Comments
- Ei O’Shea, a quanto chegou o carro hoje? – um dos
detetives perguntou quando voltei para a delegacia.
- 130km/h! – respondi com um sorriso satisfeito – Cara, eu
adoro perseguições.
- Seu maldito sortudo! – ele bateu nas minhas costas e o
capitão saiu da sala.
- Bom trabalho, O’Shea.
- Obrigado chefe, mas ainda não acabou. Ele ainda precisa
ser fichado na central e encaminhado pra prisão pra aguardar julgamento.
- E o que está esperando para fazer isso?
- Só vim buscar os papéis.
- Ótimo, deixe tudo na minha mesa quando terminar.
Assenti pegando a pasta que precisava e voltei para a
central de fichamento, onde sempre ficava um novato responsável por fichar os
presos que trazíamos, mas desse cuidei eu mesmo. Foi uma manhã longa
preenchendo toda aquela papelada, mas quando o preso tinha que ir para Azkaban
sempre dava mais trabalho. E eu fazia questão que ele ficasse confinado lá, sob
a vigília dos Chronos, porque só assim eu tinha a certeza de que ele não
conseguiria fugir.
Nigel já havia mandado as balas que o médico legista retirou
dos corpos junto da arma que arranquei da mão de Jason para o teste de
balística e o resultado chegou no inicio da tarde. Aquela havia mesmo sido a
arma usada nos dois assassinatos. Jason nunca mais iria sair de Azkaban.
Dois guardas do Clã Chronos que ficavam em Azkaban vieram
buscá-lo por volta das 16h e a partir do momento em que entreguei Jason a eles,
ele não era mais minha responsabilidade. Seu destino agora estava nas mãos da
Suprema Corte Bruxa e do advogado que ele contratasse para tentar livrá-lo
dessa, embora eu duvidasse que conseguisse. Brianna estava saindo do elevador
quando os guardas entraram com Jason e ela lançou um olhar para ele que era uma
mistura de desaprovação e pena antes de virar o rosto e sair do caminho.
- Ele vai pra Azkaban? – ela perguntou reconhecendo o
uniforme dos guardas.
- Sim, ele é bruxo e vai ser julgados pelas nossas leis,
então vai ficar em uma prisão bruxa.
- E uma que não tem como escapar – ela completou com um
suspiro cansado – Ótimo, não quero que essas crianças tenham qualquer contato
com ele outra vez.
- Onde elas estão? Não tive tempo de falar com eles ainda.
- Na sala de descanso, preciso resolver só mais uma coisa
antes de levá-las. Pode dizer isso a elas, por favor? Não vou demorar.
Ela saiu apressada na direção das escadas e caminhei até a
sala de descanso. Capitão Cragen estava agachado conversando com as crianças
quando entrei e a cena me surpreendeu. Sei que ele tem filhos, acho que já tem
até um neto, e com certeza sabe lidar com crianças, mas é sempre estranho ver a
figura que representa autoridade e é sempre tão séria mostrando outro lado. Ele
levantou quando entrei e Molly veio correndo na minha direção, agarrando minha
perna.
- Oi baixinha – puxei-a para o meu colo e ela deitou a
cabeça em meu ombro, tímida, mas com um sorriso enorme no rosto – Ei Austin,
você cresceu bastante desde a última vez que nos vimos.
- Ele já tem seis anos – Molly levantou a cabeça já
abandonando a timidez – E eu já fiz quatro!
- Você também está grande, mas continua baixinha – brinquei
e ela riu, se contorcendo quando fiz cócegas em sua barriga e deslizando até o
chão.
- Ela ainda é um bebê – Austin provocou.
- Não sou um bebê! – ela respondeu de volta, braba.
- Você vai ser sempre meu bebê – ele agora não tinha um tom
de voz provocativo e ela não revidou – O que vai acontecer com a gente?
- Brianna já está vindo buscá-los, ela não vai demorar. Vai
levar vocês a um lugar seguro.
- Não vamos mais morar com o Sr. e a Sra. Fisher? – Molly
perguntou confusa, olhando para Austin em busca da confirmação do irmão – Mas
eu gosto deles.
- Eles não podem mais cuidar da gente, eles foram pro céu –
Austin respondeu e ela o abraçou, ameaçando chorar.
- Mas Sarah prometeu que ia cuidar da gente pra sempre.
- Os adultos não cumprem promessas, mas eu nunca vou
abandonar você, Molly – ele a segurou firme, outra vez tão sério que não
parecia ter só seis anos – Não importa o que acontecer, vai ser sempre você e
eu.
- Você promete que não vai ficar longe de mim?
- Nunca. Você é minha irmãzinha e o meu dever é cuidar de
você.
- Ei, não é assim também – agachei para ficar na altura
deles e Austin me olhava sério – Adultos cumprem promessas sim, mas às vezes
demoram mais do que pretendiam. E eu sei que eu fiz uma promessa a você que
ainda não cumpri, mas não esqueci.
- Não me importo – ele deu de ombros tentando soar
indiferente, mas estava estampado em seu rosto o quanto ele precisava que algo
fosse cumprido.
- Mas eu me importo, porque eu sempre cumpro as minhas
promessas – puxei o celular do bolso e encontrei o numero de Rupert na discagem
rápida. Ele atendeu no primeiro toque – Ei primo, está ocupado? Não, não é
sobre isso, mas você pode passar aqui na delegacia? Lembra daquele menino que
falei que ia apresentar a você? Ele está aqui e não acha que vou cumprir o
prometido. É, ele mesmo. Espero você aqui.
- Pra quem você ligou? – Austin perguntou assustado, sem
acreditar que eu fosse mesmo cumprir a promessa.
- Rupert Storm, ele está a caminho. O Harry vai ficar pra
depois, ok? Ele não está em Londres.
Ele ainda estava no centro de Londres quando liguei e chegou
dez minutos depois. Era difícil descrever a expressão no rosto dele, mas acho
que um pouco do trauma de hoje foi esquecido, ao menos naquele momento. Deixei
Rupert - que depois de dois livros já estava mais do que acostumado a lidar com
crianças - conversando com eles e fui procurar Brianna. Ela estava saindo do
elevador outra vez quando a encontrei.
- Está tudo pronto, vou levar as crianças para o meu abrigo.
Consegui uma autorização para eles morarem conosco até encontrarem uma nova
família.
- Eu quero adotar eles – disse de repente e ela se assustou –
O que preciso fazer? Acha que consigo a guarda deles? Sei que nenhum juiz vai
autorizar isso se continuar tendo dois empregos, mas eu saio da banda e fico só
com o cargo de detetive.
- Wow, calma! É muita informação em poucos segundos! Que
história é essa de sair da banda? Ficou maluco? Não pode tomar uma decisão
dessas de repente!
- Não é uma decisão de impulso, já venho pensando nisso tem
tempo, acho que só precisava de um incentivo maior. E é isso, esse era o
empurrão que eu precisava para criar coragem de fazer isso.
- Nick, você está falando sério? Quer mesmo sair da banda e
adotar essas crianças?
- Sim, quero. Eles precisam de mim e eu preciso deles. Meu
pai deixou os Duendeiros para cuidar de mim e agora é a minha vez de fazer o
mesmo.
- Você não sabe o quanto eu estou orgulhosa de ser sua
amiga! – Brie me abraçou – Pode contar comigo no que precisar, vou fazer tudo
que estiver ao meu alcance para ajudar.
- Então acha mesmo que consigo?
- Não vai ser fácil. Você é solteiro e ainda é homem, não é
exatamente a combinação que eles procuram, mas o fato de você querer adotar os
dois juntos e eles já conhecerem e confiarem em você conta muito. É difícil,
mas também não é impossível.
- Certo. Então acho que a primeira providencia que preciso tomar
é avisar ao resto da banda sobre os meus planos.
- Definitivamente.
Conte a eles hoje e amanhã começamos a trabalhar nisso.
- Você é a melhor! – dei um beijo na bochecha dela e sai
correndo atrás de Nigel. Precisava de uma reunião de emergência ainda naquela
noite.
°°°°°°°°°°
Becky já estava em sua terceira caneca de café – havia saído
de um turno de 24h no quartel – quando Otter finalmente chegou. Já estávamos no
meu apartamento apenas esperando por ele e todos curiosos com o motivo da reunião
repentina.
- Desculpem o atraso, estava repassando as perguntas do caso
da bomba no hospital com o comandante. O que eu perdi?
- Só a Becky acabando com o estoque de café do Nick – Nigel respondeu
rindo.
- Eu estou sem dormir a 24 horas, me deixem em paz.
- Ok Nick, estamos todos aqui, qual é o assunto urgente que não
podia esperar até o fim de semana?
- Bom, não há um meio de fazer isso ser mais fácil, então vou
direto ao ponto – sentei no sofá na frente deles e os quatro me olhavam
intrigados – Ano que vem entrarmos no nosso ano de pausa dos Orcs que
combinamos, mas quando a banda voltar em 2020, eu não volto com vocês. Estou saindo.
A sala ficou em silêncio. Ninguém falava nada, apenas trocavam
olhares que eu não conseguia decifrar. Por mim Nigel começou a rir e Otter
soltou um palavrão, puxando a carteira do bolso e entregando uma nota de 100
euros para o irmão.
- Vocês apostaram que ele ia sair? – Connor perguntou
surpreso, mas Becky estava rindo também.
- Como vocês sabiam? – perguntei não achando muita graça também.
- Nick, nos conhecemos desde que tínhamos o que? Seis anos?
Acho que já sei perceber quando algo está errado e você tem andando distante já
faz algum tempo. De todos nós, eu sou quem o conhece melhor porque trabalho com
você o dia inteiro.
- Não acreditei muito quando ele me disse que achava que você
ia sair da banda eventualmente, então apostei que estava errado.
- Podemos saber o motivo? – Connor perguntou.
- Porque eu estou cansado. Vocês entendem melhor do que ninguém
o que é fazer shows, dedicar tanto tempo aos ensaios, e ao mesmo tempo ter
turnos de 48 horas no quartel ou na delegacia e não ter tempo para mais nada. Vocês
ainda conseguem isso, mas eu não. Pensei por muito tempo sobre isso, mas não sabia
de qual precisava abrir mão, até hoje.
- Está falando do caso das crianças North? – Nigel perguntou
confuso e assenti – O que isso tem a ver com você escolher entre a banda e a
delegacia?
- Por que eu vou adotar eles e trabalhando só na delegacia
consigo tempo para cuidar deles.
Dessa vez não houve silencio porque Nigel engasgou com a
cerveja que bebia e Otter começou a bater em suas costas para ajudar. Connor
parecia em estado de choque, mas Becky abriu um sorriso enorme.
- Cara, você precisa aprender a amenizar suas noticias –
Connor comentou voltando a respirar.
- Nick, você está falando sério? – Becky perguntou me
encarando ainda sorrindo.
- Sim, estou. Sei que não vai ser fácil, mas também sei que
posso fazer isso.
- Uau, acho que vou entrar em depressão – Otter se largou no
sofá – Nick vai ser o primeiro de nós a ser pai?
- Não é? Sempre achei que seria o Nigel! – Connor comentou e
Nigel olhou de cara feia.
- Até onde sei, ele pode ter vários filhos espalhados pele
mundo que não sabemos – disse rindo e ele me atirou uma almofada.
- Não diga isso, pode atraí-los até aqui!
- Se alguém tem que ficar deprimida aqui, esse alguém sou eu
que já casei! – Becky caminhou até o meu lado, agarrando meu rosto e beijando
minha bochecha – Mas estou é muito feliz por você, primo. E orgulhosa de ver
que finalmente cresceu.
- Vocês não estão chateados? – perguntei incerto olhando
para Connor.
- Como podemos ficar chateados por você querer adotar duas
crianças e ter sua própria família? – ele respondeu finalmente sorrindo – Estou
orgulhoso também.
- É cara, estamos todos felizes por você – Otter levantou também
e bateu em minhas costas – E pode contar conosco no que precisar.
- É, porque você vai precisar de ajuda pra conseguir a
guarda dessas crianças – Nigel olhou em volta – Esse apartamento é uma bagunça!
- Está bagunçado porque só chego aqui pra dormir, mas isso
acaba ano que vem.
- Gente, se o show do dia 30/12 vai ser o último do Nick,
temos que fazer algo especial – Connor comentou e todos assentiram.
- E quero você nele, Becky! – disse apontando para ela.
- Estarei lá, não se preocupe.
- Cara, o Banks vai ficar uma fera!
Nigel imitou a previsível reação do nosso produtor e
começamos a rir já imaginado como seria tenso o momento em que eu contasse a
ele dos meus planos para o futuro. O resto da noite foi ocupada com planos
sobre como transformar o antigo quarto de Connor em um lugar adequado para duas
crianças e idéias para o nosso último show juntos, na véspera do ano novo. Se
aquele seria o meu último show, então teria que ser épico.
O que não sabíamos naquele momento era que aquele show épico
seria o último dos Orcs.