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- Ei O’Shea, a quanto chegou o carro hoje? – um dos
detetives perguntou quando voltei para a delegacia.
- 130km/h! – respondi com um sorriso satisfeito – Cara, eu
adoro perseguições.
- Seu maldito sortudo! – ele bateu nas minhas costas e o
capitão saiu da sala.
- Bom trabalho, O’Shea.
- Obrigado chefe, mas ainda não acabou. Ele ainda precisa
ser fichado na central e encaminhado pra prisão pra aguardar julgamento.
- E o que está esperando para fazer isso?
- Só vim buscar os papéis.
- Ótimo, deixe tudo na minha mesa quando terminar.
Assenti pegando a pasta que precisava e voltei para a
central de fichamento, onde sempre ficava um novato responsável por fichar os
presos que trazíamos, mas desse cuidei eu mesmo. Foi uma manhã longa
preenchendo toda aquela papelada, mas quando o preso tinha que ir para Azkaban
sempre dava mais trabalho. E eu fazia questão que ele ficasse confinado lá, sob
a vigília dos Chronos, porque só assim eu tinha a certeza de que ele não
conseguiria fugir.
Nigel já havia mandado as balas que o médico legista retirou
dos corpos junto da arma que arranquei da mão de Jason para o teste de
balística e o resultado chegou no inicio da tarde. Aquela havia mesmo sido a
arma usada nos dois assassinatos. Jason nunca mais iria sair de Azkaban.
Dois guardas do Clã Chronos que ficavam em Azkaban vieram
buscá-lo por volta das 16h e a partir do momento em que entreguei Jason a eles,
ele não era mais minha responsabilidade. Seu destino agora estava nas mãos da
Suprema Corte Bruxa e do advogado que ele contratasse para tentar livrá-lo
dessa, embora eu duvidasse que conseguisse. Brianna estava saindo do elevador
quando os guardas entraram com Jason e ela lançou um olhar para ele que era uma
mistura de desaprovação e pena antes de virar o rosto e sair do caminho.
- Ele vai pra Azkaban? – ela perguntou reconhecendo o
uniforme dos guardas.
- Sim, ele é bruxo e vai ser julgados pelas nossas leis,
então vai ficar em uma prisão bruxa.
- E uma que não tem como escapar – ela completou com um
suspiro cansado – Ótimo, não quero que essas crianças tenham qualquer contato
com ele outra vez.
- Onde elas estão? Não tive tempo de falar com eles ainda.
- Na sala de descanso, preciso resolver só mais uma coisa
antes de levá-las. Pode dizer isso a elas, por favor? Não vou demorar.
Ela saiu apressada na direção das escadas e caminhei até a
sala de descanso. Capitão Cragen estava agachado conversando com as crianças
quando entrei e a cena me surpreendeu. Sei que ele tem filhos, acho que já tem
até um neto, e com certeza sabe lidar com crianças, mas é sempre estranho ver a
figura que representa autoridade e é sempre tão séria mostrando outro lado. Ele
levantou quando entrei e Molly veio correndo na minha direção, agarrando minha
perna.
- Oi baixinha – puxei-a para o meu colo e ela deitou a
cabeça em meu ombro, tímida, mas com um sorriso enorme no rosto – Ei Austin,
você cresceu bastante desde a última vez que nos vimos.
- Ele já tem seis anos – Molly levantou a cabeça já
abandonando a timidez – E eu já fiz quatro!
- Você também está grande, mas continua baixinha – brinquei
e ela riu, se contorcendo quando fiz cócegas em sua barriga e deslizando até o
chão.
- Ela ainda é um bebê – Austin provocou.
- Não sou um bebê! – ela respondeu de volta, braba.
- Você vai ser sempre meu bebê – ele agora não tinha um tom
de voz provocativo e ela não revidou – O que vai acontecer com a gente?
- Brianna já está vindo buscá-los, ela não vai demorar. Vai
levar vocês a um lugar seguro.
- Não vamos mais morar com o Sr. e a Sra. Fisher? – Molly
perguntou confusa, olhando para Austin em busca da confirmação do irmão – Mas
eu gosto deles.
- Eles não podem mais cuidar da gente, eles foram pro céu –
Austin respondeu e ela o abraçou, ameaçando chorar.
- Mas Sarah prometeu que ia cuidar da gente pra sempre.
- Os adultos não cumprem promessas, mas eu nunca vou
abandonar você, Molly – ele a segurou firme, outra vez tão sério que não
parecia ter só seis anos – Não importa o que acontecer, vai ser sempre você e
eu.
- Você promete que não vai ficar longe de mim?
- Nunca. Você é minha irmãzinha e o meu dever é cuidar de
você.
- Ei, não é assim também – agachei para ficar na altura
deles e Austin me olhava sério – Adultos cumprem promessas sim, mas às vezes
demoram mais do que pretendiam. E eu sei que eu fiz uma promessa a você que
ainda não cumpri, mas não esqueci.
- Não me importo – ele deu de ombros tentando soar
indiferente, mas estava estampado em seu rosto o quanto ele precisava que algo
fosse cumprido.
- Mas eu me importo, porque eu sempre cumpro as minhas
promessas – puxei o celular do bolso e encontrei o numero de Rupert na discagem
rápida. Ele atendeu no primeiro toque – Ei primo, está ocupado? Não, não é
sobre isso, mas você pode passar aqui na delegacia? Lembra daquele menino que
falei que ia apresentar a você? Ele está aqui e não acha que vou cumprir o
prometido. É, ele mesmo. Espero você aqui.
- Pra quem você ligou? – Austin perguntou assustado, sem
acreditar que eu fosse mesmo cumprir a promessa.
- Rupert Storm, ele está a caminho. O Harry vai ficar pra
depois, ok? Ele não está em Londres.
Ele ainda estava no centro de Londres quando liguei e chegou
dez minutos depois. Era difícil descrever a expressão no rosto dele, mas acho
que um pouco do trauma de hoje foi esquecido, ao menos naquele momento. Deixei
Rupert - que depois de dois livros já estava mais do que acostumado a lidar com
crianças - conversando com eles e fui procurar Brianna. Ela estava saindo do
elevador outra vez quando a encontrei.
- Está tudo pronto, vou levar as crianças para o meu abrigo.
Consegui uma autorização para eles morarem conosco até encontrarem uma nova
família.
- Eu quero adotar eles – disse de repente e ela se assustou –
O que preciso fazer? Acha que consigo a guarda deles? Sei que nenhum juiz vai
autorizar isso se continuar tendo dois empregos, mas eu saio da banda e fico só
com o cargo de detetive.
- Wow, calma! É muita informação em poucos segundos! Que
história é essa de sair da banda? Ficou maluco? Não pode tomar uma decisão
dessas de repente!
- Não é uma decisão de impulso, já venho pensando nisso tem
tempo, acho que só precisava de um incentivo maior. E é isso, esse era o
empurrão que eu precisava para criar coragem de fazer isso.
- Nick, você está falando sério? Quer mesmo sair da banda e
adotar essas crianças?
- Sim, quero. Eles precisam de mim e eu preciso deles. Meu
pai deixou os Duendeiros para cuidar de mim e agora é a minha vez de fazer o
mesmo.
- Você não sabe o quanto eu estou orgulhosa de ser sua
amiga! – Brie me abraçou – Pode contar comigo no que precisar, vou fazer tudo
que estiver ao meu alcance para ajudar.
- Então acha mesmo que consigo?
- Não vai ser fácil. Você é solteiro e ainda é homem, não é
exatamente a combinação que eles procuram, mas o fato de você querer adotar os
dois juntos e eles já conhecerem e confiarem em você conta muito. É difícil,
mas também não é impossível.
- Certo. Então acho que a primeira providencia que preciso tomar
é avisar ao resto da banda sobre os meus planos.
- Definitivamente.
Conte a eles hoje e amanhã começamos a trabalhar nisso.
- Você é a melhor! – dei um beijo na bochecha dela e sai
correndo atrás de Nigel. Precisava de uma reunião de emergência ainda naquela
noite.
°°°°°°°°°°
Becky já estava em sua terceira caneca de café – havia saído
de um turno de 24h no quartel – quando Otter finalmente chegou. Já estávamos no
meu apartamento apenas esperando por ele e todos curiosos com o motivo da reunião
repentina.
- Desculpem o atraso, estava repassando as perguntas do caso
da bomba no hospital com o comandante. O que eu perdi?
- Só a Becky acabando com o estoque de café do Nick – Nigel respondeu
rindo.
- Eu estou sem dormir a 24 horas, me deixem em paz.
- Ok Nick, estamos todos aqui, qual é o assunto urgente que não
podia esperar até o fim de semana?
- Bom, não há um meio de fazer isso ser mais fácil, então vou
direto ao ponto – sentei no sofá na frente deles e os quatro me olhavam
intrigados – Ano que vem entrarmos no nosso ano de pausa dos Orcs que
combinamos, mas quando a banda voltar em 2020, eu não volto com vocês. Estou saindo.
A sala ficou em silêncio. Ninguém falava nada, apenas trocavam
olhares que eu não conseguia decifrar. Por mim Nigel começou a rir e Otter
soltou um palavrão, puxando a carteira do bolso e entregando uma nota de 100
euros para o irmão.
- Vocês apostaram que ele ia sair? – Connor perguntou
surpreso, mas Becky estava rindo também.
- Como vocês sabiam? – perguntei não achando muita graça também.
- Nick, nos conhecemos desde que tínhamos o que? Seis anos?
Acho que já sei perceber quando algo está errado e você tem andando distante já
faz algum tempo. De todos nós, eu sou quem o conhece melhor porque trabalho com
você o dia inteiro.
- Não acreditei muito quando ele me disse que achava que você
ia sair da banda eventualmente, então apostei que estava errado.
- Podemos saber o motivo? – Connor perguntou.
- Porque eu estou cansado. Vocês entendem melhor do que ninguém
o que é fazer shows, dedicar tanto tempo aos ensaios, e ao mesmo tempo ter
turnos de 48 horas no quartel ou na delegacia e não ter tempo para mais nada. Vocês
ainda conseguem isso, mas eu não. Pensei por muito tempo sobre isso, mas não sabia
de qual precisava abrir mão, até hoje.
- Está falando do caso das crianças North? – Nigel perguntou
confuso e assenti – O que isso tem a ver com você escolher entre a banda e a
delegacia?
- Por que eu vou adotar eles e trabalhando só na delegacia
consigo tempo para cuidar deles.
Dessa vez não houve silencio porque Nigel engasgou com a
cerveja que bebia e Otter começou a bater em suas costas para ajudar. Connor
parecia em estado de choque, mas Becky abriu um sorriso enorme.
- Cara, você precisa aprender a amenizar suas noticias –
Connor comentou voltando a respirar.
- Nick, você está falando sério? – Becky perguntou me
encarando ainda sorrindo.
- Sim, estou. Sei que não vai ser fácil, mas também sei que
posso fazer isso.
- Uau, acho que vou entrar em depressão – Otter se largou no
sofá – Nick vai ser o primeiro de nós a ser pai?
- Não é? Sempre achei que seria o Nigel! – Connor comentou e
Nigel olhou de cara feia.
- Até onde sei, ele pode ter vários filhos espalhados pele
mundo que não sabemos – disse rindo e ele me atirou uma almofada.
- Não diga isso, pode atraí-los até aqui!
- Se alguém tem que ficar deprimida aqui, esse alguém sou eu
que já casei! – Becky caminhou até o meu lado, agarrando meu rosto e beijando
minha bochecha – Mas estou é muito feliz por você, primo. E orgulhosa de ver
que finalmente cresceu.
- Vocês não estão chateados? – perguntei incerto olhando
para Connor.
- Como podemos ficar chateados por você querer adotar duas
crianças e ter sua própria família? – ele respondeu finalmente sorrindo – Estou
orgulhoso também.
- É cara, estamos todos felizes por você – Otter levantou também
e bateu em minhas costas – E pode contar conosco no que precisar.
- É, porque você vai precisar de ajuda pra conseguir a
guarda dessas crianças – Nigel olhou em volta – Esse apartamento é uma bagunça!
- Está bagunçado porque só chego aqui pra dormir, mas isso
acaba ano que vem.
- Gente, se o show do dia 30/12 vai ser o último do Nick,
temos que fazer algo especial – Connor comentou e todos assentiram.
- E quero você nele, Becky! – disse apontando para ela.
- Estarei lá, não se preocupe.
- Cara, o Banks vai ficar uma fera!
Nigel imitou a previsível reação do nosso produtor e
começamos a rir já imaginado como seria tenso o momento em que eu contasse a
ele dos meus planos para o futuro. O resto da noite foi ocupada com planos
sobre como transformar o antigo quarto de Connor em um lugar adequado para duas
crianças e idéias para o nosso último show juntos, na véspera do ano novo. Se
aquele seria o meu último show, então teria que ser épico.
O que não sabíamos naquele momento era que aquele show épico
seria o último dos Orcs.
“Não é necessário ser uma câmara para ser assombrado, não precisa ser uma casa. O cérebro
tem corredores que superam o lugar material.”
Emily Dickinson
Emily Dickinson
Final de novembro de 2017, Rede de Flú, Ministério da Magia,
Londres.
Quando voltei da temporada de jogos, optei por viajar pela
rede de pó de Flú, pois estava cheia de sacolas e não queria perder nada
durante a aparatação, afinal eu já havia começado as compras de Natal.
Quando saí das chamas esverdeadas de uma das muitas lareiras
do Ministério da Magia em Londres, vi
Justin me esperando com um sorriso no saguão, soltei tudo no chão, enquanto ele
me puxava, me abraçando apertado.
- Que bom que você voltou! – ele disse depois de me beijar, com
a testa encostada na minha.
- Eu sempre volto para você.Você não está de plantão hoje? -
respondi após aspirar seu cheiro que fazia com que eu me sentisse em casa. Ele me
ajudou com as sacolas e enquanto procuravamos uma área para aparatar ele disse:
- Hoje não, só amanhã de manhã, por 48 horas. Quanto tempo
você tem?
- Estou de folga por uma semana.- percebendo que ele não
ficou tão animado quanto eu esperava, olhei-o nos olhos e ele explicou:
- Seu irmão, Ethan me procurou depois que você viajou,
precisa de nossa ajuda com uma criança que está no abrigo.
- Pobrezinha. É muito ruim?- eu quis saber e ele disse
sério:
- Orfã de dez anos, que não se adapta a lugar algum pois já
passou por muita ruim, tem medo de pessoas em geral, especialmente do sexo
masculino, crises histéricas e pesadelos. O pouco que pude fazer por ela, foi
enfeitiçar um apanhador de sonhos e parece que ela tem dormido melhor.
- Não é que eu não queira ajudar, mas não seria um caso para um psicólogo ou terapeuta? – e ele me encarou antes de me abraçar para
aparatarmos:
- Ela é uma criança trouxa que vê gente que morreu, Haley.
-o-o-o-o-o-o-o
Deixei Justin no St. Mungus, e aparatei até o vilarejo, onde
estava localizado o abrigo criado por meu irmão. Como era um local seguro, você
só conseguia localiza-lo, quando o dono te dava o endereço enfeitiçado. Foi uma
precaução extra, para proteger as hóspedes, depois de um incidente sério, dois
anos antes, com o ex marido de Gwen, a administradora do abrigo.
A casa, que já era de bom tamanho, havia sido ampliada, com
mais salas de recreação, tv, sala de estudos e de música. Sabia que Nick e
Edward davam aulas de música para as crianças, e que Ethan e Brianna, com a
ajuda de Gwen tornavam o lugar acolhedor e seguro para vítimas de violência
doméstica. Cheguei na hora em que as crianças estavam indo para a escola mista
do vilarejo, e Parker, o filho caçula de Gwen com 7 anos, veio correndo em
nossa direção, seguido de seus irmãos. Havia outros dois com eles, que preferiram
se manter afastados, e junto deles em guarda estava Bóris, o pastor alemão, que
havia sido adotado pelo abrigo, quando se aposentou na força policial.
- Haley! Haley! Você veio.- e me abraçou apertado, e ri da
sua empolgação, enquanto cumprimentava seus irmãos mais velhos: Grayson e Emma.
- Eu disse que vinha, não? E trouxe o que prometi: é sua!
peguei da minha mochila, uma goles autografada pelo meu time de quadribol, dei
a eles os presentes que eles pediram,
embora fossem trouxas: uniformes do Pride, que mandei personalizar com
os nomes deles.
- Quando vocês voltarem da escola, jogamos um pouco.-
eles assentiram e depois de se despedirem da mãe, foram para a escola,
acompanhados por Cassandra Cooper, a segurança do abrigo. Eu a conheci quando
ela participou de um dos treinamentos de defesa pessoal, ministrados por minha
mãe para a família. Sim, dona Alex ainda fazia isso, e depois do que passei no
último ano, acho até bom me manter atualizada. Acenei e ela retribuiu, sorrindo,
porém sem perder seus protegidos de vista.
- Oi Haley, vamos entrar e tomar alguma coisa.- disse Gwen e
eu quis saber:
- A outra garota... Izabel não vai à escola?
- Não, ainda não consegue, mas ela me parece muito
inteligente. Notei que alguns livros sumiram da biblioteca e hoje ela se
recusou até mesmo a tomar o café da manhã. Estamos muito preocupados, ela tem se
alimentado pouco.
- Eu sei. Justin também está preocupado com ela. Ethan e
Brie me falaram sobre a situação dela e eu acho que posso ajudar. – ela me
olhou séria por alguns segundos e disse:
- Mas você é uma atleta, o que poderia fazer? Oh! Sim! Acho
que entendi...Sabe que ainda fico espantada com as coisas em seu mundo?- disse
corando e comentei:
- Isso vindo de alguém que namora um bruxo, que é um promotor
que faz muito marmanjo chorar na corte? - rimos juntas enquanto entrávamos na
casa.
- Como vão as coisas com Declan? – perguntei e ela
- Vão muito bem, ele é maravilhoso e nem preciso dizer que sou
apaixonada por Liam. – fomos conversando e cumprimentando as pessoas que
encontravamos pelo caminho, até o quarto onde Izabel estava hospedada, o qual foi
fácil de achar: era o único enfeitado com um apanhador de sonho. Toquei-o e ele
irradiou calor para minha mão. Sabia que Justin, como curandeiro, havia feito o
melhor para ajudar aquela menina. Gwen bateu na porta e depois que foi
autorizada a entrar, ela disse:
- Izabel, você tem uma visita. É irmã do Ethan, Haley que gostaria de
conversar com você. Tudo bem?- um murmúrio de aprovação foi ouvido e ela se
afastou para eu seguir em frente, mas eu disse a ela antes de entrar:
- Gwen, haja o que houver, não deixe ninguém vir aqui ok?
Tomarei conta de tudo.- ela assentiu preocupada e eu passei pela porta.
Não pude conter um suspiro de pesar pelo que eu vi. O quarto
era simples, com uma cama de dossel, e ao redor dela haviam lençóis brancos
pendurados, formando uma tenda e me olhando através de uma fresta, havia um
rosto muito pálido, com olhar tenso e vigilante. Sorri e ela me olhava desconfiada,
forçando a vista, talvez tivesse duvidas, se eu estava viva ou não. Olhando ao
redor do quarto, pude entender o porque ela tinha tanto medo. Aquele lugar me
lembrou uma estação de trem, na hora do rush. Havia espíritos de fantasmas com
aparências assustadoras: mutilados, ensanguentados, alguns com roupas de
hospital, outros que pareciam ter sofrido algum acidente...Alguns suplicantes e
outros com olhares malignos, que me olhavam desafiantes e ficavam afastados
rente às paredes.
- Olá, eu sou Haley, meu irmão Ethan é o dono daqui e ele me
pediu para que eu conversasse com você, sobre os fantasmas.- e ela abriu o vão
da tenda um pouco mais.
- Você quer entrar? Aqui é seguro e eu tenho biscoitos.- e
ao meu olhar curioso, ela disse rápido:
- Eu não os roubei, foi Parker quem me deu, antes de ir para
a escola.- meu coração doeu.
- Parker é um dos garotos mais legais que conheço. Assim
como Grayson e Emma, você não acha?- ela fez que sim com a cabeça e eu
continuei falando:
- Quando eles voltarem da escola vamos jogar um pouco lá
fora e se você quiser poderá vir conosco.- disse enquanto entrava na tenda e
ela a fechava rapidamente, se afastando de mim. Olhei para cima e entendi o porque
ela ficava lá: havia outro apanhador de sonhos pendurado no alto.A tenda
funcionava como um casulo onde nenhum espirito poderia entrar.- ela viu meu
olhar e disse rápido, com sua voz ficando mais forte a cada minuto:
- Eu ganhei do Justin, amigo do doutor Ethan e da Brie, ele
disse que ia me proteger dos sonhos ruins, você o conhece? Sabia que eles são
bruxos bons, e não são como os warlocks que passam na tv? E eu acho que Brie
parece uma fada, mas ela disse que é uma bruxa boazinha.... Você sabe magia? – sorri assentindo e agradecida de que ela já
havia sido esclarecida sobre o nosso mundo e parecia reagir bem.
- Sim, conheço Justin. Ele é meu namorado e eu também tenho
um destes em casa. Me ajuda muito quando preciso dormir, sem nenhum espírito
invadindo meus sonhos, e pedindo ajuda.Fica difícil se equilibrar numa vassoura,
quando seus olhos estão ardendo de sono. – ela me olhou espantada:
- Você..Você sabe...
- Sim, eu sei o que você vê, isso acontece comigo desde
pequena, e por isso eu vim para te ajudar.
- Mas ninguém pode fazer nada, eles dizem que ninguém pode.
Todos são maus, porque eu sou esquisita.
- Wow, nós não somos esquistas ok? Conheço gente esquisita e
eles não são como nós, te garanto.- disse jogando o cabelo para trás de forma
afetada, e ela esboçou um sorriso. – e continuei:
- Os espiritos que
estão por aqui precisam de ajuda para seguir a luz, e geralmente é porque eles
deixaram algo para trás, que precisa ser resolvido. Nem sempre você vai
conseguir ajudar, mas fará o seu melhor.
- Mas eu não posso ajudar, tenho medo.
- E eles também têm medo de você. Imagine estar no lugar
deles, onde ninguém pode ouvi-los e quando aparece alguém especial,que pode
vê-los, eles ficam desesperados por
ajuda e nem sempre são compreendidos, e acabam assustando-a sem querer. Na maioria
das vezes, eles só querem saber que vai ficar tudo bem, por isso procuram gente
como nós, os mediadores. – como ela me olhasse desconfiada, eu disse:
- Vou te mostrar.- abri a tenda e ela soltou um grito de
medo, e enquanto eu saía da tenda e encarava cada um dos espíritos ali
presentes e eles iam falando sobre suas queixas e alguns até davam os recados
aos parentes, que eu anotei num caderno que encontrei numa mesa. Sabia que ela
estava acompanhando tudo através da fresta no lençol.Após algum tempo, eu
disse:
- Estou precisando de ajuda aqui, Izzie, será que você pode
vir me ajudar a mostrar a estas pessoas que elas precisam ir embora? Eu te
protejo.- e ela me olhou séria:
- Sim, eu sei que você vai me proteger, as luzes brancas e
azuis que rodeiam você, os repele. Foi a mesma coisa com o Justin...Sabe, doutor Ethan
e Brianna são banhados em rosa e verde. São auras, eu já li sobre isso. - Não
pude deixar de pensar, que se ela algum dia receber alguma carta de Hogwarts,
acabará indo para a Corvinal. Que desperdício!
Ela ficou ao meu lado, ouvindo os fantasmas, e percebi que
fazia anotações em uma letra caprichada. Ficamos por ali muito tempo, pois ouvi
o barulho dos latidos do cachorro.
- Os outros voltaram da escola...-ela disse enquanto eu
ouvia seu estômago roncar. Ela ficou embaraçada e eu convidei:
- Gostaria de descer comigo e almoçar? Pode conhecer as
outras hóspedes e fazer amigos.
- E se...Não gostarem de mim? – ela perguntou com dúvidas
nos olhos.
- Mas porque não gostariam de você?- devolvi a pergunta e ela
respondeu:
- Porque haverá menos comida na mesa se eu for lá. Era sempre
assim nos outros lugares aonde morei, e eles me odiavam por isso. – segurei as
lágrimas e quis saber:
- Por isso você não tem comido junto com os outros? – ela assentiu
e eu disse:
- Izzie, escute o que eu digo e é sério: você não precisa se
preocupar com a falta de comida, ou com a sua segurança, pois agora você está
sob a proteção de meu irmão e ele jamais deixaria algo de ruim acontecer com
você, e ele não estará sozinho, pois não só eu, mas todos nós aqui nos
importamos. Não hesite em me chamar, sempre que quiser. Se eu estiver fora, a
trabalho Justin poderá te ajudar com os fantasmas.- eu estendi a mão e ela a
pegou vacilante, selando nossa amizade.
Antes de descermos, arrumei o quarto dela com magia e ela
sorria encantada, a ajudei a arrumar o cabelo, e foi até divertido ver o
espanto das pessoas quando nos juntamos a eles para almoçar. Gwen, veio falar
comigo, enquanto Parker como o bom anfitrião que era, ia apresentando Izzie
para todos, e Emma enchia o prato da nova amiga.
- Izabel está bem agora? Conseguirá ser normal como as
outras crianças?– fiz que não com a cabeça:
- Ainda não sei. Hoje
foi só o primeiro passo, mas ela ainda vai precisar de muita ajuda, pois ainda
tem muito a superar. Mas vamos estar com ela a cada passo da jornada.- Gwen assentiu enquanto olhávamos a a menina tímida e carente, ser paparicada.
Pena que nem sempre o otimismo ou a fé na bondade, consegue ser
uma barreira contra o mal.
Londres, setembro de 2018
Já fazia algum tempo desde que havia
confessado a Rupert minha vontade de permanecer apenas com uma carreira, mas
embora já tenham se passado quase quatro meses nenhuma decisão havia sido
tomada. Continuava vindo todas as manhãs para a delegacia e seguindo com os
Orcs em turnê à noite, sem ter tempo para mais nada.
Parecia ser um turno típico. Depois de
fechar o caso de uma menina desaparecida em menos de 24 horas, o que era sempre
um alívio, preenchia meu relatório para entregar ao capitão sem perspectiva de
entrar em nenhum outro caso pelo resto do dia quando Rupert entrou na
delegacia. Cumprimentou Nigel em sua mesa e se dirigiu até a minha, puxando uma
cadeira. Era engraçado ver como os outros detetives e policiais reconheciam
Rupert e apontavam. Alguns até se aproximavam para pedir um autógrafo ou uma
foto.
- Está perdido ou veio testar sua
popularidade entre as autoridades de Londres? – perguntei quando o alvoroço
terminou e ficamos sozinhos outra vez.
- Estava a caminho da minha consulta
com o Dr. Pace e passei para pedir um favor – disse puxando um pedaço de papel
do bolso e me entregando – Você ainda tem aquele amigo no Serviço Secreto?
- Marshall, sim, claro – olhei para o
papel e vi que tinham dois nomes anotados – Do que precisa?
- Saber se esses nomes algum dia
passaram pela CIA. Como agentes, procurados, qualquer coisa.
- Brennan. Esse não é o sobrenome da
Amber?
- São os pais dela.
- Os pais dela tem alguma relação com a
CIA? – perguntei surpreso.
- Não sei, podem ter. Ela está
estudando o caso deles em uma aula na academia e nada faz sentido. Como duas
pessoas podem simplesmente evaporar da face da Terra?
- Ah, a aula do Wes, minha favorita.
Ele vai arrancar o couro dela quando souber que escolheu algo pessoal, mas se
encontrarem alguma coisa... Talvez ele releve.
- Está difícil encontrar algo.
- Sua teoria da CIA é maluca, mas não é
impossível. Ninguém evapora sem deixar rastros, a menos que seja treinado para
isso. Vou pedir a Marshall para jogar o nome deles no banco de dados da CIA e
aviso assim que tiver um retorno dele.
- Obrigado, Nick – ele levantou e
estendeu a mão para mim – Tenho que ir ou vou me atrasar.
Liguei para Marshall assim que Rupert
saiu e expliquei o pouco que sabia da história, mas ele ficou intrigado o
suficiente para dar uma olhada nos nomes que passei. Voltei à atenção ao
relatório que estava fazendo, mas ainda estava longe de terminar quando fui
interrompido mais uma vez. Agora era meu celular tocando e vinha de um número
restrito.
- O’Shea.
- Nick? – uma voz de criança falou e
reconheci de imediato.
- Austin? É você?
- Sim, sou eu – a voz dele saia tremida
e aquilo me alarmou.
- Austin, está tudo bem?
- Não. Você pode vir nos buscar?
- O que aconteceu? Onde você está? Sua
irmã está com você?
- Molly está aqui. Papai nos levou
embora. Eu não gosto daqui, Nick. Quero voltar para casa.
- Onde vocês estão? – estalei os dedos
agitado na direção de Nigel e ele correu até minha mesa – Rastreie meu celular
– disse a ele colocando a mão para Austin não ouvir.
- Não sei, desculpe. Estamos dentro de
uma casa, mas não sei onde ela fica.
- Não tem problema, eu vou encontrá-lo.
Você viu alguma coisa na rua quando entraram na casa?
- Uma loja de cupcakes. Molly queria
comer um, mas papai não deixou.
- Tem alguma janela onde vocês estão?
Você consegue ver a rua por ela?
- Tem uma janela sim, mas não consigo
ver direito, estamos em um porão. Acho que tem uma loja de discos do lado de
uma farmácia.
- Austin, por quanto tempo seu pai
dirigiu com vocês? Vocês pegaram um carro?
- Sim, um carro grande e branco, como
uma van. Ele dirigiu por dois episódios de Thomas o trem, Molly estava
assistindo no iPad da Sra. Fisher.
- Austin, ele está vindo! – ouvi a voz
de Molly ao fundo e barulho de coisas caindo.
- Tenho que desligar, papai está
descendo! – e desligou antes que eu pudesse dizer qualquer outra coisa.
- Conseguiu? – perguntei a Nigel, mas
ele sacudiu a cabeça.
- Foi mal, irmão. Muito pouco tempo,
não consegui a localização exata, mas algo próximo.
- Ele disse que o pai dirigiu por 40
minutos.
- Isso mesmo, o sinal veio de uma torre
dentro dessa área – disse apontando para o mapa na tela, que mostrava uma área
em Surrey.
- Certo, vou buscar a Brie, isso é caso
dela. Vá até a casa dos Fisher ver o que aconteceu. Jason North tirou essas
crianças de lá de alguma forma, quero saber como.
Nigel assentiu puxando o casaco da mesa
e saindo da delegacia enquanto eu ia avisar ao capitão sobre o que estava
acontecendo. Liguei para Brie avisando o que tinha acontecido e ela já estava
me esperando na porta do hospital quando parei a viatura. A ligação de Nigel
veio antes que andássemos duas quadras no transito. Não estávamos lidando com
apenas um seqüestro.
Os corpos de Sarah e Richard Fisher
estavam na sala de estar, um único tiro na cabeça de cada um. Eles não tiveram
chance alguma. Pelas marcas de sangue no chão, Sarah havia sido baleada quando
abriu a porta e seu marido quando apareceu no corredor atraído pelo barulho do
tiro. Ele havia arrastado ambos até o meio da sala, deixando um rastro vermelho
pelo chão.
A casa estava em perfeita ordem, tudo
que Jason queria era levar as crianças e eliminou quem os impedia, não
precisava de mais nada. Nigel assumiu o caso do assassinato e decidi cuidar
apenas do seqüestro. Se ele já estava em Surrey, podia ir ainda mais longe nas
próximas horas e não queria arriscar que Jason descobrisse a ligação que Austin
fez.
Com a única informação de uma loja de
discos, uma farmácia e uma loja de cupcake na rua, dirigi até Surrey com
Brianna. Karpowski ficou coordenando da delegacia e nos dando as direções.
Ainda estávamos entrando em Surrey quando outra vez o numero restrito me ligou.
Atendi tão afobado que quase derrubei o telefone no chão do carro.
- Nick, ele vai nos levar embora! – a
voz de Austin agora era de pânico. Perguntei-me se ele havia visto o que o pai
tinha feito com seus pais adotivos.
- Austin, escute com atenção. Esse
telefone de onde você está ligando é um celular?
- Sim, é do Dr. Fisher, eu peguei
quando- - sua voz morreu e ai soube que ele havia visto seus corpos no chão da
sala.
- Está tudo bem, vocês vão ficar bem.
Quero que coloque o celular na sua mochila e não desligue, entendeu? Preciso
que a ligação não termine para que eu possa encontrar vocês.
- Ok...
- Austin, vai ficar tudo bem. Brianna e
eu já estamos a caminho, nós vamos trazer vocês de volta. Agora coloque o
celular na mochila para seu pai não ver e fique junto de sua irmã.
- Eu vou tomar conta dela.
- Sei que vai, você é um ótimo irmão
para Molly.
- Ele está vindo nos buscar, vou
esconder o telefone.
- Agüenta firme, já estamos chegando.
Liguei para Karpowski do celular de
Brianna e ele rapidamente começou a rastrear a ligação ainda ativa no meu. Dois
minutos depois ele conseguiu a localização exata do sinal, mas ele não estava
mais parado. Jason já estava em fuga com as crianças e se dirigia para o sul.
Karpowski avisou pelo rádio que já estava enviando reforço da delegacia mais
próxima de onde eles estavam e que deviam alcançá-los antes de nós. Liguei a
sirene da viatura e pisei fundo no acelerador.
- Por que ele está fugindo em um carro?
Ele é bruxo, não seria mais eficiente aparatar? – perguntei a Brie enquanto
dirigia a toda velocidade.
- Ele não pode, está sendo rastreado. A
condição para a condicional era que ele estava proibido de usar magia – ela
explicou e agora as coisas faziam mais sentido – O Ministério está
monitorando-o de perto e qualquer sinal de magia alguém aparata ao seu lado e o
leva preso.
- Para o azar dos Fisher, métodos
trouxas de crime quase sempre têm o mesmo final.
Um bloqueio foi montado em todas as
estradas que saia da cidade e o reforço enviado por Karpowski parou eles quase
chegando a Kent. Um verdadeiro circo havia sido armado quando os alcançamos.
Jason estava atrás do volante de uma van branca, como Austin havia dito, e as
crianças estavam no banco do carona olhando apavoradas o pai sacudir uma
pistola na direção dos policiais que cercavam o veiculo.
- Qual é a situação? – perguntei para
um dos policiais do cerco.
- Ele não está ameaçando as crianças,
mas não podemos nos aproximar enquanto ele tiver armado.
- Ele não vai fazer mal a elas, está
desesperado para tê-los de volta – Brianna disse ao meu lado.
- Bom, depois de assassinar duas
pessoas, acho que podemos dizer que esse barco já naufragou – comentei e eles
assentiram em concordância.
- O que quer fazer, detetive? – o policial
encarregado do cerco se aproximou – Ele está ficando cada vez mais agitado.
- Deixe-me tentar falar com ele, não interfiram
– tirei o rádio e a arma da cintura e entreguei a ele – Venha comigo, Brie. Ele
conhece e confia em você.
Aproximamos-nos lentamente da van, eu
com as mãos erguidas para mostrar que estava desarmado e não faria nada contra
ele. Jason imediatamente nos mandou recuar e apontava a pistola que segurava na
nossa direção, mas suas mãos tremiam tanto que duvidava que conseguisse apertar
o gatilho. Também não ameaçava ferir as crianças, o que era um ótimo sinal,
tornaria tudo muito mais simples.
- Para trás, estou avisando! – ele gritou
mais uma vez.
- Não posso fazer isso, Jason, e você
sabe o porquê.
- Deixe-nos ir embora! Eu só quero
cuidar dos meus filhos em paz!
- Não podemos deixar você levá-los
embora – Brie falou firme – Por que não os deixa sair e então podemos conversar
com calma?
- Ela está certa, Jason. Ninguém mais
precisa se machucar, nem mesmo você. Deixe as crianças saírem e então conversamos.
- Eu matei duas pessoas, acha que sou
idiota? Nenhuma conversa vai me livrar de Azkaban. Sei muito bem que é para lá
que vão me mandar!
- Papai... – Austin segurou seu braço
com força e o encarou nos olhos. Não parecia uma criança de 5 anos naquele
momento – Por favor, faz o que eles estão pedindo.
- Não posso, filho. Se deixá-los ir,
nunca mais vou tê-los de volta.
- Mas eu não quero que o senhor se
machuque – Austin se debruçou por cima da irmã e o abraçou apertado.
Molly começou a chorar, assustada com
tudo que estava acontecendo e sem entender direito, e foi naquele momento que
os olhos de Jason ficaram vermelhos. Olhei para Brie e ela fazia força para não
chorar vendo o apelo daquelas crianças para que o pai fizesse a coisa certa.
- Jason, você está assustando seus
filhos – Brie se aproximou mais do carro – Deixe-os ir.
- Você está cercado de policiais
armados e nenhum deles vai deixá-lo sair daqui com esse carro. Como acha que isso
vai terminar? – dei mais um passo a frente e apoiei as mãos na janela do carro –
Quer traumatizar seus filhos para o resto da vida deles?
- Vão, saiam – ele disse beijando a
cabeça dos dois, mas sem soltar a arma – Vão com a Brianna.
- Papai... – Molly o abraçou outra vez,
ainda aos prantos.
- Eu vou ficar bem, podem ir.
Brianna deu a volta depressa e abriu a
porta do carona, tirando os dois do carro o mais rápido que pode. Continuei ao
lado de Jason sem tentar nada até que ela já estivesse do outro lado da rua com
as crianças seguras, então agarrei a mão que ele segurava a arma. Foi um
movimento tão rápido que não deu a ele tempo de reagir, não esperava que eu
fosse tentar desarmá-lo tão cedo. Atirei a arma para longe e o policial que
estava mais próximo do carro a pegou.
- Jason North, você está preso pelo
sequestro de Austin e Molly North e pelo assassinado de Richard e Sarah Fisher –
disse enquanto o tirava de dentro do carro e o prendia com as algemas – Você tem
o direito de permanecer em silencio e tudo que disser pode e será usado contra você
no tribunal. Você tem o direito de ter um advogado. Se você
não puder pagar um advogado, um defensor público lhe será indicado. Você
entende os seus direitos?
- Sim, entendo.
- Ótimo – disse empurrando sua cabeça para baixo
para que entrasse em minha viatura - Porque você nunca mais vai sair de Azkaban.
((Continua...))
- Wow! Não consigo me mexer.- Haley disse enquanto respirava
fundo, e acabei rindo enquanto eu levantava a cabeça que estava escondida debaixo
dos lençóis aos pés da cama.
- Molenga...Isso porque é uma atleta.- e ela se ergueu nos
cotovelos e franziu os olhos:
- Não tenho forças nem para te chutar pela provocação...-
resmungou e minhas mãos agarraram seus pés e a puxei para mim, sem cerimônia. Ela
gritou espantada e quando percebeu eu já estava por cima dela novamente, e ela fez
biquinho, do jeito que costuma fazer quando briga comigo.
- Vamos brigar novamente? – eu quis saber e ela me olhou um
brilho travesso nos olhos:
- Não, embora sexo de reconciliação seja fantástico. Não sei
se a cama aguentaria outra rodada.Seu quarto está uma bagunça, até parece a
cena do Amanhecer 1, só faltam as penas voando.- fiz uma careta de desgosto, e
ela riu pois conseguiu me obrigar a assistir ao filme inteiro.
- Ainda bem que desta vez quem levou a melhor foi o lobo.E
ele ainda está faminto...- eu disse presunçoso e ela riu provocando:
- Quem disse que precisaríamos da cama? – sorri e a beijei, ela
se aproveitou da minha guarda baixa e me empurrou, fazendo com que eu caísse da
cama, enquanto se levantava rápido e pegava minha camisa e a vestia dizendo:
- Vamos pegar alguma comida, ainda podemos
recriar outras cenas dos meus filmes favoritos, ficarei quase duas semanas
fora, preciso de boas memórias para não sentir saudades. - e eu respondi,
enquanto colocava as minhas calças:
- Ok, mas nenhuma cena que envolva as bancadas da cozinha ou
os sofás da sala, senão Rupert me despeja.
- Posso ser criativa.- ela respondeu mordendo o lábio,
enquanto a gola da minha camisa grande demais para ela, deixava um de seus
ombros descoberto. Engoli seco e disse áspero:
- Droga! Vamos logo buscar esta comida, duas semanas longe
de você serão um inferno.
o-o-o-o-o-o-o-o
Hospital St. Mungus, Terceiro Andar, Envenenamentos por
poções ou plantas:
Eu e minha boca grande. Depois de seis meses de muito
estudo, teorias e práticas, os plantões de 48 horas passaram a ser uma rotina
diária em nossa vida, e eram insano. Pegávamos os casos mais malucos, e sempre que nos
encontrávamos pelos corredores, eu, JJ e Clara, comparávamos nossos pacientes,
para ver quem estava com o caso mais interessante do dia. E quando o caso, era
muito bom, o vencedor se auto proclamava, Rei do St.Mungus. Idiota, é claro,
mas precisávamos ter nossos momentos descontraídos no hospital.
A doutora Louise Storm, mãe da Clara, era nossa chefe e um osso
duro de roer. Ela era uma das lendas no hospital e todos queriam estar em seus
casos, ela tinha a capacidade de nos fazer calar com apenas um levantar de
sombrancelha e um olhar glacial, e entre os internos ela tinha o apelido de
Medusa. E seu olhar foi o que bastou, quando me mandou ficar no terceiro andar,
onde os casos mais chatos com bruxos desatentos com poções ou plantas venenosas
ocorriam. Ora, quem em sã consciência bebe uma poção regurgitadora à toa, apenas
para pagar uma aposta? O serviço era um
porre. Nos limitávamos a avaliar o caso, dar poções para cortar o efeito do
veneno, faziamos curativos nas erupções purulentas...Enfim, era a parte chata
do trabalho, mas apesar disso , eu amava ser curandeiro, mas alguns dias era
dificil manter este amor.
- De novo, senhor McMannus?- eu perguntei cansado, após ver meu
uniforme limpo coberto de vômito, pela quarta vez nas últimas três horas e o
velhinho maltrapilho com cara de papai noel, teve a decência de parecer constrangido:
- Desculpe, doutor, eu avisei que não me sentia bem para
levantar da cama.
- Mas o senhor já foi medicado contra o envenenamento por
sumagre venenoso, suas erupções já desapareceram, não é comum ter este tipo de
reação com a poção que administrei. Diga a verdade: o senhor bebeu quanto antes
de entrar aqui?- e ele fez um ar ofendido, enquanto eu fazia um feitiço rápido
de limpeza em mim:
- Eu não bebo, mocinho. Quer dizer, não deste jeito. Eu só
me sinto mal às vezes, só isso.Pode me dar algum remédio?- continuei a examina-lo
quando a cortina se abriu e a doutora Storm entrou apressada. Cumprimentou o
paciente, verificou sua ficha, e depois disso me chamou de lado, franzindo o
nariz:
-Porque ainda não liberou o senhor McMannus, Justin? E que
cheiro é este?
- Ele não teve tempo de pegar a bacia para vomitar e eu
estava no caminho. Eu estava avaliando-o novamente, acho que ele precisa de
exames mais detalhados doutora Storm.
- Seus exames estão normais. O problema dele, é ressaca, já
aconteceu outras vezes, pois ele sempre volta atrás de algum remédio. Dê uma
poção dupla para ressaca, alguma comida e libere o leito. Você é necessário em outros
setores do hospital e eu preciso daquele leito vazio. E por favor, tome um
banho, você está fedendo. – ela saiu e nem me deu tempo de pedir que ela me
desse mais algum tempo com este caso, pois ele me incomodava. Olhei para o
paciente, e o olhar dele sem esperanças, me fez pensar que talvez valesse a
pena desobedecer à minha chefe. Após uma hora, ela veio atras de mim saber do
paciente e vinha acompanhada de Ethan, que devia ter acabado de sair do trabalho,
pois usava um casaco pesado por cima do uniforme azul escuro do pronto socorro
do hospital onde trabalhava.
- Doutor Silverhorn.- ele cumprimentou sorrindo e eu
reribui:
- Doutor Warrick.- e a mãe da Clara, já foi direito ao
assunto:
- Justin, porque você pediu mais uma avaliação do senhor
McMannus, se deu alta a ele uma hora atrás?
- Não dei alta doutora Storm...- Ethan arregalou os olhos e
me encarou. A Medusa me olhou de cima a baixo:
- Onde ele está?- ela perguntou com voz controlada.
- Bem ali. - E apontei para a cama do senhor McMannus, onde
antes havia um velhinho sujo e maltrapilho, agora havia um senhor de idade, de
banho tomado, barbeado e de roupas limpas.- ela me lançou aquele olhar e eu me
defendi:
- Pobres não recebem atendimento médico adequado, mesmo no
mundo bruxo e isso é injusto. Costumo seguir meus instintos doutora, e acredito
que ele mereça uma segunda opinião, por isso o mantive no hospital.Sei que
posso ser punido por desobedecer a uma ordem, mas pelo menos fiz o meu melhor
como curandeiro. – e ela me olhou
pensativa:
- Sim, isso é certo. O curandeiro geral já foi avisado?
- Sim, mas parece que está preso em um caso de varíola de
dragão...- ela olhou para Ethan.
- Pode dar a segunda opinião neste caso? Preciso subir para
a Obstetrícia, verificar minha paciente, e eu realmente quero que este caso
seja encerrado.
- Sem problemas, se não encontrar nada, eu mesmo assino a
alta. Ainda tenho crédito com a direção. – ele respondeu e ela assentiu sorrindo
orgulhosa e nem me olhou novamente quando saiu, deixando-me com meu cunhado,
que se virou para mim:
- Atualize-me, enquanto vejo a ficha do paciente.E que seja
bom, ou você vai repensar sua carreira. – e já se encaminhou ao paciente e
enquanto eu relatava os detalhes do caso, como enxaqueca e vômitos, Ethan o
examinava, minuciosamente. Quando terminou disse:
- Senhor McMannus, o senhor sofre de uma síndrome de vômitos
cíclicos, SVC. É uma doença comum na infância, mas em casos raros pode ocorrer
com adultos. O paciente não apresenta nada nos exames, porém tem náuseas e
vômitos por dias e de repente os sintomas pausam e do nada eles retornam.
- Achei que fosse a bebida, que me causasse isso, doutor.- e
ele me olhou sem graça quando bufei:
- Não me olhe assim, eu bebo às vezes, sim. Não tem cura? -
e Ethan fez que não:
- Enxaqueca é uma das causas dos seus problemas, e isso nós
podemos tratar., e você terá uma qualidade de vida melhor. – Ethan me orientou
a como prescrever a medicação, quais poções eu deveria buscar na farmácia. Após
medicar o senhor McMannus, e lhe dar comprimidos que iriam durar pelo menos um
mês, ele nos agradeceu muito e foi liberado. Olhei para Ethan:
- Obrigado.Mas o que veio fazer aqui? Saudades do emprego? –
e ele riu:
- Embora trabalhar com a Medusa tenha seus bons momentos, gosto
de onde estou. Sabe que com um filho pequeno e o abrigo, não tenho muito tempo
livre. Você pegou um caso de diagnóstico difícil, e fez o correto: ouviu os seus instintos. Quando seu plantão
acaba? Quero conversar com você, enquanto jantamos. – olhei no relógio e sorri:
- Já está quase acabando, vou me apresentar à minha chefe,
ouvir a bronca e poderemos ir.
Fomos jantar na lanchonete trouxa que ficava perto do St.
Mungus,e enquanto eu devorava um cheeseburguer com fritas, Ethan e eu colocávamos
o papo em dia. O paciente havia sido cuidado, e isso era o que fazia o dia
infernal, valer a pena.
Londres, setembro de
2018.
- Essa aula é um saco, viu? – Thomas comentou da mesa atrás
da minha.
- Nós só tivemos duas delas até agora – Julian riu.
- Mas eu já sei que não gosto. Definitivamente não quero ser um detetive.
- E você quer seguir que caminho então? – Kaley perguntou da
mesa ao lado, revirando os olhos.
- Algo mais no estilo SWAT – ele respondeu e James e Julian
começaram a cantar a musica tema do filme. Thomas aproveitou a deixa para
imitar a dança de um dos personagens e todo mundo riu – Não quero investigar o
motivo do crime, quero só prender o culpado e atirar nele se for preciso.
- Essa parte investigativa parece interessante, tenho
curiosidade em saber o motivo para aquela pessoa ter cometido o crime – comentei
e James assentiu concordando comigo – Quero poder seguir as pistas até
descobrir quem é o culpado.
- Então você seque as pistas e depois me chama para chutar o
traseiro dele.
- Ninguém vai chutar o traseiro de ninguém por hoje –
ouvimos a voz do professor e em questão de segundos todos estavam de pé em
posição de sentido diante de suas mesas – Descansar – ele disse e nos sentamos.
Se tinha uma coisa que o agora Tenente Wesley Sanders
impunha, era respeito. Todo mundo caçoava do Tenente, ele era um tipo difícil
de não ser notado, sempre com aquele chapéu de cowboy na cabeça sem se importar
para o que pensavam, mas todos o respeitavam. Ele fez das nossas vidas um
verdadeiro inferno em nosso primeiro ano na academia, mas agora havia se
transformado em uma espécie de conselheiro. Ele ainda pegava no nosso pé e nos
dava as mais insanas punições quando alguém cometia um erro, mas a porta de sua
sala estava sempre aberta e ele estava sempre disposto a ouvir e ajudar.
E ele também era o nosso professor na aula de Investigação
Criminal. E era a melhor aula do mundo.
- Todos deixaram os relatórios da última aula aqui? – ele
perguntou indicando a caixa onde deixávamos todos os trabalhos e todos
responderam “sim senhor” – Ótimo, então vamos seguir em frente. Quem sabe me
dizer o que é um Arquivo Morto?
- Arquivo Morto é como chamam os casos que são arquivados
sem uma solução, senhor.
- Muito bem, Beckett. Arquivo Morto é exatamente isso, casos
sem solução. Há milhares deles no depósito da Scotland Yard e de qualquer outra
agencia do mundo.
- Está querendo dizer que o crime perfeito existe? – Lena
perguntou parecendo descrente.
- Ah, o pior pesadelo de qualquer policial, bruxo ou trouxa.
Infelizmente, às vezes eles cometem um crime perfeito. Todo policial vai se deparar
com um desses em algum momento da carreira.
- Nem pensar, nenhum caso meu vai ficar sem solução! –
Hector disse presunçoso.
- Todos dizem isso quando estão na academia, mas às vezes a
trilha simplesmente desaparece. Nem sempre é um assassinato, pode ser um
seqüestro ou um desaparecimento sem explicações. Um dos casos sem solução que
trabalhei que mais me intrigou, e me intriga até hoje, foi o desaparecimento de
duas pessoas sem qualquer vestígio. Sem indícios de assassinato, seqüestro ou
qualquer outra coisa. Eles simplesmente evaporaram. Trabalhei nele por dois
longos anos, até o detetive responsável encerrar o caso por falta de novas
pistas.
- Quando o caso é encerrado, a gente simplesmente deve
fingir que nada aconteceu? – Penny perguntou agora e parecia indignada.
- Tecnicamente sim, mas ninguém realmente esquece. Você pode
não investigar mais, mas os detalhes nunca vão embora. Se você por acaso
esbarrar com algo que lembre o caso, ele sempre pode ser reaberto. Eu nunca
realmente parei de procurar aquelas pessoas, só não tenho mais isso como
prioridade na minha mesa.
- Se os crimes não param você também não pode parar – Kaley
disse automaticamente e todos olharam para ela – É o que meu avô diz.
- E ele está certo, mas hoje vocês não vão aprender a seguir
em frente. Hoje
vocês terão a chance de reviver um caso antigo e dar uma nova perspectiva a
ele. Vamos até o depósito de arquivos mortos da Scotland Yard e cada um de
vocês escolherá uma caixa com um caso sem solução. Vocês podem abrir uma por
uma até encontrar algo que achem interessante ou simplesmente pegarem a
primeira que verem, não importa. Vocês trarão a caixa para o quartel e terão
até o fim de novembro para estudar o caso. Quero que façam um relatório
completo dele, tudo que aprenderam lendo os documentos, e no fim quero ouvir a
sua opinião sobre ele. O que vocês fariam de diferente que talvez ajudasse a
solucionar o caso?
- Nós podemos entrar em contato com as testemunhas? – James
perguntou animado.
- Sob hipótese alguma vocês devem incomodar essas pessoas.
Se encontrarem algo relevante, coloquem no relatório e apenas isso. Eu vou ler
um por um e se achar que encontraram algo que valha a pena checar, eu mesmo
entrarei em contato com as testemunhas. Se o caso for reaberto, o aluno que o
estudou será convidado a ajudar na investigação.
A sala se agitou na mesma hora. Uma chance de ajudar em um
caso de verdade? Nunca passou pelas nossas cabeças que realmente pudéssemos ter
a chance de fazer isso ainda na academia. O Tenente Sanders ordenou que nos
aprontássemos e em cinco minutos já estávamos do lado de fora do quartel no
ônibus que nos levaria até a sede da Scotland Yard.
O depósito era imenso. Estantes gigantescas com caixas e
mais caixas de casos sem solução. Aquilo era mesmo um pesadelo. Como é possível
tantos criminosos ficarem impunes porque ninguém conseguiu encontrá-los? Eu
nunca conseguiria deixar algo de lado.
- Tomem cuidado para não perderem nenhuma evidencia. Tudo
dentro das caixas está catalogado e se algo sumir enquanto estiverem com ela,
vai ser um grande problema – ouvimos o Tenente Sanders dizer antes de nos
liberar – E lembrem-se da aula de Criminologia Forense: não toquem em nenhuma
evidencia se não estiverem usando uma luva de látex.
A turma imediatamente se dispersou. Cada um foi para um lado
vasculhar os arquivos até encontrar algo interessante, mas eu já sabia
exatamente o que queria levar. As caixas estavam organizadas em ordem
alfabética por sobrenome, então caminhei direto até a letra B. Perdi quase 10
minutos, mas encontrei o que queria na prateleira do meio. Com a ajuda de uma
escada, arrastei a caixa com a etiqueta “BRENNAN, J e K” até a mesa. Era o caso
não solucionado do desaparecimento dos meus pais.
°°°°°°°°°°
Rupert ainda estava na editora quando cheguei ao loft, então
usei minha chave para entrar e espalhei o conteúdo da caixa de evidencias em
cima da mesa. Saímos da sede da Scotland Yard direto para o quartel, ainda
tínhamos duas aulas no dia, mas depois estávamos liberados pelo fim de semana,
então ainda não havia tido a chance de ver o que tinha dentro dela. A primeira
coisa que vi quando abri a caixa foi um saco plástico lacrado com o colar com
pingente de elefante e a aliança de minha mãe. Ela nunca os tirava. Não sei por
quanto tempo segurei a embalagem nas mãos, mas não ouvi Rupert chegar.
- Ei, chegou tem muito tempo? – disse me beijando e me
assustei – Está tudo bem? O que é isso?
- O caso do desaparecimento dos meus pais. Vou estudar ele
como projeto do semestre.
- Como é que é? – ele sentou confuso ao meu lado, esticando
a mão para pegar um dos relatórios.
- Aula de Investigação Criminal, temos a chance de reabrir o
caso que escolhemos se encontrarmos alguma pista relevante. Eu precisava
trabalhar nele.
- Ok, agora entendi. Quer ajuda?
- Normalmente eu recusaria, isso é um trabalho do curso que
devo fazer sozinha, mas...
- É o caso dos seus pais, você precisa encontrar uma pista –
assenti e ele sorriu – Conte comigo, então. O que quer que eu faça?
- Fica com essa parte, vou lendo essa outra – separei as
pilhas de relatórios e ele pegou a parte dele – Depois um explica pro outro o
que leu.
Rupert levantou da cadeira com os papéis na mão e beijou
minha testa antes de caminhar até o sofá. Deixei a embalagem em cima da mesa e
peguei a minha metade, sentando ao lado dele no sofá e enterrando o rosto nos
relatórios.
°°°°°°°°°°
- Talvez eles sejam espiões.
Abaixei o relatório que lia pela segunda vez e olhei para
Rupert com uma sobrancelha erguida. Estávamos lendo e relendo toda a
investigação há mais de duas horas, mas não havíamos encontrado nada que nos
chamasse a atenção. Encontrei o nome do Tenente Sanders em um dos relatórios, o
que revelou que era dos meus pais que ele falava na aula. E ele tinha razão:
eles tinham simplesmente evaporado.
- Espiões? Acho que sua imaginação está indo longe demais.
- Eu sou um escritor, pode me culpar?
- Você não escreve ficção.
- O que estou escrevendo agora pode ser uma historia real, mas isso não significa que minha cabeça não esteja
fervilhando de novas ideias.
- Tem algum livro novo em mente? – perguntei animada, mas
ele reagiu um pouco estranho.
- Não exatamente, ainda é só uma ideia. Quando tiver uma
história organizada, prometo contar – assenti sem insistir e ele pareceu
aliviado – Então, espiões. É possível.
- Como isso é possível? Minha mãe era uma professora de
piano.
- Se eles fossem espiões da CIA, por exemplo, nenhum
detetive ia conseguir encontra-los. Só outro espião. Isso explicaria muita
coisa, como eles desaparecerem sem deixar vestígio e deixando vocês para trás.
Não consegui impedir que uma risada escapasse ouvindo Rupert
desenvolver aquela teoria maluca sobre meus pais serem espiões. Ele não
acreditava mesmo que aquilo fosse possível, estava apenas tentando me animar,
porque se meus pais fossem espiões da CIA significaria que estavam vivos. Que
haviam desaparecido para nos proteger. Significaria que eles não eram egoístas
e não nos abandonaram porque não nos queriam mais, mas sim porque queriam que
vivêssemos uma vida normal. Não seria tão ruim assim se fosse verdade.
- Isso é muito 007! – ele concluiu depois de descrever todo
o suposto plano de fuga deles.
- Eu amo você, sabia? – era a primeira vez que dizia aquilo,
mas não parecia ter um momento mais apropriado.
- Eu sei – ele respondeu sorrindo e inclinou o corpo para me
beijar – Eu também te amo.
- Espiões, então? É, até que não é uma teoria tão maluca
assim.
- Uau, você me ama mesmo – disse surpreso e ri.
- Foco, Rup.
- Certo, espiões. Vamos elaborar essa teoria mais um
pouco. O que você se lembra da sua
infância em casa? Talvez a gente encontre uma dica indo nessa direção.
- Não muita coisa, eu era muito pequena, mas lembro que
passava mais tempo com a minha mãe. Papai estava sempre fora, viajando a
trabalho.
- O que ele fazia?
- Não faço ideia, tudo que sei é que ele carregava uma pasta
preta – ele riu e o empurrei – Ei, eu só tinha sete anos, não tive a
oportunidade de convidar ele para o dia da carreira na escola para descobrir.
- Ok, então sua mãe ficava em casa e seu pai trabalha fora.
Talvez Russell saiba a profissão dele.
- É possível, mas Russ foi para Hogwarts quando eu tinha um
ano e ficou lá até eles desaparecerem, éramos só mamãe e eu mesmo. Embora...
- O que? Você está com cara de interrogação.
- Depois que eu fiz cinco anos, mamãe passou a viajar a
trabalho com papai com bastante frequência. Eles ficavam mais tempo fora do que
em casa.
- Ela fazia concertos? – sacudi a cabeça negando – Por que
uma professora de piano viaja por tanto tempo, se não for para apresentações?
- Não faço ideia, mas enquanto eles estavam fora juntos, eu
ficava com uma babá. Cindy,eu acho.
- Não lembro de ter visto nenhum depoimento de uma babá
nesses relatórios, qual era o sobrenome dela?
- Sete anos, Rup. Sete anos – ele riu – Russ talvez saiba,
eles viajaram durante toda as férias de verão de 2004 e ela ficou conosco por
dois meses. Ele já tinha 15 anos e uma paixão platônica pela babá, é provável
que lembre.
- O que mais você lembra?
- Mais nada de relevante, não que o que eu já tenha dito
seja – disse um pouco desanimada e ele apertou meu joelho.
- Ei, nós vamos encontrar alguma coisa. Vamos conseguir reabrir
o caso.
Dei um sorriso não muito convincente e Rupert me puxou para
junto dele, envolvendo os braços em volta de mim. Deitei a cabeça em seu peito
e deixei que ele apertasse mais o abraço. Não fazia ideia de como íamos
conseguir convencer o Tenente Sanders a reabrir aquele caso, mas eu precisava
tentar. Eu queria muito a minha mãe.
Acordei desanimado naquela manhã de 6 de junho de 2018.
Fazia exatamente um ano que Brittany e Timothy haviam morrido na explosão que
causei e já fazia um tempo que não pensava nos dois ou no que aconteceu, mas
tudo voltou como um flash no instante em que abri os olhos. Naquele momento
soube que seria um péssimo dia.
Minhas memórias daquele 1º aniversário da morte deles são um
pouco confusas. O que lembro com clareza é que tinha uma consulta com o Dr.
Pace naquela manhã, mas não apareci em seu consultório. Sabia exatamente o que
ele diria e não queria ouvir. Lembro também de ter ignorado uma dezena de
ligações durante o dia. E principalmente, lembro-me de ter ido até o cemitério
onde os dois estavam enterrados.
James estava lá quando cheguei, ajoelhado ao lado do tumulo
de Brittany com uma aparência pior que a minha. Segurava um buque de flores com
tanta força nas mãos que por um instante achei que fosse esmaga-las, mas as
depositou diante da lápide quando me viu e ficou de pé.
- Gérberas eram as favoritas dela – disse suspirando – Nunca
dei uma única flor delas a ela, com medo de que tivesse a impressão errada. E
agora trago um buque inteiro.
- Sinto muito – foi tudo que consegui dizer enquanto
apertava seu ombro.
- Não esperava vê-lo aqui.
- Para falar a verdade, nem eu. Não havia percebido para
onde ia até ver a entrada do cemitério.
- Ainda se sente culpado? – ele perguntou e quando não
respondi, sacudiu a cabeça – Cara, você precisa parar com isso. Não foi sua
culpa, você salvou muita gente.
- Eu sei, não é culpa o que sinto. Não sei explicar o que é
e isso me deprime, sou um escritor – ele riu um pouco, mais relaxado – Só achei
que devia vir aqui, por respeito, entende? – e ele assentiu.
- Tínhamos tantos planos, sabe? – James sentou no chão outra
vez e sentei ao seu lado – Britt ia cursar direito em Cambridge e me fez
prometer acompanha-la. Eu nunca nem quis ser advogado, concordei só para
fazê-la parar de encher o meu saco.
- Você agora está cumprindo a promessa, não é? – perguntei e
ele assentiu.
- Foi a primeira coisa que fiz quando voltei de Hogwarts.
Consegui uma bolsa e tenho conciliado a academia com as aulas.
- Como você faz pra assistir a elas? Não ficou o primeiro
mês preso no quartel?
- Eu não assisto às aulas na universidade, faço a distancia.
Eles me mandam o material, eu estudo e faço todos os trabalhos sozinhos e só
vou até lá fazer as provas. E muitas matérias eu já tenho na academia, então
pude cortar uma boa parte da grade. Posso assistir às aulas quando quero e
sempre que tenho tempo faço isso, mas é muito raro.
- Deve ser exaustivo.
- É, mas é o mesmo sentimento que você não consegue
explicar. Britt sempre me incentivou a fazer isso dizendo que ia me ajudar com
a carreira na policia. É como se eu devesse isso a ela, sabe?
Eu sabia exatamente o que ele queria dizer. Não era
justamente por sentir que devia algo a eles que eu estava ali? Ficamos um tempo
em silencio sentados na grama, depois caminhamos até a lápide de Timothy e
James contou algumas histórias que me ajudaram a conhecer outro lado do garoto
que me atormentou por tanto tempo. Nós nunca seriamos amigos, mas ouvindo a
forma com que James falava dele, soube que não era uma má pessoa.
Deixamos o cemitério quando vimos os pais de Timothy se
aproximando. Meu primeiro impulso seria falar com eles, embora não soubesse o
que poderia dizer, mas James me puxou pelo braço na direção contrária. Ele
tinha razão, era melhor não ir até eles. Se não tínhamos nada de útil para dizer,
e nada que você diga aos pais que perderam seu filho no 1º aniversário da morte
dele será útil, era melhor calar a boca e se retirar.
Não me lembro de quem foi a ideia, mas do cemitério fomos
direto para um pub que ficava no bairro vizinho. Ainda eram 11h da manhã quando
entramos e com identidades alteradas com magia, pedimos duas doses de tequila.
Lembro-me de, ainda sentados no balcão, termos pedido mais duas rodadas. E
depois disso tudo é um grande borrão.
Minha próxima lembrança é de acordar em um lugar que não
reconheci de imediato. Estava em uma cama, disso eu tinha certeza, mas onde era
aquilo? Olhei em volta confuso e reconheci a decoração como sendo o antigo
quarto de Connor, no apartamento que dividia com Nick. O que eu estava fazendo
ali?
- Ah, bom dia, Kurt Cobain – ouvi a voz de Nick vindo de
algum lugar em minha mente e virei a cabeça rápido demais. Achei que ia morrer.
- Nick. O que houve? – olhei para o lado, dessa vez movendo
a cabeça devagar – James, onde ele está?
- Ele acordou há meia hora, vomitou no chão da minha sala e
saiu apressado de volta pro quartel. Já deve estar levando a punição do século
por ter perdido um dia inteiro de aula.
- Um dia inteiro...?
- Hoje é dia 7.
- O que aconteceu com o dia 6? – eu estava muito confuso,
meu cérebro não conseguia funcionar.
- O que aconteceu foi que vocês beberam até não poder mais e
eu os resgatei do bar – devia estar com cara de interrogação, porque ele
continuou – Quando Amber viu que James desapareceu e você não atendia suas
ligações, deduziu que algo estava errado e que tinha relação com o que o dia de
ontem representa a vocês dois, então me ligou. Rastreei seu celular e encontrei
vocês quase desmaiados no balcão, de tão bêbados que estavam.
- Droga, ela deve estar uma fera.
- Acho que ela vai ser mais compreensiva do que pensa,
estava preocupada quando me ligou, mas não aconselho a ignorar as ligações da
sua namorada outra vez, por mais depressivo que esteja.
- Eu não estava depressivo. Não planejei nada disso.
- Acredito em você, mas não torne isso uma tradição, ok?
Outros dias 6 de junho virão e não quero ter que busca-lo em um bar todo vez –
e assenti, o que fez com que minha cabeça rodasse.
- E o que houve com você? Está com uma cara péssima.
- Ouvir isso do cara descabelado com olheiras de panda e de
ressaca é deprimente – ele sacudiu a cabeça rindo, mas sabia que algo estava
errado.
- O que aconteceu? – insisti e sentei na cama tentando me
orientar.
- Só estou cansado.
- Cansado de alguma coisa especifica ou...?
- Cansado de tudo, na verdade. Fizemos show essa semana,
cheguei em casa quase 2h da manhã e antes das 6h tive que levantar e correr
para a delegacia. Não aguento mais essa jornada dupla, não sei por mais quanto
tempo consigo manter essa vida.
- Está pensando em desistir de um dos dois? – perguntei e me
surpreendi quando ele assentiu – Não achei que um dia fosse ouvir isso. Vai
desistir de ser detetive? – quando ele não respondeu, fiquei ainda mais
surpreso – Vai largar a banda??
- Não sei, Rup. Esse é o problema. Eu não sei o que fazer.
Minha única certeza é que não aguento mais ser um músico e um detetive ao mesmo
tempo. Eu preciso escolher, mas não sei qual.
- Bom, acho que o simples fato de você estar em dúvida já
diz qual você não quer abandonar. Você sempre quis ser músico, seu pai teve que
lutar para convencê-lo a entrar para a academia de auror. Se hoje você está
hesitando entre ficar com o que sempre quis ser e o que nunca pensou em ser, é
porque alguma coisa mudou.
- Ok Dr. Pace, chega de forçar o cérebro por hoje – disse
quando apertei a testa com uma cara sofrida – Gabriel ligou para o seu celular
há uma hora e atendi. Disse que tinha uma reunião ao 12h, mas expliquei você
não tinha condição de tomar decisões inteligentes tão cedo assim e ele
conseguiu empurrar para às 16h. Disse que é melhor aparecer na editora, sóbrio
ou não, então vou leva-lo em casa e ser sua babá por hoje, me certificar de que
vai chegar à Black Pawn na hora certa.
- E o seu trabalho?
- Hoje é a minha folga. Por que acha que estou tendo tempo
de pensar?
Assenti sem conseguir formar mais nenhuma sentença coerente
e levantei da cama, deixando que ele me dissesse o que fazer e para onde ir. Já
havia exercitado demais o cérebro naquela manhã, precisava poupá-lo para o que
quer que me estivesse me esperando na reunião. Nick tinha razão, eu não podia
deixar que isso virasse uma tradição.
Infelizmente, aquilo seria uma tradição pelos próximos cinco
anos.
Março de 2018
Não sei exatamente onde estava com a cabeça quando decidir
me tornar uma Curandeira, mas sem dúvida não estava com o juízo perfeito. Os
primeiros meses foram motivadores, mas depois de seis meses vieram os primeiros
plantões de 48 horas e o animo já não era mais o mesmo. E como se já não fosse
estressante o bastante passar mais de 24 horas sem dormir direito tentando não
matar seus pacientes, ainda tínhamos mamãe e tia Mirian rondando o hospital dia
e noite supervisionando cada respiração nossa. Se você acha que ter sua mãe e
sua tia como chefes é algum beneficio, pense outra vez. Justin, JJ e eu éramos
cobrados em dobro.
Os plantões sem fim eram exaustivos e sempre chegava em casa
reclamando, mas ainda não havia desistido da idéia de estudar medicina trouxa em Oxford. O envelope com a
ficha de inscrição já estava em minhas mãos havia algumas semanas e tinha
finalmente terminado a redação que eles pedem para nos avaliar. Estava
aproveitando um momento raro de descanso para terminar de organizar tudo e
colocar no correio quando bateram na porta da sala de descanso. Quando vi a
cabeça do Dr. Cooper aparecer, sabia que a folga havia acabado.
- Explosão de caldeirão na maca cinco esperando por você –
ele atirou a ficha para cima de mim.
Levantei do sofá sem muita pressa, mas quando bati o olho no
nome do paciente na prancheta, disparei porta afora. Sheldon estava deitado na
maca como se estivesse morrendo, pressionando um pedaço de pano contra a testa.
O pano já estava ensopado de sangue e metade de seu rosto estava vermelho. Era
uma cena pavorosa.
- Sheldon! O que aconteceu com você?
- Eu estava fazendo um experimento que não deu muito certo.
- Você não explodiu o apartamento, não é?
- Não, consegui carregar o caldeirão até o elevador antes de
explodir. A propósito, nosso prédio não tem mais lavanderia.
- Pelo menos você está inteiro. Deixe ver o ferimento –
estiquei a mão para tirar o pano de sua testa e ele saltou da maca.
- Quero um Curandeiro de verdade.
- A menos que o paciente esteja morrendo são os alunos que
atendem, então deita ai e fica quieto – o empurrei de volta na maca com força.
- Você ao menos sabe o que está fazendo? – disse se
esquivando quando puxei o pano ensangüentado.
- Se não parar de se mexer vou chamar um enfermeiro para
amarrá-lo na maca – disse séria e ele me olhou desafiador, mas deve ter
percebido que não estava brincando e sossegou – Isso é um pedaço de plástico? –
disse tirando um objeto esquisito de sua testa – O que você estava cozinhando?
- Você não vai querer saber.
- Tem razão, às vezes a ignorância é uma bênção. Fique
quieto um instante que já volto.
Deixei Sheldon sozinho na maca por alguns minutos enquanto
pegava uma poção anestesiante e o kit para limpar o corte e fechá-lo. Era
nessas horas que me sentia mais ansiosa por começar os estudos trouxas da
medicina. Bruxos não usavam agulha para costumar pacientes, manter o corte na
testa de Sheldon estável o suficiente para fechar sem a ajuda de um ponto não
era uma tarefa simples.
- Beba isso – entreguei um frasco de poção a ele – Vai
deixá-lo anestesiado.
- Você fez essa poção? – perguntou desconfiado – De onde ela
veio?
- Não, Sheldon, as poções usadas no St. Mungus vêm da loja
do professor Yoshi. Beba isso logo, não posso limpar esse buraco na sua testa
com você sentindo dor.
- O que você vai fazer com o corte?
- Vou retirar todos os objetos estranhos que possam ter
entrado nele na explosão e fazer o sangue estancar antes de fazer o curativo.
Como você já sabe, não temos autorização para costurar pacientes, então terá
que colaborar e seguir todas as instruções. Agora beba a poção. Vai se sentir
um pouco estranho, mas não vai sentir dor quando começar a mexer em sua testa.
Sheldon ainda hesitou por um instante, mas se deu por
vencido e bebeu a poção. O efeito dela começou a aparecer dois minutos depois.
Quando Sheldon colocou a língua para fora e a apertou, dizendo que não doía,
sabia que já estava mais que dopado. Aquela era uma das poções mais fortes que
Hiro fornecia ao hospital, era mais eficaz para deixar a pessoa desorientada
que algumas doses de tequila. Logo, foi muito difícil manter a pose série
enquanto fazia meu trabalho.
- Eu não gostava de você, Clara – Sheldon falou depois de
cansar de mexer na orelha – Você é chata, intrometida, mandona...
- Tem algum “mas” vindo? Não esqueça que estou segurando
objetos cortantes perto da sua cabeça.
- Mas... – ele fez uma entonação dramática e segurei o riso
– Aprendi a me adaptar. Você faz bem ao Hiro e ele traz um pouco de cultura a
sua cabeça oca.
- Obrigada, eu acho.
- Por favor, não magoe meu amigo.
- Não pretendo magoar ele.
- Ótimo. Posso contar um segredo? – ele diminuiu o tom de
voz e fez sinal para que me aproximasse. Já estava querendo rir, mas ainda
consegui me segurar.
- Claro, o que é?
- I’m Batman! – disse imitando a voz do Batman e dessa vez
não consegui não rir – Posso contar outro segredo?
- Claro, Sheldon. Minha boca é um túmulo.
- Mamãe fuma no carro. Jesus não liga, mas não conte para o
papai. Não esse segredo, o outro segredo... I’m Batman!
Sheldon começou a citar falas dos filmes e aproveitei essa
distração para terminar o que estava fazendo. Ele já começava a cantar o hino
da Inglaterra quando passei o ultimo pedaço de esparadrapo no curativo e tirei
a luva. Ele parou de falar um instante, tocou a bandagem na cabeça e fez sinal
de positivo, esquecendo completamente que minutos atrás estava questionando
minha habilidade de fazer um curativo.
- Ok Sheldon, espere aqui até o Dr. Cooper lhe dar alta,
tudo bem? – falei bem devagar para ele não perder nenhuma informação – Não saia
da maca. Isso é importante, Sheldon, está prestando atenção?
- Sim, ficar na maca. Não sair. Dr. Cooper vai me dar alta –
ele estendeu a mão e a olhou fascinado – Isso parece azul pra você?
- Não, você ainda não está virando um Avatar. Já volto.
Não podia deixar Sheldon ir embora sozinho, sabe Merlin onde
ele ia parar naquele estado, alguém tinha que leva-lo para casa. Liguei para Hiro
para checar se ele podia vir busca-lo, mas ele estava atolado na loja e não
poderia sair antes das 20h, não adiantava nada. JJ não sairia antes das 2h da
manhã hoje, então acabei ficando com o abacaxi. Meu plantão terminava em uma
hora, ele sobreviveria até lá. Dr. Cooper avaliou o que tinha feito e o liberou
de imediato, mas expliquei que ele era meu vizinho e o levaria para casa mais
tarde e ele autorizou que ele ficasse na maca até que eu saísse.
Às 18h em ponto encerrei meu plantão e fui até onde havia
deixado Sheldon para resgatá-lo. Ele ainda estava em uma alucinação absurda de
que suas mãos estavam ficando azuis e o reboquei ainda falando sobre o assunto
até a área de aparatação. Eu costumava pegar o metrô para ir embora, ver um
pouco de gente que não sejam doentes, mas não ia me arriscar a sair com ele
naquele estado em um transporte publico lotado. O que foi um erro, evidentemente.
Ainda sob o efeito do sedativo, assim que aparatamos no corredor dos
apartamentos, Sheldon teve quase uma convulsão e vomitou toda a poção no meu
pé. Se não tivesse segurando firme seu braço na hora que desaparatamos, teria
desabado no chão.
O lado positivo de ter vomitado? O efeito da poção passou e
Sheldon não estava mais parecendo um maconheiro. O lado negativo? Ele agora
estava passando mal e eu fiquei de enfermeira a noite inteira. Todo mundo diz
que homens são molengas quando ficam doentes e viram bebês, mas chamar o que
Sheldon vira de bebê não seria apropriado. Ele vira a pessoa mais insuportável
do mundo. Mais complicado que cuidar de uma criança doente ou um velho
realmente teimoso, consegui com muito custo que ele tomasse banho (tive que
encher a banheira antes e colocar a água na temperatura certa!) e colocar o
pijama para deitar. Eu não sabia cozinhar, então graças a Merlin existem sopa
semi-pronta, mas ainda assim tive que ouvi-lo reclamar que não estava boa,
mesmo engolindo tudo. Quando Hiro chegou, já quase 22h, eu estava cantando
sentada na beira de sua cama com a cara mais enfezada do mundo.
- Onde você estava? Disse que ia sair às 20h! – perguntei
irritada. Não tinha a menor vocação para ser babá.
- Recebi material hoje, estava fazendo o estoque até agora
pouco – ele respondeu na defensiva – Eu disse que estava enrolado!
- Podia ao menos ter ligado, não é? Estou duas horas a mais
do que contei aqui!
- Não briguem! – Sheldon se encolheu na cama com as mãos
tapando os ouvidos.
- Não estamos brigando, Sheldon – Hiro respondeu cansado –
Só discordando.
- Já ouvi isso antes. E em seguida eu tinha que me esconder
em meu quarto recitando uma palestra de Richard Feynman, enquanto minha mão
gritava que Jesus a perdoaria se ela pusesse vidro no bolo de carne do papai. E
meu pai está no telhado atirando na coleção dela de pratos colecionáveis de
Franklin Mint.
- Não estamos brigando, vê? – levantei da cama e abracei
Hiro, dando um beijo rápido nele – Ninguém vai mais gritar, nem quebrar nada.
- Então por que ainda estão com expressões zangadas?
- Ok Sheldon, você teve problemas na infância, todos nós
temos nossos traumas. Cresça e supere isso! – Hiro falou impaciente e o
empurrei.
- Posso resolver isso? – perguntei reprimindo a fúria e
sentei na cama outra vez – Sheldon, tente entender, por favor. Hiro e eu
estamos em um relacionamento e ocasionalmente nós vamos brigar. Mas não importa
o que aconteça entre nós, você vai ser sempre parte das nossas vidas. Certo,
Hiro?
- Sempre é muito tempo – olhei para ele séria e ele assentiu
– Claro. Sempre.
- Agora você precisa dormir. Vai acordar se sentindo melhor
amanha, prometo.
Saímos do quarto e apaguei a luz antes de puxar a porta,
deixando Sheldon finalmente quieto e, espero, dormindo. Hiro me puxou para um
abraço quando já estávamos no corredor e não resisti, deixei que ele me
envolvesse com seus braços.
- Desculpe, eu devia ter ligado.
- Tudo bem, eu exagerei um pouco, cuidar dele pode ser muito
estressante.
- Pode ser? – ele ergueu a sobrancelha e ri.
- Ok, é muito estressante – admiti e ele beijou minha testa
– Ele é nosso filho, não é?
- Bom, você estava cantando para ele quando cheguei, acho
que isso acabou com qualquer chance de negar.
- Eu sabia que ter filhos era uma péssima ideia – falei
suspirando e ele riu.
- Já que nosso primogênito finalmente dormiu, que tal
praticar alguns irmãos?
- Contanto que a gente fique só na prática, mostre o
caminho.
Ele sorriu maroto e me beijou com vontade antes de me puxar
pela mão na direção de seu quarto.
°°°°°°°°°°°
O evento mais esperado pela família Storm aconteceu no final
de março. Becky estava deslumbrante em um vestido cor pérola com detalhes de
rosas quando entrou na igreja de braço dado com tio George, a felicidade
estampada no enorme sorriso que tinha no rosto. Connor estava nervoso perto de
nós no altar. Balançava-se para frente e para trás angustiado para que ela chegasse
logo. Do meu lado, Rupert não parava de olhar para Amber sentada com os outros
convidados. Ele tentava não olhar, mas não conseguia. Meu primo era do tipo que
queria estar ali um dia e todo mundo sabia que ele esperava que Amber fosse
quem viesse ao seu encontro no altar.
A cerimonia foi curta, simples e bonita. Do lado de Connor,
seu irmão Micah e sua esposa Evie e Nick e Kaley formavam os dois casais de
padrinhos. E do lado de Becky, eram Rupert e eu e Ethan e Brianna. O padre era
jovem e muito descontraído, fazia perguntas do tipo “Você tem mesmo certeza que
quer se casar com ele? Ele vai ficar gordo e careca quando envelhecer” para
Becky e “Ela não vai ter sempre esse corpinho elegante, então pense bem!” para
Connor, o que arrancava risadas de todo mundo e aliviava um pouco a tensão de
ambos, que só faltavam cortar a circulação um do outro tamanha era a força com
que apertavam as mãos.
Se a cerimonia foi boa, a festa foi sem explicação. Mais uma
vez mamãe assumiu o controle das coisas e, junto das mães de Connor e Nigel e
Otter, organizaram uma recepção para ninguém botar defeito. E na hora da
primeira dança já casados... Bem, essa parte vamos dizer que mamãe não teve
qualquer envolvimento. Ela foi contra, a principio. Não queria fugir do tradicional,
mas Connor acabou convencendo-a de que seria diferente e divertido e ela cedeu.
Os dois caminharam de mãos dadas para o centro da pista ao
som de Just the way you are, do Bruno Mars, o que já não era uma música
clássica de casamento, mas era uma versão mais lenta e estava tudo normal.
Dançaram um pouco de rosto colado e de repente a música mudou. Começou a tocar Party
Rock Anthem e os dois embarcaram em uma coreografia insana da música. Quando já
estava todo mundo aplaudindo animado, todos os padrinhos e mais alguns amigos
que toparam entrar na brincadeira entraram na pista e a primeira dança deles
virou um flash mod. Eu tinha certeza que quando aquele vídeo fosse parar na
internet e se transformasse em um viral eu me arrependeria de ter topado participar,
mas na hora foi bem divertido.
Quando nada de mais impactante poderia acontecer, Connor
provou que sabia como surpreender. Em segredo, com a ajuda de Nick, Nigel,
Otter, Ethan, Brian e Edward, preparou um numero para Becky. Era tudo uma
grande piada, é claro. Connor escolheu uma música de uma boyband que Becky era
apaixonada quando tinha 15 anos e os sete bolaram uma coreografia que foi muito
bem ensaiada para apresentar. Sentaram Becky em uma cadeira sozinha no meio da
pista e quando a música começou a tocar e ela reconheceu a melodia, ficou quase
sem ar de tanto que riu. E acho que o mesmo pode ser dito dos demais
convidados. Mamãe olhava pra mim procurando uma explicação, mas eu também não
sabia de nada, aquilo tinha sido obra dos meninos e ninguém mais.
Depois de um flash mob e daquela apresentação ao melhor
estilo Backstreet Boys nenhuma outra surpresa apareceu, então a festa correu
como qualquer outra festa de casamento. Estava na mesa com a turma e era
impossível não notar que metade de nós éramos casais. Jamal não conseguiu ficar
nem cinco minutos sentado e levantou reclamando que casamentos eram ótimos para
se divertir sem compromisso e não ia conseguir isso sentado com casais. Quando
saiu da mesa determinado, levou com ele Julian, MJ e Zach, que também estavam
solteiros. Kaley e Elena ficaram na mesa conosco sem a mesma animação dos
meninos, mas acho que se arrependeram logo. Nem eu sei quando aconteceu, mas o
papo acabou sendo casamentos. Rupert ficou logo tenso, sabia muito bem que se
tocasse nesse assunto assim tão cedo com Amber, corria o risco de ficar
solteiro. Mas Keiko e JJ, Haley e Justin e Arte e Tuor falavam do assunto com
tanta naturalidade que fiquei um pouco assustada. Não, aterrorizada seria a palavra
mais adequada.
- Ai gente, vocês não acham cedo demais pra falar disso não?
– resmunguei e ouvi Hiro rindo baixo no meu ouvido.
- Ninguém está marcando data de casamento, não tem nada
demais falar sobre isso – Keiko se defendeu e os outros apoiaram.
- Bom, eu já marquei data! – Arte levantou a mão empolgada e
todo mundo riu quando Tuor bateu palmas animado.
- Vocês são todos loucos. Não sei nem se quero casar ainda!
- Ah, bom saber disso – Hiro disse em tom de brincadeira e
ri, mas o clima na mesa mudou.
De repente o assunto era outro, começaram a falar do flash
mob e de como as pessoas reagiram surpresas e depois queriam participar. Hiro
não parecia chateado com nada, participava do papo normalmente, mas eu estava
incomodada. Lembrei-me de Sheldon, drogado, me pedindo para não magoar seu
amigo. Será que eu havia o magoado dizendo que não pensava em me casar? Hiro
nunca havia dito nada sobre isso, mas todo mundo sabia que ele era essa pessoa.
Ele era o tipo que um dia quer casar e ter filhos, construir sua própria
família. E eu ainda não sabia se queria isso.
- Vamos dançar? – convidei-o e ele sorriu, levantando da
mesa e me estendendo a mão.
- Você está bem? – perguntou quando já estávamos fora do
alcance dos ouvidos de nossos amigos – Está um pouco tensa.
- Você quer se casar? – perguntei do nada e ele me olhou
assustado.
- Está me pedindo em casamento?
- Não! Merlin, não! – ele riu do meu desespero e bati em seu
peito – Não tem graça.
- Clara, relaxa. Eu sei que você não é aquela menina que
sempre sonhou com um vestido branco e um príncipe encantado. Sei onde estou me
metendo e não ligo, porque eu te amo.
- Mas você quer isso tudo, não quer?
- Não sei, provavelmente sim, mas não penso nisso ainda. Não
completei nem 19 anos.
- Obrigada! Somos novos demais para isso, não é? Arte e Tuor
são dois loucos apressados.
- Dois loucos apressados e apaixonados, mas com eles é tudo
muito mais intenso, era de se esperar que casassem logo. Nós somos diferentes,
temos outros planos para o futuro.
- E se no meu futuro não tiver nenhum casamento e nenhum
filho? Você ainda vai estar nele?
- Você me quer nele?
- Eu também amo você e não quero que isso nos afaste.
- Por que não deixamos para ter essa conversa quando chegar
a hora? Temos muitos anos pela frente ainda e as coisas mudam. Olhe para você,
por exemplo. Há três anos imaginava que seria mãe adotiva de Sheldon e estaria
cursando medicina?
- Ou que estaria namorando você? – completei e ele segurou
meu rosto para me beijar.
- Exatamente. Quem sabe daqui a uns anos você não muda de
ideia e decide que quer se casar comigo?
- Isso foi um pedido?
- Ainda não, mas quem sabe no futuro...
Sorri para ele e o beijei de volta, o puxando pela mão para
o meio da pista de dança. Ele tinha razão, era cedo demais para falar sobre isso.
Se nossos amigos acham que é hora de pensarem em casamento, bom para eles, mas
nós pensávamos diferente. Ainda tinha cinco anos de faculdade de medicina pela
frente e mais sete como residente de cirurgia, não queria nem saber de nada
disso até ter conquistado todos os meus objetivos. E para ser bem sincera,
talvez nem depois que eu tivesse conquistado tudo isso.
°°°°°°°°°°
Em algum lugar do futuro.
Foi um plantão
exaustivo. 48 horas sem dormir, me mantendo acordada à base de muito café e energético,
e mais um plantão de 32 pela frente em menos de 24 horas. Precisei tomar um
relaxante muscular com a capacidade de derrubar um elefante quando cheguei em
casa e apaguei no instante que minha cabeça encostou no travesseiro.
Não sei por quanto
tempo dormi. Pela dor que sentia em todo o corpo, não o suficiente. Amanhã
seria um longo dia, já podia prever. Demorei um tempo até perceber o que me
acordou. O remédio ainda estava fazendo efeito, meu cérebro estava uma bagunça.
Meus olhos procuraram pelo relógio. Nem cedo nem tarde, mas ainda não era hora
de acordar.
Pisquei confusa e
então percebi o que havia me despertado. Tinha um pé no meu pescoço. Um pé
minúsculo que havia acertado meu rosto e escorregou quando me mexi. Virei o
corpo na cama com dificuldade e sorri quando vi a dona do pé espalhada no
colchão embolada na coberta feito um macaco sem modos para dormir. Minha anjinha
rebelde. Ele deve dê-la deixado pular para cá antes de ir trabalhar.
Mesmo com dor, me movi
o suficiente para puxá-la para junto de mim. Ela se agitou quando mexi seu
corpo, mas sossegou quando a abracei e não acordou. Ela era tão pequena e já
tão geniosa. Mamãe se divertia dizendo que agora eu sabia o que ela passou
comigo. Sorri lembrando o jeito que ela se sentiu orgulhosa quando ouviu a avó
contar que era mais parecida comigo do que pensava e alisei seus cabelos,
beijando sua testa.
E pensar que houve uma
época em que a ideia dela um dia fazer parte do meu futuro me apavorava e nunca
era cogitada. Olhando para ela dormindo aconchegada em meus braços, não
conseguia entender como um dia pude viver sem ela.