando matar minha paciente?
- O que? – puxei o prontuário da mão dela – Era pra ser 10mg.
- Preste mais atenção ao prescrever qualquer coisa – ela puxou o prontuário de volta e se virou para a enfermeira – E você, da próxima vez que pegá-la ministrando um remédio receitado por um aluno sem que tenha sido aprovado por um atendente antes, está demitida.
- Sim senhora, desculpe – ela disse tremula e saiu apressada.
- Você, minha sala.

Mamãe saiu andando na frente e a segui sem empolgação. Ela fechou a porta quando passei e quando me encarou, achei que fosse me desintegrar.

- Onde estava com a cabeça quando prescreveu uma dosagem daquela, Clara?
- Desculpa, estava distraída. Não ando conseguindo focar em nada.
- Então encontre um jeito de achar o foco. Se eu não entro no quarto a tempo e vejo o tamanho da ampola na mão da enfermeira, ela teria injetado e a Sra. Watson teria morrido na hora!
- Eu vi o Otter explodir na minha frente, mãe! – quase gritei – Como pode me pedir concentração?
- Por que a vida de outras pessoas depende do nosso trabalho! Você escolheu ser médica, então comece a honrar o juramento que fará em três anos quando se formar! Você perdeu um primo e eu perdi um sobrinho. Estou devastada, mas preciso continuar o meu trabalho! – ela falava já com os olhos marejados – Brendan é como um irmão pra mim e eu não consigo sequer imaginar a dor que ele está sentindo, nenhum pai jamais deveria saber o que é perder um filho, e nós trabalhamos para impedir que outros pais passem por isso. Portanto se não está conseguindo se concentrar é melhor repensar se é esse mesmo o caminho que quer seguir.
- Não preciso repensar nada, é isso que eu quero.
- Não é o que está parecendo e não é de hoje que percebo que não leva isso totalmente a sério. Se realmente quer isso, vai ter que se esforçar mais para me provar.
- Não estou brincando, mãe. Eu quero ser médica.
- Então cresça encontre uma maneira de lidar com isso, porque ainda vai se deparar com muitas mortes que vão lhe abalar tanto quanto essa. E se está assim por algo que não teve culpa, não quero nem pensar em como vai ficar quando um paciente inevitavelmente morrer em suas mãos. E está dispensada por hoje, vá para casa antes que mate alguém mais cedo do que o esperado.

Mamãe saiu da sala sem dizer mais nada e continuei parada no mesmo lugar por alguns segundos, sem saber direito o que fazer. Ela achava que eu não estava levando aquilo a sério, quando tudo que mais queria era ser como ela.

Acabei não indo para casa, não teria ninguém lá e não queria ficar sozinha. E sabia que papai estava de férias do Ministério, então fui atrás dele. Naquele momento, só queria um pouco de colo da pessoa que sempre, não importa a situação, me faz sentir bem. Papai nunca decepcionava quando o assunto era me consolar.

- Deixe-me adivinhar – ele disse quando abriu a porta e me viu com cara de choro – Brigou com a sua mãe?
- Ela me mandou pra casa – respondi já o abraçando – Eu fiz besteira.
- O que você fez?
- Prescrevi a dosagem errada para uma paciente que podia tê-la matado. Tenha andado distraída.
- Então sua mãe fez bem em repreendê-la. Você não pode se distrair.
- Eu sei, ela disse que já tem tempo que ando assim, não é só agora depois do que aconteceu.
- E você acha que ela está certa?
- Não sei, acho que sim. Não percebi nada, mas esse é o meu jeito. Pareço não levar as coisas a sério, mas eu não escolhi medicina sem pensar.
- Sei disso, minha querida. E sua mãe sabe também, mas desde que contou a ela que queria seguir seus passos, ela criou expectativas. Talvez até demais, é verdade, mas elas existem.
- Nunca vou conseguir ser como ela, por mais que eu queira. Mamãe é como a Mulher Maravilha. Ela faz tudo ao mesmo tempo e nunca erra.
- Sua mãe também erra, ela não é uma super-heroína e também não espera que seja exatamente como ela.
- Então o que ela quer?
- Que você seja alguém que um dia as pessoas respeitarão, da mesma forma que ela é respeitada. Ela quer que você seja bem sucedida.
- Ela me acha uma piada, papai. Mamãe nunca vai me levar a sério.
- Então mostre a ela que você cresceu. Pegue seu tio Brendan como exemplo.
- Por quê?
- Brendan era uma criança problemática e um adolescente ainda pior. Ele sempre diz que o que o consertou foi o colégio militar, que sem ele nada teria dado certo.
- Todo mundo respeita o tio Brendan, mesmo ele sendo um palhaço.
- Exatamente. Ele se esforçou, encontrou seu caminho e provou para todo mundo que não era uma causa perdida.
- Eu sou uma causa perdida?
- Não, meu amor, você não é uma causa perdida – papai riu e beijou minha testa – Mas você ainda precisa encontrar o seu caminho.

Passei o resto do dia com papai. Saímos para almoçar em um restaurante no bairro e depois afundamos no sofá com um pote de sorvete para assistir filmes a tarde inteira. Quando fui embora, já quase anoitecendo, estava com a cabeça feita. Era uma mudança muito brusca, mas sabia que podia dar conta. Hiro foi a única pessoa com quem conversei antes de realmente tomar uma atitude. De inicio ele não ficou muito empolgado, tentou me convencer a desistir, mas estava tão determinada e certa de que aquele era o caminho que ele acabou me apoiando.

No fim de semana seguinte ele me acompanhou até a base da Marinha Real Britânica, onde me alistei. Eles agora assumiriam os custos dos meus estudos em Oxford e quando me formasse, eu assumiria a patente de Segundo Tenente e o cargo de médica da Marinha Real Britânica, estando totalmente à disposição deles para o caso de uma possível convocação para a guerra.

E eles me convocaram. Foi no final de 2025, depois que já havia terminado minha residência em cirurgia pediátrica. Fui enviada para passar um ano trabalhando no hospital militar da base de Kandahar, no Afeganistão.

Foi um ano difícil, mas essencial para determinar o rumo que minha vida levaria quando voltasse para casa. Muita coisa mudou, ela deu uma guinada de 360º, mas isso é longa história que contou outra hora.


N.A.: Discurso retirado do episódio 3.10 de Rookie Blue, com algumas alterações. 

...

Posted: terça-feira, 2 de julho de 2013 by Clara Storm Lupin in
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Outubro de 2019

O barulho do bipe alto e insistente me acordou e derrubei tudo que tinha na mesa de cabeceira na tentativa de pegá-lo. Minha cabeça doía horrores e o movimento brusco que fiz para me sentar e ver o que tinha no visor dele fez todo o quarto girar. Maldita despedida de solteiro de Emma, havia perdido a hora e estava atrasada para o plantão. Dra. Torres ia me matar.

Não tive tempo de tomar banho, vesti a primeira roupa que encontrei no armário, peguei meu jaleco pendurado na cadeira e aparatei em um beco próximo ao John Radcliffe, não teria tempo de usar o metro hoje. Olhei no relógio enquanto corria desesperada para o hospital e vi que já estava mais de uma hora atrasada. Ela realmente ia me matar, mas não seria a única. Assim que pus os pés no saguão, esbarrei em minha mãe. Droga! O que ela estava fazendo na emergência?

- Você está chegando agora ao hospital?
- Eu perdi a hora, ontem foi a despedida de solteiro da Emma e-
- Artemis também estava na festa e está aqui desde as 7h – ela me cortou – Ela trabalha o dobro de você, tendo também o estágio no Ministério e os deveres com o Clã e nunca se atrasa. E eu, que passei pela faculdade grávida do seu irmão e depois tendo um bebê em casa, nunca cheguei atrasada a um plantão.
- Desculpa mãe, isso não vai mais se repetir.
- É melhor que não.

Ela saiu andando pelo corredor sem falar mais nada e fiquei parada sem saber se socava uma parede ou procurava a Dra. Torres. Optei por procurar minha Atendente, visto que já estava encrencada o bastante. Encontrei JJ e Arte parados do lado de fora na saída da emergência e só então lembrei que hoje deveria ser o dia que começava minha rotação com os paramédicos.

- Clara, o que houve? – Arte perguntou preocupada quando me aproximei.
- Não ouvi o relógio despertar, o que eu perdi?
- Torres está furiosa, Justin teve que ir em seu lugar com os paramédicos porque eles não podiam esperar você chegar.
- Droga! E agora? Vou ficar mais 21 dias na emergência?
- Fique feliz se sobreviver a Dra. Torres hoje – JJ falou – Você está com uma cara péssima.
- Obrigada. Nunca mais bebo margaritas.
- LUPIN, o plantão começou às 7h! Onde diabos você estava? – Dra. Torres gritou do meio do corredor e me lançou um olhar tão furioso que se fosse feito de laser eu estaria morta. – Não responda, não me interessa. Fará plantão dobrado hoje.
- Dra. Torres, eu perdi o começo da rotação com os paramédicos, o que devo fazer? Começo amanha?
- Não, Silverhorn fará a rotação esse mês. Amanhã você começa na Obstetrícia.
- O que? Mas eu nem me inscrevi pra ela ainda!
- Sua mãe acabou de solicitar seu traseiro sob o comando dela a partir de amanhã e eu gosto muito da Dra. Storm, não podia negar um pedido desses – ela me olhou com um sorriso sarcástico no rosto, quase maldoso, antes de continuar – E se você acha que eu sou ruim, espere até amanhã .
- E quanto a nós, Dra. Torres? – JJ perguntou receoso.
- Hoje vocês estão comigo, amanhã você começa a rotação na Pediatria e Chronos começa na Psiquiatria.

Ia reclamar, queria protestar por ser jogada para uma rotação que ainda não queria mesmo que isso levasse a outro esporro, mas o barulho de uma ambulância entrando no pátio me interrompeu. O que foi bom, porque Arte já estava me olhando com cara de pavor, implorando sem usar palavras para que eu calasse a boca. As portas da ambulância abriram e Justin saltou de dentro dela puxando uma maca. Nela tinha um homem desacordado e a outra paramédica vinha ao lado, seu braço quase pela metade dentro da barriga do homem. Nós três arregalamos os olhos e o grito da Dra. Torres nos chamando nos trouxe de volta a realidade.

- Cohen, quero todo o histórico médico desse homem na minha mão em um minuto! – gritou com JJ e ele assentiu, saindo correndo até a mulher que berrava enlouquecida no fundo da ambulância – Chronos, reserve uma sala no centro cirúrgico imediatamente! – e Arte correu em disparada hospital adentro.
- O que eu faço, Dra. Torres? – perguntei atordoada, o braço daquela mulher dentro do homem estava tirando minha concentração.
- Você me acompanha – respondeu ríspida e olhou para Justin – Silverhorn, por que essa paramédica está com a mão dentro do meu paciente?
- Eu a aconselhei a não fazer isso, Dra. Torres – Justin se defendeu.
- Ficha?
- James Carlson, 46 anos, o encontramos inconsciente e sangrando. Os mecanismos do ferimento são desconhecidos, mas ele tem um ferimento de sucção grande no peito e uma esposa com pulmões muito saudáveis.
- Sinais vitais?
- Taquicardia nos 140s. Pressão sanguínea estável nos 90s.
- Minha mão foi a única coisa que parou o sangramento – a paramédica se defendeu – Posso tirar agora?
- Você está com seu dedo em um grande sangramento e o Sr. Carlson está ficando sem tempo. A única coisa que pode fazer agora é uma viagem para a sala de cirurgia. Dra. Lupin, prepare-se para transportá-lo até o Centro Cirúrgico.
- O que você quer que eu faça, Dra. Torres? Já que não vamos voltar à ronda agora.
- Ajude Cohen a fazer aquela mulher parar de gritar e nos dizer o que diabo aconteceu!

Justin assentiu e correu para longe do caminho para onde JJ estava tentando, em vão, se comunicar com a esposa do Sr. Carlson. Os gritos dela podiam ser ouvidos em toda a emergência e fiquei feliz por entrar no elevador.

Arte já havia reservado a sala no Centro Cirúrgico e nos esperava com a equipe para começar a operação quando chegamos. Nos lavamos na sala de preparação e já estávamos prontas para começar quando a porta da sala se abriu com violência e um Justin pálido entrou, chamando a Dra. Torres. Eles conversaram em voz baixa por alguns segundos e logo o semblante no rosto da Dra. Torres mudou. Ela se virou para a equipe e se dirigiu à paramédica com a mão dentro do homem com uma calma que eu ainda não havia testemunhado.

- Você, como se chama?
- Susan. Por quê?
- Susan, o ferimento em James Carlson entrou-e-saiu?
- Não, só foi de entrada. Sem saída. Por quê?
- Susan, quero que me diga o que você sente dentro do Sr. Carlson. O que a sua mão está tocando?
-O que você quer dizer?
- A sua mão está tocando alguma coisa dura? Como metal.
- Eu... Não sei – ela ameaçou mexer a mão e vi a Dra. Torres perder a cor.
- Não mexa a sua mão. Só me diga o que você sente.
- Dra. Torres, o que está acontecendo? – perguntei já pressentindo que algo muito ruim.
- Susan? – ela me ignorou.
- A ponta do meu dedo está tocando alguma coisa meio dura.
- Oh, meu Deus – Arte exclamou e tapou a boca com as mãos.
-O que? O que está errado? – Susan começou a entrar em pânico.
- Susan, eu quero que você fique imóvel.  Não mexa nem a mão, nem o seu corpo, nem um centímetro.
- Você deveria saber que está começando a me assustar.
- Não fique assustada .Tudo vai ficar bem.
- Dra. Chronos, você poderia vir até aqui? – ela chamou Arte na porta da sala – Eu quero que você saia dessa sala - ande, não corra – e vá dizer a enfermeira encarregada que nós temos um Code Black. Diga a ele que eu tenho certeza, e também para chamar o esquadrão anti-bombas.

Artemis assentiu e saiu depressa da sala, mas por mais que eles tenham falado baixo, todos havíamos ouvido a parte do esquadrão anti-bombas. Houve um pânico inicial na sala, mas a Dra. Torres manteve a calma e pediu que todos se retirassem, lentamente, ficando apenas ela e Susan, que estava assustada, mas mantinha a mão imóvel. Só que eu fiquei. Não sei explicar o motivo, mas não conseguia me mover. A garota era só um pouco mais velha que eu e estava aterrorizada, sentia que precisava ficar ao lado dela.

E meu instinto se provou certo. Pouco antes do esquadrão anti-bombas chegar Susan entrou em pânico. Começou a dizer que ia tirar a mão, que era jovem demais para morrer, e Justin, JJ e Arte entraram correndo na sala para me ajudar a acalmá-la. Ela ficava cada vez mais descontrolada e chorava copiosamente, e então tudo aconteceu rápido demais. Até hoje digo que foi meu instinto de lobo que nos salvou. Susan puxou a mão de dentro do corpo do Sr. Carlson, correndo sala afora, e todos se atiraram no chão, mas nada aconteceu. Quando olhei para baixo, estava com a mão dentro dele, segurando a bomba.

O pânico era visível no rosto de todos eles, mas não havia nada que pudéssemos fazer. O esquadrão anti-bombas finalmente chegou e Otter era o líder da equipe. Era bom ter alguém em quem confiava no comando daquela situação. Ele colocou todos para fora, deixando apenas a Dra. Torres e eu na sala. Ela, para ventilar o Sr. Carlson que precisou ser desligado da máquina por causa do fluxo de oxigênio, e eu por motivos óbvios. Depois trouxe o aparelho móvel de Raio-X para que pudéssemos saber com o que estávamos lidando. Mamãe apareceu no corredor em pânico, mas ele a acalmou e ela não teve alternativa senão se afastar. Ótimo. Se eu explodisse, minha ultima conversa com ela teria sido uma briga.

- Então... Eu estou tocando agora em uma munição que não explodiu? – perguntei depois que ele explicou brevemente a situação.
- Eu receio que sim.
- Não é o melhor sentimento do mundo.
- Eu acho que não. O dispositivo é feito a mão, o que significa que é instável e muito difícil de confiar. Pode ser uma bomba falhada, mas não temos como saber.
- Quem constrói uma bazuca e atira no outro? – perguntei tentando descontrair
- As pessoas não param de nos surpreender com a sua estupidez. Como isso que você fez. Você tem noção o quão estúpido foi isso?
- Incrivelmente estúpido – Dra. Torres completou.
- Certo, já entendi – disse impaciente – Então você tem um plano, certo? Você realmente vai me tirar dessa, não é?
- Sim, prima, não se preocupe. Eu sou o cara.

Otter abriu um sorriso, aquele sorriso carismático que não combinava nem um pouco com o cargo que ele ocupava como líder do esquadrão anti-bombas e que conquistava qualquer um, e calmamente me explicou qual era o tipo de bomba que eu estava segurando e todo o procedimento para que ela fosse retirada com segurança. Depois explicou para a Dra. Torres que ela poderia operá-lo assim que a bomba estivesse em suas mãos.

- Certo. Vamos revisar de novo.
- O dispositivo tem o formato de um foguete. Tem aproximadamente 20 cm de comprimento – repeti o que ele havia dito.
- E a minha equipe estará a postos. Então eu vou segura o dispositivo com firmeza e puxe-o para fora lentamente.
- Mantendo-o no mesmo nível – completei e ele assentiu.

Otter saiu da sala alguns minutos e podia ver que estava falando no rádio com o resto de sua equipe. Só ele estava próximo da sala, os outros membros estavam no afastados no final do corredor. Vi ele assentindo algumas vezes e então voltou.

- Nós estamos prontos.
- Clara? – Dra. Torres me chamou – Eu vou abrir o ferimento. Quando eu cortar, o sangramento vai fica intenso. Se nós vamos salvar o Sr. Carlson, Você tem que tirar a munição imediatamente.
- Mas lembre-se, remova-o mantendo-o no mesmo nível possível – Otter lembrou e assenti – Com calma e devagar, sem movimentos rápidos.
- Certo, no nível.
- Você está pronta?
- Eu tenho alguma escolha?
- Você tem que estar pronta.
- Eu acho que estou pronta.
- Certo, vamos lá. Coloque a sua mão ao redor do nariz do cone.
- Hiro, ele acha que nunca vou me casar com ele – disse de repente.
- Clara?
- Não é verdade, eu adoraria me casar com ele, mas não agora nem tão cedo. Não estou pronta. Pode dizer isso a ele?
- Clara, você vai ficar bem, pode dizer você mesma.
- Não, você tem que me garantir que vai dizer isso a ele! – minha voz estava saindo do controle, eu estava em pânico.
- Ok, tudo bem, eu digo a ele.
- Eu-eu não posso. Não. Eu não posso. Isso é loucura. Dra. Torres, você precisa ir embora. Vocês dois devem ir. Você vai se casar essa semana.
- Ninguém vai morrer hoje, Lupin.
- Clara, eu quero que você olhe pra mim. Eu sei que é ruim. Isso é um saco, mas você não vai morrer. Mas você precisa me ouvir.
- Estou com medo
- Eu sei. Mas você pode fazer isso. Vai acabar em um segundo.
- Tudo bem.
- Certo. Então vamos lá. Devagar – Otter se aproximou mais e comecei a mover a mão lentamente – Isso, muito bem, só mais um pouco.

Puxei a mão toda para fora e fazendo um esforço enorme para não tremer, entreguei a bomba na mão dele. “Você se saiu bem” foi a última coisa que ele disse antes de sair da sala, ainda com aquele sorriso contagiante no rosto me encorajando. Assim que ele saiu a Dra. Torres começou a operar o Sr. Carlson e meu corpo inteiro começou a tremer, nem que ela tivesse solicitado minha ajuda eu seria capaz de fazer alguma coisa. Graças a Merlin nos minutos finais Otter tinha autorizado a entrada da chefe das enfermeiras e do anestesista.

Ainda tremendo, caminhei até a porta da sala para ver meu primo caminhando com a bomba pelo corredor, mas assim que pus os pés do lado de fora e vi Otter de costas, uma explosão ensurdecedora fez todo o andar tremer e me lançou para trás. Minha cabeça bateu no chão com a força do impacto e apaguei.


N.A.: Trechos de diálogos retirados de Grey’s Anatomy, “It’s the end of the world” e “As we know it”.

Posted: quinta-feira, 27 de junho de 2013 by Julian Thomas Montpellier in
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Epílogo

Londres, março de 2027

Tive que passar por uma revisão médica da Marinha e acabei indo mais tarde para o trabalho. Fui levar meu atestado para Elena, e quando bati na porta da sala dela, ninguém respondeu, até iria embora, quando ouvi um espirro. Abri a porta e me abaixei rápido, antes que um objeto macio me acertasse e isso fez com que ouvisse uma risada infantil:
- Ah não era a mamãe, você não vai ficar brabo com Horacio não é?- disse uma menina de uns 5 anos, que reconheci como sendo a filha de Lena, Sophie.
- Eu zangado com este macaco voador? Não, estou é curioso em saber como consegue voar sem asas? – ela riu e naquela hora sabia que estava perdido.
- Você é novo aqui? Não te conheço...
- Sou Julian McGregor, trabalho com sua mãe.
- Ah você é o filho do tio Ty??Você se parece com ele, só é mais bonito, e ele me cobre de presentes, adoro ele. Sabia que Selene é uma das minhas melhores amigas de todo o mundo? Mas você é tão mais velho que ela...Quer brincar um pouco?? Mamãe teve que ir se trocar porque eu passei mal e sem querer vomitei meu suco nela...O café da manhã não caiu bem e estou esperando Dana, minha babá, vamos ficar de moleza em casa hoje.Como vou chamar você?Julian ou tio?
-Uau! Como você fala...E pode me chamar de Julian. E se você esta ruim do estômago devia ficar deitada não é?
- Já descansei, quero brincar um pouco, joga comigo?- comecei a negar com a cabeça mas ela me deu um olhar tão desamparado, que automaticamente assenti concordando e começamos a jogar Uno e ela era muito esperta. Lena voltou uns minutos depois e nos encontrou jogando:
- Sophie, Dana chegou. - E a garotinha jogou as cartas para o alto,  correndo para abraçar sua mãe e falava rápido:
- Mãe, olha só meu novo amigo, Julian. Ele é tããão legal, sabe jogar, montar a cavalo e gosta de contar piadas e adora os livros do tio Rup, você devia sair com ele, e ele é mais bonito que o tio John. E na próxima festa no rancho serei a convidada especial dele. - Lena ficou pálida e disse:
- Soph, fico feliz que você tenha feito um novo amigo, mas agora você precisa ir e de noite conversamos mais ok?- ela assentiu e antes de ir correu de volta e me deu um abraço apertado:
- Gostei de conhecer você e se um dia você quiser me visitar em casa você pode ir ok? Minha mãe deixa Dana servir pipoca aos meus amigos quando vemos filmes. Você vai?
- Sim, eu vou.- respondi rindo e ela:
- Promete?- assenti e ela correu para a mãe que me olhou séria e disse antes que eu abrisse a boca:
- McGregor, a equipe já esta se reunindo, hoje está tranquilo e vamos fazer patrulha.- assenti e até pensei que Lena fosse falar alguma sobre a sua filha mas o resto do dia foi como todos os outros, parecíamos dois estranhos.


Final de Abril 2027

Voltar para Londres e trabalhar com Elena não havia sido uma decisão fácil. Quando ela me viu com o uniforme da equipe perto do chefe dela, sua primeira reação foi de espanto, mas depois pude ver o ressentimento em seus olhos e embora eu duvidasse, pensei que o tempo e nossa convivência pudesse resolver e voltarmos a ser amigos, mas me enganei. Éramos profissionais, mas não havia o antigo companheirismo de antes. E sem querer isso estava afetando a equipe, pois eles ficavam em alerta a cada vez que nossas reuniões começavam, esperando pra ver quem venceria a discussão, pois embora Elena fosse a líder do time,como snyper eu seria o líder tático, encarregado de preparar a equipe para uma entrada forçada e em alguns casos interferir na negociação. De forma resumida: Elena conversava e tentava manter a paz e se eu percebesse algum risco ao refém ou à equipe, não precisava esperar a ordem dela para atirar. Naquela sexta feira, ao meio dia tivemos um chamado em que um atirador de origem búlgara, após matar a ex esposa, estava com uma refém em uma praça da cidade, e Lena estava a uma certa distância negociando com o suspeito, eu dava cobertura de cima do telhado, e ouvia a negociação pelo meu fone de ouvido, quando o homem se enfureceu com ela por pedir novamente que soltasse a refém, ele apontou a arma disposto a atirar, e foi ouvido um disparo, mas quem caiu morto foi o homem com um tiro na testa. Eu atirei! Vi quando Elena tirou o fone do ouvido e o jogou no chão.
Como é padrão em caso de disparo de nossas armas, fiquei incomunicável, enquanto uma equipe da Corregedoria da Scotland Yard tomava meu depoimento, recolhia minhas roupas e minha arma para verificação. E isso demorou horas, e quando fui dispensado tarde da noite, fui direto para o hotel aonde eu estava morando desde o meu retorno.
Mal entrei no quarto, ouvi uma batida na porta e quando abri Lena entrou muito irritada.
- Você não devia ter atirado...Eu não havia autorizado.
- Isso não é você quem decide, sou eu  e atiro em qualquer suspeito que apontar uma arma para você ou de qualquer membro da equipe.Por melhor que você tenha sido, você nunca o alcançou, ele só não te acertou porque eliminei a ameaça antes.
- Suspeito, ameaça, você sequer sabia o nome dele....Você não se conecta com os suspeitos e isso é importante neste trabalho, por mais que você não aceite sou eu que mando nesta unidade.
- Não tenho problema algum com a sua autoridade. E ele era Josip Tesla, 54 anos, bulgaro, desempregado, residente neste país há cinco anos, divórcio  homologado pela corte, devido a violência doméstica.E ele já não tinha mais nada a perder, só queria levar mais gente com ele.Quer saber? Vou facilitar as coisas sargento, vou pedir transferência pois é você quem não gosta de trabalhar comigo, tem medo de não ter o controle.
- Que merda, Julian, você não sabe conversar? Quando as coisas ficam dificeis você corre? Porque isso não me surpreende, foi assim quando nos separamos, bem aqui neste quarto...- e foi como se eu levasse um soco:
- Foi você quem foi embora...- respondi sério e ela rebateu:
- E foi você quem não me impediu.
- O que eu podia fazer? Você queria ficar com o Slater, escolheu a ele, não podia te obrigar a ficar, afinal nosso acordo era de sexo sem compromisso, e foi sua idéia diga-se de passagem.
- Se houvesse amor entre nós, não teria sido assim.
- Amor? Eu te amei tanto que aceitei suas condições e as suas decisões, mas toda vez que eu começava a falar em algo mais sério, você pulava fora. Não era eu que tinha problemas com situações difíceis.
- Você não podia assistir a um casamento que ficava possessivo, sonhava acordado. E nós tinhamos as nossas carreiras para cuidar. Seria absurdo casarmos.
- Absurdo se fosse comigo não é? Mas o que você fez quando saiu da Academia? Casou-se com o Jeff, sem ouvir ninguém.Fale a verdade, o problema era eu.
- Você foi para a guerra...
- Fui convocado,e você sabia que eu iria para lá em algum momento, sou fuzileiro.
- Sim, você é um fuzileiro até seu último suspiro, então de qualquer forma você não estaria comigo. Nunca esteve, nem mesmo quando Jeff morreu.
- Não podia sair de onde eu estava para vir enterrar seu marido, sempre nos detestamos.
- Por isso mesmo você devia ter voltado, não por ele, mas por mim, eu estava livre dele.
- Mas eu não podia vir...
- Claro que você não podia, tinha que ficar com os seus soldados, ensina-los a matar mais rápido, eu não importava...- disse gritando e eu não me segurei:
- Não pude vir porque tive que recolher os pedaços do Cassillas para mandar num saco preto para a familia dele.Ele foi burro o bastante para pisar numa mina para me salvar. - gritei de volta e ela arregalou os olhos:
- Oh Julian...Eu não sabia...Acho que ninguém soube.- ficamos nos encarando por alguns segundos e ela disse dando um passo na minha direção:
- Não posso me envolver com você, por isso tenho mantido distância. Sou sua chefe e muito tempo se passou...
- Quero me envolver com você, e não vou acusa-la de assédio.E ver você depois deste tempo todo só me fez ter certeza de que quero uma chance. – disse dando outro passo e ficando bem perto dela.- e continuei:
- Falei sério quando disse que pediria transferência, posso me adaptar em qualquer lugar.Não vou prejudicar a sua carreira.-e  ela frisou:
- As nossas carreiras seriam prejudicadas...Mas eu não posso me jogar num relacionamento, tenho que pensar em minha filha, sempre vai ser assim, é bom que saiba que ela virá primeiro sempre.
- Gosto da sua filha e ela também gosta de mim, afinal sou muito mais bonito que o tio John. Sério que você saiu com o Weasley?-  provoquei e ela cutucou meu peito e segurei sua mão e ela não puxou de volta:
- John é um amigo, tomamos uns drinks, apenas isso... As pessoas não podem saber sobre nós...
- Isso nos afastou uma vez, Lena.- disse franzindo a testa e me afastando e ela respondeu me puxando pela camisa:
- No trabalho não podem saber, ou seremos suspensos e a equipe dividida, mas nossos amigos e a família sim, pensaremos numa solução ok?Prometo. - olhei para ela e quis saber:
- Pode ficar esta noite?
- Achei que não fosse pedir.- nos beijamos enquanto eu a erguia nos braços como nos velhos tempos e a levava para a cama.

Alguns meses depois, Elena e Sophie viajaram  de férias para Washington para visitar nossa amiga Amber e foi ela que sem querer deu a solução para o nosso problema.

Cause I don't wanna lose you now
I'm lookin' right at the other half of me
The vacancy that sat in my heart
Is a space that now you hold
Show me how to fight for now
And I'll tell you, baby, it was easy
Comin' back into you once I figured it out
You were right here all along
It's like you're my mirror
My mirror staring back at me
I couldn't get any bigger
With anyone else beside me
And now it's clear as this promise
That we're making
Two reflections into one
Cause it's like you're my mirror
My mirror staring back at me
Staring back at me

You are, you are the love of my life



 Nota da autora: trecho de Mirrors de Justin Timberlake